O cenário político brasileiro nas eleições municipais de 2024 apresenta uma peculiaridade alarmante: o número de municípios onde apenas um candidato concorre à prefeitura dobrou em comparação com a eleição anterior.
De acordo com dados sistematizados pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), o Brasil passará de 108 cidades com candidaturas únicas em 2020 para 214 municípios em 2024. Esse fenômeno, que já é o maior registrado nas últimas sete eleições, levanta questões sobre os desafios enfrentados por candidatos em pequenas cidades e o impacto dessa realidade na representatividade política.
O número de municípios com candidaturas únicas nunca foi tão alto. Segundo a CNM, desde que essa série histórica começou no ano 2000, não se via um número tão elevado de cidades com apenas um candidato à prefeitura. Esse aumento significativo – de 108 para 214 municípios – sugere que o ambiente político em pequenas cidades brasileiras está se tornando cada vez menos competitivo.
O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, aponta que as dificuldades para se candidatar em cidades menores têm contribuído para esse cenário.
“As dificuldades incluem não apenas a falta de recursos financeiros e apoio técnico, mas também questões burocráticas e entraves jurídicos, que tornam a vida pública muito penosa na ponta”, destacou Ziulkoski. De fato, a média populacional das cidades com candidato único é de apenas 6,7 mil habitantes, reforçando a ideia de que em localidades menores, a política pode ser menos atrativa ou acessível.
O aumento no número de candidaturas únicas reflete uma série de desafios enfrentados em pequenas cidades. A falta de recursos, tanto financeiros quanto de infraestrutura, e as complicações burocráticas, são alguns dos principais obstáculos que desencorajam potenciais candidatos. Além disso, em muitas dessas localidades, o poder tende a ser concentrado em poucos grupos ou famílias, o que pode desestimular novas candidaturas e perpetuar dinâmicas de poder já estabelecidas.
Esse contexto faz com que a política em pequenos municípios se torne pouco atrativa para novos candidatos, resultando em uma baixa renovação política e na ausência de diversidade de ideias e propostas. Isso pode levar a uma estagnação nas políticas públicas locais, afetando diretamente a qualidade de vida dos cidadãos.
O fenômeno das candidaturas únicas não está isolado; ele faz parte de uma tendência mais ampla de redução no número total de candidaturas no Brasil. Segundo a CNM, o número de candidaturas para as eleições de 2024 caiu 20% em comparação com 2020, passando de 19,3 mil para 15,4 mil candidatos. Essa queda pode ser atribuída a uma série de fatores, incluindo a complexidade crescente do processo eleitoral e as dificuldades econômicas enfrentadas por muitos municípios.
Essa redução no número de candidaturas também pode indicar um desinteresse crescente pela vida pública em nível municipal, especialmente em cidades menores. Isso pode ter implicações preocupantes para a governança local, uma vez que a falta de opções eleitorais limita a capacidade dos eleitores de escolher líderes que melhor representem seus interesses.
Paralelamente ao aumento das candidaturas únicas, também cresceu o número de municípios com apenas dois candidatos disputando o cargo de prefeito. Em 2020, 38% dos municípios brasileiros tinham até dois candidatos concorrendo à prefeitura. Agora, em 2024, esse percentual subiu para 53%. Isso significa que mais da metade dos municípios brasileiros tem uma eleição com pouquíssimas opções de escolha para os eleitores.
De acordo com um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), cerca de 1,6 milhão de brasileiros vivem em cidades onde há apenas um candidato a prefeito, o que equivale a 0,8% da população do país. Além disso, outros 35,7 milhões de eleitores terão que escolher entre apenas duas candidaturas. A assessora política do Inesc, Carmela Zigoni, alerta que esse cenário de baixa representatividade pode reforçar dinâmicas de poder já estabelecidas e comprometer a diversidade de ideias e propostas políticas nas cidades.
O estudo do Inesc e os dados da CNM revelam um perfil bastante homogêneo dos candidatos únicos. A maioria deles são homens (88%), brancos (74%) e ligados a partidos de direita (57%). Além disso, quase metade dos candidatos únicos (47%) já ocupam o cargo de prefeito, o que sugere uma continuidade do poder nas mãos das mesmas lideranças. Outros 11% são empresários, e 7% são agricultores.
Em termos partidários, o MDB lidera com 24% das candidaturas únicas, seguido por PSD (16%), PP (13%) e União Brasil (11%). Partidos como o PT e o PL, que têm forte presença em níveis estaduais e federais, representam apenas 5% e 7% das candidaturas únicas, respectivamente. Esse cenário reforça a ideia de que a polarização política, tão evidente em níveis estadual e federal, não se manifesta com a mesma intensidade nas disputas municipais.
A crescente falta de competitividade nas eleições municipais pode ter sérias implicações para a democracia local. Em cidades onde há apenas um candidato ou um número limitado de opções, os eleitores têm pouca ou nenhuma escolha real. Isso pode levar a uma sensação de desengajamento e desilusão com o processo democrático, minando a confiança nas instituições públicas.
Além disso, a falta de renovação política em muitas dessas cidades pode perpetuar práticas políticas ultrapassadas e ineficazes, que não atendem às necessidades da população. A ausência de diversidade de ideias e a continuidade do poder nas mãos das mesmas pessoas também podem dificultar a implementação de políticas inovadoras e necessárias para o desenvolvimento local.