Estudantes indígenas debatem equidade e educação no XI Encontro Nacional em Brasília

Na última semana, Brasília foi palco de um evento que reflete a importância crescente da educação indígena no Brasil: o XI Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas (ENEI). Cerca de mil estudantes indígenas representando mais de 100 povos estiveram presentes, trazendo à capital suas demandas por equidade no ensino superior, lutando contra o preconceito e defendendo a criação de uma universidade específica para povos indígenas.

Organizado pela Associação dos Acadêmicos Indígenas da Universidade de Brasília (AAIUnB), o evento foi um marco na luta pela inclusão dos povos indígenas na educação superior. Com uma série de audiências realizadas com representantes dos Poderes Públicos, os participantes discutiram temas fundamentais, como as cotas universitárias e a presença indígena na ciência, além de entregar uma carta de reivindicações escrita por coletivos indígenas de 25 universidades.

A participação indígena no ensino superior tem crescido nas últimas décadas, resultado de políticas públicas de inclusão, como as cotas raciais e étnicas. No entanto, os desafios ainda são imensos. Durante as audiências no Senado e na Câmara, os estudantes indígenas destacaram a necessidade de consolidar essas conquistas e expandir as oportunidades para os povos indígenas nas universidades brasileiras.

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Um dos principais tópicos discutidos foi a proposta de criação de uma universidade voltada exclusivamente para povos indígenas, que leve em consideração suas especificidades culturais e educacionais. A ideia é que essa universidade ofereça cursos que integrem tanto o conhecimento científico ocidental quanto a ciência indígena, permitindo a construção de um currículo que respeite e valorize a diversidade cultural e o saber tradicional dos povos indígenas.

Para Manuele Tuyuka, presidente da AAIUnB, a ciência indígena deve ser incluída nas grades curriculares das universidades. Durante o evento, Manuele ressaltou que os povos indígenas têm muito a contribuir para a construção de conhecimento, especialmente quando se trata de áreas como meio ambiente, biodiversidade e sustentabilidade. “Queremos trazer a ciência indígena para dentro da universidade, não somente ficar na grade ocidental que as universidades oferecem, mas também trazer nossa diversidade, nossa identidade”, afirmou Tuyuka.

Essa demanda não é apenas um desejo por inclusão simbólica, mas também uma reivindicação pela valorização do conhecimento tradicional. Muitos povos indígenas, por séculos, desenvolveram saberes que dialogam com a natureza e o meio ambiente de forma sustentável. Ao integrar esses conhecimentos no ensino superior, há uma oportunidade de enriquecer as discussões científicas com novas perspectivas, além de proporcionar aos estudantes indígenas um ambiente mais familiar e acolhedor.

Apesar das conquistas dos últimos anos, os estudantes indígenas ainda enfrentam uma série de desafios nas universidades brasileiras. O preconceito é um deles, como relata Alisson Cleomar, da etnia Pankararu, estudante de medicina na UnB. Alisson menciona que, durante seus estudos, passou por situações em que professores e colegas não o enxergavam como um estudante capaz de estar ali, o que prejudicou tanto seu desempenho acadêmico quanto seu bem-estar psicológico.

A experiência de Alisson não é isolada. Muitos estudantes indígenas relatam dificuldades de adaptação ao deixarem suas aldeias para estudar em grandes centros urbanos. A transição de um ambiente comunitário, onde o trabalho coletivo é parte fundamental da vivência, para uma rotina universitária, que muitas vezes privilegia o individualismo, é um choque cultural que exige resiliência e apoio.

Um exemplo desse desafio é o relato de Thoyane Fulni-ô Kamayurá, estudante de engenharia florestal, que precisou interromper seus estudos ao engravidar no início do curso. “Foi desafiador, mas como a maioria dos indígenas, a gente aprende desde cedo a se virar sozinho”, disse Thoyane, ressaltando que o apoio da comunidade indígena foi essencial para continuar sua jornada acadêmica.

Diante dos desafios mencionados, uma rede de apoio entre os estudantes indígenas tem sido fundamental para a permanência e sucesso desses universitários nas instituições de ensino superior. Essa rede, formada por veteranos, coletivos indígenas e associações como a AAIUnB, oferece suporte emocional, financeiro e acadêmico para ajudar os estudantes a superar as barreiras enfrentadas no dia a dia universitário.

Alisson Cleomar, por exemplo, divide moradia com outros estudantes indígenas, uma prática comum entre esses universitários como forma de fortalecer os laços comunitários e oferecer apoio mútuo. A coletividade que existe nas aldeias é trazida para a cidade, funcionando como um mecanismo de resistência e suporte para enfrentar os desafios de adaptação à vida acadêmica.

Essa coletividade também é visível no processo de preparação para o vestibular, onde muitos estudantes indígenas se apoiam uns aos outros para conquistar uma vaga nas universidades. O trabalho conjunto e a solidariedade são valores centrais para esses estudantes, que enfrentam desafios que vão além das dificuldades acadêmicas, como o preconceito e a saudade de suas comunidades.

Um dos aspectos mais complexos da jornada dos estudantes indígenas é a necessidade de deixar suas aldeias e familiares para estudar nas cidades. Esse processo de deslocamento envolve muito mais do que apenas uma mudança geográfica; é um choque cultural profundo que afeta todas as esferas da vida dos universitários.

A estudante de biologia Yonne Alfredo, da etnia Tikuna, que saiu do Amazonas para estudar na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), relata que, apesar do apoio dos veteranos, a transição foi dolorosa. “É uma mudança enorme na vida de uma pessoa. Foi doloroso deixar minha cidade, meus hábitos, meus costumes”, conta Yonne. No entanto, ela destaca que pretende utilizar o conhecimento adquirido na universidade para ajudar sua comunidade ao retornar à aldeia.

Essa dicotomia entre o desejo de contribuir com as comunidades indígenas e a necessidade de adaptar-se ao ambiente urbano é uma realidade enfrentada por muitos estudantes. A experiência universitária, ao mesmo tempo em que abre novas oportunidades, também os afasta temporariamente de suas raízes. Contudo, muitos deles enxergam essa fase como um passo necessário para fortalecer suas aldeias com o conhecimento adquirido.

Uma das principais demandas apresentadas no XI ENEI foi a criação de uma universidade indígena no Brasil, uma instituição voltada exclusivamente para atender às necessidades educacionais dos povos indígenas. Essa universidade teria como objetivo integrar o conhecimento tradicional indígena com o ensino acadêmico ocidental, oferecendo cursos que respeitem as particularidades culturais de cada etnia.

A proposta não é apenas criar uma instituição de ensino superior adaptada, mas também garantir que os indígenas tenham autonomia sobre seus processos educacionais, preservando e promovendo sua identidade cultural. Para muitos líderes indígenas, a criação dessa universidade seria uma forma de consolidar o protagonismo dos povos indígenas na produção de conhecimento.

Durante o evento, os estudantes indígenas também entregaram uma carta de reivindicações aos representantes do Poder Público, que foi redigida por coletivos indígenas de 25 universidades. A carta solicita, entre outros pontos, a ampliação das cotas universitárias, maior investimento em políticas de permanência e o reconhecimento da ciência indígena nas universidades brasileiras.

Essas reivindicações refletem a luta contínua dos povos indígenas por equidade no ensino superior e a valorização de suas contribuições para a sociedade brasileira. A expectativa é que o diálogo estabelecido durante o XI ENEI resulte em avanços concretos para melhorar as condições de acesso e permanência dos indígenas nas universidades, além de promover um ambiente mais inclusivo e respeitoso para esses estudantes.