Autor: Luiz Carlos Veroneze – MTB 9830/PR
A região da Tri Fronteira é riquíssima em história, a qual oferece fatores que, por não serem devidamente explorados turisticamente, aos poucos acabam esquecidos.
Aqui no Jornal da Fronteira, já publicamos centenas de matérias sobre a história da Tri Fronteira, entrevistas com pioneiros e recontamos anedotas incríveis. Fatos ocorridos no passado, como indefinições de territórios, revoluções e batalhas civis, chacinas e linchamentos, rivalidade entre Lara e Cabral, criminalidade nos tempos de “porco solto”, exploração da erva-mate, extração das araucárias, Coluna Prestes de 1924, Monge João Maria, Grupo dos Onze, passagem do Che Guevara, praga dos gafanhotos, e por aí afora… São assuntos muito interessantes, com quase nada de registros históricos e, por isto, andam quase que esquecidos.
Vou relembrar aqui a “Viagem de 1929”, empreendida pelo governador de Santa Catarina da época, Adolpho Konder. Este acontecimento já foi aprofundado em matéria que publiquei no Jornal da Fronteira no dia 05/04/2012, edição nº 853, sob o título de: “1929 o ano que marcou o início de uma nova história para a região da Tri Fronteira” e em 16/05/2019, edição nº 1222, com o título “A história de ontem e de hoje, de 1929 a 2019: 90 anos depois”.
Esta matéria é uma reprise das anteriores, que foram todas elas de minha autoria.
Em 1929, juntamente com uma comitiva de historiadores, chefes de polícia, agrimensores, deputados e assessores, Adolpho Konder percorreu a região onde hoje está o Oeste do Estado, entre os dias 17 de abril e 18 de maio de 1929, com o plano de conhecer a região decidida em favor do Brasil na Questão de Palmas, delimitada pelo Tratado de 1898 e depois, decida aos catarinenses após a sangrenta Guerra do Contestado, que ocorreu entre 1912 e 1916. Além de, em reuniões com as lideranças locais da época, pensar ações para reprimir o banditismo na fronteira e estabelecer estruturas de combate ao contrabando em Dionísio Cerqueira.
Na época, preocupado com o que chamou de “desnacionalização” dos brasileiros, o governador fundou a escola José Boiteux, na linha Separação (a primeira escola de Dionísio Cerqueira), sediou um destacamento da Polícia Militar e nomeou um cobrador de impostos para a arrecadação de tributos.
Ainda instalou um diretório político do Partido Republicano com lideranças locais. Os escritores que o acompanhavam observaram em seus livros que “a região de fronteira vive em completo abandono”. Ironicamente, nesse aspecto, quase 100 anos depois, só agora começamos a ver investimentos governamentais em estruturas viárias, serviços púbicos, desenvolvimento econômico e social.
Índice:
Viagem de 1929: Um tempo paralisado no tempo
Nesta foto de 1929, o povoado que compreendia a Tri Fronteira era um aglomerado de 150 casas de madeira, com ruas de terra indefinidas, feitas por charretes, carroças e cavalos. Naquela época, o povoado brasileiro não tinha calçamento ou asfalto, nem luz elétrica, nem água encanada, nem rede de saneamento, nem computador, nem internet, nem posto de saúde, nem escola, nem nada… Já imaginou isso hoje?
Mesmo com alguns problemas, atualmente a Tri Fronteira é uma povoação bem organizada, com instituições de segurança, empresariais, unidades públicas para os mais diversos serviços e toda estrutura necessária para uma cidade desenvolvida. Claro que muito ainda precisa ser conquistado, mas com essa matéria já temos uma boa noção das diferenças entre estes dois tempos, 95 anos distantes um do outro.
Visita a uma escola argentina
O governador Adolpho Konder visita a “Escuela n° 49”, em Barracon, no lado Argentino (naquela época, Bernardo de Irigoyen era chamado de Barracon). Seu assessor escreveu:
“Em Dionísio Cerqueira não há oficial de registro, de modo que as crianças que nascem são registradas na Argentina, frequentando escolas Argentinas, servindo o exército Argentino, montando comércios no lado Argentino. Entre as numerosas providências, Konder criou uma escola pública, que deu o nome de José Boiteux, para atender as cerca de 150 casas construídas com madeira lascada”.
A antiga “Escuela n° 49”, é hoje (2019) a “Escuela de Frontera Juan Carlos Leonetti n° 604”, e completa neste mês de maio de 2019, 110 anos. Antigamente, a “Esculela n° 49” ficava localizada atrás do antigo Cassino (em frente a Intendência), nas terras da propriedade de Manoel Silva Dico, uma das principais lideranças da Tri Fronteira no início do século 20, cuja esposa Rosa foi a primeira professora de Barracon.
Abertura da estrada entre Mondaí e Dionísio Cerqueira
O governador Adolpho Konder autorizou e inspecionou a abertura de uma estrada para ligar Mondaí à Dionísio Cerqueira. Por esta estrada, como em uma veia sanguínea, devera percorrer o desenvolvimento econômico e os elementos de ordem e justiça. Na época, o governador fez a viagem por 30 dias em parte do trecho de carro, mas até Dionísio Cerqueira fez o caminho à cavalo, por mais de 300 quilômetros, pela picada no meio do mato, seguindo o caminho feito cinco anos antes durante a Coluna Prestes. O calçamento e o asfalto chegaram muitos anos depois, nas décadas de 70 e 80.
Hoje temos asfalto que liga todas as cidades, algumas em condições precárias, outras recebendo melhorias, como a BR 163 no trecho entre São Miguel do Oeste e Dionísio Cerqueira. Uma viagem hoje entre Dionísio Cerqueira e Florianópolis leva de 9 a 10 horas, com conforto e condições viárias para paradas e repouso.
A fronteira entre os dois países
Naquela época, não existia essa “divisão” que temos hoje. Brasileiros e Argentinos eram um povo só, não tinha fiscalização para passar de um lado para o outro. As lideranças argentinas e brasileiras lutaram por uma bandeira só: a Tri Fronteira.
Adolpho Konder participou de um churrasco em um local bem na divisa onde hoje temos as duas aduanas de turismo. Veja leitor as crianças que estão nesta foto, com certeza, acredito que nenhuma delas hoje esteja viva ou, se alguma estiver, terá cerca de 100 anos.
Percepções sobre uma região isolada
Na época, em suas anotações, os historiadores de Adolpho Konder escreveram:
“A única povoação brasileira, em território catarinense, em toda a extensão da fronteira argentina, desde as nascentes até a embocadura do rio Peperi-Guaçu, é a vila de Dionísio Cerqueira, que leva o nome em homenagem ao general Dionysio Evangelista de Castro Cerqueira, que foi o chefe da comissão brasileira de demarcação dos limites com a Argentina. Aquele lugar abandonado está se desnacionalizando, pois não tem moeda própria, o idioma é um ‘portunhol’, não há escola, nem justiça, nem organização política”.
Um povo que reclama por atenção
Na vila de Dionísio Cerqueira o governador encontrou marcos internacionais de argamassa que nos pareceu pouco consistentes, já que este povo reclama por atenção do governo do Estado e vistas do governo brasileiro.