Avanços no tratamento da fissura labiopalatina trazem novas esperanças

A fissura labiopalatina, uma condição que afeta aproximadamente um a cada 650 bebês nascidos no Brasil, representa um desafio significativo para as famílias e os profissionais de saúde. Com uma prevalência maior no país em comparação às médias globais que indicam um caso a cada 1.700 nascimentos, conforme estudo do Reino Unido , essa má-formação congênita demanda um tratamento complexo e multidisciplinar.

A condição, que se forma ainda no útero, impacta não apenas a aparência dos pacientes, mas também sua alimentação, fala, audição e autoestima. Contudo, os avanços recentes na área de saúde, especialmente em técnicas cirúrgicas e odontológicas, têm trazido novas esperanças para quem convive com essa condição.

Entendendo a fissura labiopalatina

A fissura labiopalatina é uma falha na fusão das estruturas faciais do feto que ocorre entre a quarta e a décima segunda semana de gestação. Essa falha resulta em uma abertura no lábio superior, no palato (céu da boca) ou em ambos, afetando severamente a estética e a funcionalidade da boca e da face.

1. Causas e fatores de risco

Segundo Talita Miksza, ortodontista especializada no atendimento a pacientes com fissura labiopalatina, a condição geralmente ocorre de forma isolada, mas também pode estar associada a síndromes genéticas. “A fissura ocorre ainda no ventre da mãe, no primeiro trimestre da gestação, devido a uma falha na fusão de algumas estruturas que posteriormente vão dar origem à face, ao lábio e ao palato do bebê”, explica. A especialista destaca que a fissura labiopalatina é uma condição multifatorial, ou seja, não possui uma causa única. Fatores genéticos, ambientais e comportamentais, como consumo de álcool, tabagismo e o uso de certos medicamentos durante a gravidez, podem aumentar o risco de desenvolvimento da má-formação.

2. Impactos físicos e emocionais

Além das questões estéticas, a fissura labiopalatina pode causar problemas de saúde significativos, incluindo dificuldades na alimentação e na fala, distúrbios respiratórios, infecções crônicas e alterações na dentição. Esses desafios físicos frequentemente são acompanhados de impactos emocionais e sociais, como baixa autoestima e dificuldades de integração social. Por esses motivos, o tratamento da fissura labiopalatina requer uma abordagem abrangente e multidisciplinar, que inclua cirurgia plástica reconstrutiva, acompanhamento odontológico, terapia fonoaudiológica e suporte psicológico.

O papel da odontologia no tratamento da fissura labiopalatina

A odontologia desempenha um papel crucial no tratamento da fissura labiopalatina, especialmente durante a fase de crescimento dos pacientes. A intervenção odontológica começa cedo, com o objetivo de preparar a boca e o palato para cirurgias corretivas e garantir uma dentição adequada. No Brasil, centros especializados, como o Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Labiopalatal (CAIF), em Curitiba-PR, são referências nacionais no atendimento a esses pacientes.

Durante a adolescência, o tratamento ortodôntico se torna essencial para corrigir o alinhamento dos dentes e a mordida, proporcionando melhorias na função mastigatória e na estética facial. Waleska Furquim, diretora de Pesquisa Clínica da ClearCorrect e especialista em ortodontia, explica que os alinhadores transparentes representam uma inovação significativa nesse contexto. “Todas as condições ortodônticas apresentadas por eles podem ser tratadas eficientemente com alinhadores transparentes, tornando o tratamento mais confortável, prático e facilitando a higienização e alimentação desses pacientes”, destaca.

Em junho de 2024, o CAIF iniciou uma pesquisa inovadora com o apoio da ClearCorrect, fabricante de alinhadores ortodônticos transparentes. Este estudo, que envolve o tratamento de 24 jovens com idades entre 13 e 24 anos, utiliza alinhadores transparentes em conjunto com o scanner intraoral Virtuo Vivo, uma tecnologia avançada que permite a captura de imagens em 3D detalhadas da boca dos pacientes.

A pesquisa tem como objetivo avaliar a eficácia dos alinhadores transparentes no tratamento ortodôntico de pacientes com fissura labiopalatina. Os alinhadores são projetados para mover os dentes gradualmente para a posição correta, proporcionando uma alternativa menos invasiva e mais estética aos aparelhos ortodônticos tradicionais. A utilização do scanner intraoral Virtuo Vivo permite que os dentistas obtenham imagens precisas da boca dos pacientes, facilitando o planejamento e a execução do tratamento.

Os alinhadores transparentes oferecem várias vantagens para pacientes com fissura labiopalatina. Além de serem praticamente invisíveis, eles são removíveis, o que facilita a higienização e permite que os pacientes comam sem restrições. “Esses pacientes passam por múltiplas cirurgias ao longo do crescimento, e a fase de tratamento ortodôntico corretivo, na adolescência, é essencial para trazer estética e conforto mastigatório”, ressalta Furquim. A expectativa é que o estudo dure cerca de 18 meses, podendo se estender dependendo da complexidade dos casos tratados.

O tratamento da fissura labiopalatina no Brasil tem avançado significativamente nos últimos anos, tanto em termos de técnicas quanto de acesso aos serviços de saúde. A proposta de um projeto de lei que obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) a oferecer cirurgias plásticas reconstrutivas gratuitas e tratamento pós-operatório é um passo importante para garantir que todos os pacientes tenham acesso ao cuidado necessário.

A implementação deste projeto de lei, no entanto, enfrenta desafios significativos. A infraestrutura de saúde pública no Brasil já está sobrecarregada, e adicionar tratamentos especializados pode requerer investimentos adicionais em treinamento de profissionais, equipamentos e infraestrutura. Além disso, a conscientização da população sobre a disponibilidade desses serviços será fundamental para garantir que as famílias afetadas busquem e recebam o tratamento necessário.

Talita Miksza destaca que o tratamento da fissura labiopalatina vai além da cirurgia inicial. “O tratamento após a cirurgia é tão importante quanto o procedimento cirúrgico, que requer uma abordagem multidisciplinar envolvendo especialistas em cirurgia plástica, otorrinolaringologia, odontologia, fonoaudiologia, entre outros”, explica. O cuidado contínuo é essencial para garantir que os pacientes desenvolvam habilidades adequadas de fala e audição, mantenham uma boa saúde oral e recebam suporte emocional e psicológico.

Sair da versão mobile