No domingo, 8 de setembro, às 15h47 (horário de Brasília), o satélite Salsa, da missão Cluster da Agência Espacial Europeia (ESA), fez história ao realizar a primeira “reentrada direcionada” já registrada. Após 24 anos em órbita, o instrumento foi conduzido a uma queda controlada na região do Oceano Pacífico Sul, encerrando uma das missões científicas mais importantes para o estudo do campo magnético terrestre. Esse evento marca um novo capítulo na desativação segura de objetos espaciais, evitando riscos de quedas descontroladas e abrindo caminho para uma abordagem mais responsável no gerenciamento de satélites antigos.
O papel histórico da missão Cluster
A missão Cluster foi lançada em 2000 com o objetivo de explorar a interação entre o Sol e o campo magnético da Terra, utilizando um conjunto de quatro satélites: Salsa, Rumba, Tango e Samba. Esses instrumentos forneceram informações valiosas sobre o comportamento da magnetosfera e como ela nos protege das partículas solares. Por meio de medições simultâneas em diferentes pontos, o Cluster conseguiu mapear de forma inédita a magnetosfera, contribuindo significativamente para o conhecimento sobre o clima espacial.
Os primeiros dias da missão, no entanto, não foram tranquilos. Um erro no lançamento do foguete deixou os satélites Rumba e Tango em órbitas incorretas. Felizmente, eles conseguiram se reajustar, utilizando seus próprios sistemas de propulsão, e se uniram a Salsa e Samba para completar o quarteto que revolucionaria o estudo do campo magnético terrestre.
Ao longo das duas décadas que permaneceu em operação, o Cluster contribuiu para avanços científicos no entendimento dos fenômenos magnéticos, explorando áreas inóspitas da magnetosfera, especialmente nos polos, algo que missões anteriores não haviam feito. Essa abordagem inédita permitiu a identificação de regiões desconhecidas da magnetosfera, ampliando a compreensão sobre a proteção que ela oferece ao nosso planeta.
A importância da magnetosfera
Se hoje a Terra é um lugar habitável, é graças à magnetosfera — o escudo invisível que nos protege dos efeitos destrutivos do vento solar, composto por partículas ejetadas do Sol em altas velocidades. Sem essa barreira, nosso planeta estaria exposto a níveis fatais de radiação, prejudicando a vida como a conhecemos.
O Cluster teve um papel fundamental no estudo da magnetosfera ao longo de seus 24 anos de operação. O mapeamento detalhado desse campo magnético não só reforçou a importância da magnetosfera terrestre, como também permitiu comparações valiosas com outros planetas, como Marte, que possui um campo magnético extremamente fraco. Essa comparação ressaltou ainda mais a proteção que a Terra recebe contra as partículas solares.
LEIA MAIS:
- Os 10 maiores mistérios da astronomia que desafiam nosso entendimento do cosmos
- Explosão solar desperta alerta para novas tempestades espaciais
A primeira reentrada direcionada da história
O evento de 8 de setembro marca a primeira “reentrada direcionada” de um objeto espacial na atmosfera terrestre. A ESA, preocupada com os riscos de quedas descontroladas de satélites antigos, começou a realizar manobras de ajuste em Salsa no final de 2023, conduzindo o satélite a uma trajetória que garantisse sua queda em uma área segura e desabitada.
Embora a queda de Salsa não representasse um grande risco para áreas povoadas, a Agência Espacial Europeia quis minimizar ainda mais qualquer possibilidade de perigo. Segundo Rolf Densing, diretor de operações da ESA, a ideia era “ultrapassar os limites” e garantir que a desativação de satélites fosse feita de forma responsável, evitando o risco de impactos indesejados.
A escolha da reentrada controlada também permitiu que os cientistas aprendessem mais sobre como objetos espaciais se comportam ao queimar na atmosfera. O estudo do processo de reentrada de Salsa fornecerá informações valiosas para a desativação de futuros satélites, permitindo que agências espaciais tomem decisões mais informadas sobre como garantir a segurança da Terra ao lidar com equipamentos em fim de vida útil.
A aposentadoria do Cluster e o futuro da ciência espacial
Com o fim da missão Cluster, a ESA já prepara a desativação dos outros três satélites: Rumba, Tango e Samba, que deverão ser desorbitados entre 2024 e 2026. Cada um desses satélites passará por processos semelhantes de reentrada controlada, proporcionando ainda mais dados sobre a ciência da reentrada.
No entanto, o trabalho pioneiro do Cluster no estudo da magnetosfera não será interrompido. A partir de 2025, a missão Solar Wind Magnetosphere Ionosphere Link Explorer (Smile), desenvolvida em parceria entre a ESA e a Academia Chinesa de Ciências, assumirá a responsabilidade de monitorar o campo magnético terrestre. Smile dará continuidade ao legado do Cluster, focando em uma análise detalhada das interações entre o vento solar e a magnetosfera, e continuará a avançar no estudo do clima espacial.
Conclusão
O fim da missão Cluster e a reentrada controlada de Salsa marcam um momento histórico para a ciência espacial. Não apenas porque um satélite essencial para o estudo da Terra chegou ao fim de sua vida útil, mas também porque essa queda foi realizada de forma segura e planejada, algo inédito na história da exploração espacial.
Fonte: Revista Galileu