A história de A Bela Adormecida, imortalizada pela Disney, é um dos contos de fadas mais conhecidos e amados no mundo inteiro. Quem não se lembra da bela princesa Aurora, vítima de uma maldição que a faz cair em um sono profundo, e do corajoso príncipe Philip, que a salva com um beijo de amor verdadeiro? Esta versão, cheia de romance e encanto, faz parte do imaginário de milhões de crianças e adultos. No entanto, por trás dessa narrativa doce e inocente, existe uma história original muito mais sombria e perturbadora.
A versão da Disney
A versão da Disney de A Bela Adormecida, lançada em 1959, é um exemplo clássico de como a empresa transformou antigos contos de fadas em histórias adequadas para toda a família. Na adaptação, a princesa Aurora é amaldiçoada por Malévola, uma bruxa poderosa, que decreta que a jovem espetará o dedo no fuso de uma roca e cairá em sono profundo, do qual só poderá acordar com um beijo de amor verdadeiro. O príncipe Philip, já apaixonado por Aurora antes mesmo do incidente, descobre a maldição e, enfrentando muitos desafios, consegue encontrar e beijar a princesa, quebrando o feitiço. O final é feliz e os dois se apaixonam, vivendo “felizes para sempre”.
Essa versão é a que a maioria das pessoas conhece e ama. A narrativa é construída de forma a destacar o poder do amor verdadeiro, a luta entre o bem e o mal, e a inevitável vitória da bondade. A Disney, ao adaptar a história, suavizou os elementos mais sombrios e violentos que são comuns nos contos de fadas originais, criando um enredo acessível e otimista que agrada a públicos de todas as idades.
As versões sombrias
No entanto, a versão da Disney é apenas uma das muitas interpretações da história de A Bela Adormecida. O conto tem raízes profundas na tradição oral e foi adaptado por vários autores ao longo dos séculos. Uma das versões mais antigas e perturbadoras vem de Giambattista Basile, um autor italiano do século XVII, cujo conto “Sol, Lua e Tália” traz uma perspectiva bem diferente da narrativa que conhecemos hoje.
Na história de Basile, a personagem principal, Tália, cai em sono profundo após espetar o dedo em um pedaço de linho envenenado. Ao contrário da versão da Disney, onde o sono é uma maldição e o despertar é marcado por um beijo de amor verdadeiro, o que acontece em seguida é extremamente sombrio. Um rei, atraído pela beleza da jovem adormecida, entra em seu castelo, a est*pra enquanto ela dorme e vai embora, sem que ninguém saiba o que aconteceu. Aurora engravida e, meses depois, ainda em sono profundo, dá à luz gêmeos. Eventualmente, ela acorda quando um dos bebês, faminto, chupa o dedo da mãe e remove o pedaço de linho que causou o sono.
Essa narrativa é chocante e perturbadora, e destaca um lado muito mais sombrio da natureza humana e das relações de poder. Ao contrário do príncipe Philip, o rei na história de Basile não é um herói, mas um predador. E o despertar de Aurora não é um momento de alegria, mas de horror e confusão.
Outras versões antigas
Mas a história não termina aí. Existem outras versões ainda mais antigas e sombrias do conto de A Bela Adormecida. Robert Darnton, um renomado historiador, explora uma dessas versões, que apresenta elementos de canibalismo e horror. Nesta narrativa, quando Aurora acorda, não é por causa de um beijo ou por seus filhos removerem o linho de seu dedo. Em vez disso, os recém-nascidos, famintos, começam a comer o corpo da própria mãe, uma imagem grotesca e aterrorizante que contrasta fortemente com a doçura da versão da Disney.
Essas versões antigas do conto revelam muito sobre as culturas e as sociedades em que foram criadas. Diferente das versões modernas, que tendem a simplificar a moral da história e a suavizar os elementos mais violentos, esses contos antigos são complexos, cheios de simbolismo e refletem uma visão de mundo onde o bem e o mal não são tão facilmente discerníveis. O próprio conceito de “felizes para sempre” é completamente ausente, sendo substituído por finais ambíguos e muitas vezes trágicos.
A transição de contos de fadas sombrios e perturbadores para versões mais suaves e encantadoras, como a que vemos na Disney, não é exclusiva de A Bela Adormecida. Muitos outros contos de fadas passaram por processos semelhantes de adaptação ao longo dos séculos. Os irmãos Grimm, por exemplo, coletaram e adaptaram muitos contos populares na Alemanha do século XIX, e, embora suas versões já fossem mais brandas do que as histórias originais, ainda continham elementos de violência e crueldade que, mais tarde, foram suavizados em novas adaptações.
A Disney, ao longo do século XX, desempenhou um papel crucial na transformação desses contos. A empresa reconheceu o poder dessas histórias para cativar o público, mas também entendeu a necessidade de torná-las mais adequadas para audiências modernas. Isso envolveu não apenas remover ou suavizar elementos violentos e perturbadores, mas também introduzir finais felizes, onde o bem sempre triunfa sobre o mal.
Embora a versão da Disney de A Bela Adormecida seja a mais popular e acessível, entender as origens sombrias do conto é crucial para uma apreciação mais profunda da história e de sua evolução. Os contos de fadas, em sua forma original, muitas vezes serviam como advertências ou reflexões sobre a condição humana, abordando temas como violência, poder e moralidade de maneira direta e sem concessões.
Hoje, esses contos originais podem parecer excessivamente sombrios ou perturbadores, especialmente para audiências acostumadas com as versões mais leves e encantadoras. No entanto, eles oferecem uma janela para o passado e uma oportunidade para refletir sobre como as narrativas evoluem e como as culturas escolhem contar suas histórias.
Conclusão
A Bela Adormecida, como a conhecemos hoje, é uma história encantadora e cheia de esperança, mas suas raízes estão mergulhadas em narrativas muito mais sombrias e complexas. A transição da versão original para a adaptação da Disney é um exemplo claro de como os contos de fadas evoluíram ao longo do tempo para se adequar às sensibilidades modernas. No entanto, conhecer a história original nos permite entender melhor não apenas o conto em si, mas também as culturas que o moldaram. Em última análise, a história de A Bela Adormecida nos lembra que nem todas as histórias começam ou terminam com “felizes para sempre”, mas cada versão tem algo valioso a nos ensinar.
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