Opinião: Através dos olhos de um vira-lata

Um dos meus cães é um adorável vira-lata chamado Percy. Na época, quando o ganhamos, estava em cartaz o filme “Percy Jackson e o ladrão de raios” e, como meu filho havia gostado muito do filme, não pensou duas vezes: esse será o seu nome.

Quando filhotinho, tinha uma mania, feia pra caramba, de trucidar os chinelos que ficassem dando sopa junto à porta dos fundos de nossa casa e, por isso, dizíamos que ele era Percy, o ladrão de chinelos.

Quando pequenino, nosso doguinho era muito gracioso. Fofinho como diriam as crianças. Crescido, ele tornou-se formoso, um belo representante da honorável raça dos sem raça. De porte mediano, pernas curtas, patas grandes, corpo e focinho alongados, pelagem preta, tendo as patas, peito e focinho marrons.

Ah! E seu queixo contava com uma leve pelagem branca que, com o passar dos anos, foi aumentando. Minha filha dizia que isso ocorria porque ele estava se tornando um ancião da montanha, como dos filmes de artes marciais dos anos 70.

E, de fato, o Percy tinha umas pegadas que não eram deste mundo. Frequentemente soltávamos ele do canil para correr e arrumar confusão no pátio e, entre outras coisas, ele dava umas voltinhas sobre o muro, feito um gato.

Algumas vezes ele fugia do pátio e ia para rua dar uns rolezinhos (sacumé). Passado um tempinho, ouvíamos um malandro latindo. Lá estava ele, sentado na frente do portão, esperando alguém vir abri-lo para o formoso poder entrar. Figura.

Porém, algumas vezes ele partia para rua e não voltava, deixando minha esposa e meus filhos preocupados com o “belezura”. Nesse tempo eu lecionava à noite em Guarapuava e Mangueirinha, chegando tarde da noite e, sempre que o bonito fazia dessas, ao desembarcar do ônibus, passado da meia-noite, eis que eu avistava na esquina o senhor Percy que, ao me ver, partia na minha direção, com o rabo abanando, acompanhando-me até em casa e, nessa caminhada, tal qual eu fazia quando criança com o velho Monique, ia assuntando com ele a respeito de mil e uma coisas, especialmente, perguntando ao sem-vergonha o que ele tinha aprontado para estar até aquela hora da noite na rua.

É engraçada a relação que estabelecemos com os nossos amigos caninos. É curioso o afeto mútuo que se estabelece entre nós.

Lembro-me que, certa feita, meu amigo Luiz Gonzaga de Carvalho Neto havia me contado que quando o seu avô faleceu, o seu cão acompanhou o cortejo até o cemitério e, após o sepultamento, não mais queria sair de cima do jazigo. Eles levavam o cachorro para casa, mas ele dava um jeito de fugir e voltava para o cemitério para deitar-se sobre o túmulo do seu avô.

Uma história semelhante a do cão Hachiko, um akita japonês, que sempre esperava o seu dono chegar do trabalho, na estação de metrô. Seu dono, um professor, veio a falecer e, mesmo assim, Hachiko continuou indo todo santo dia até a estação de metrô para esperar o regresso do seu amigo humano, até o dia 21 de maio de 1934, quando o cão veio a falecer.

Imagino que, por essas e outras que o escritor Carlos Heitor Cony, dono da cachorrinha Mila, dizia que o único amor verdadeiro que existe é o amor de um cão pelo seu dono. Não digo que concordo com isso, mas não tenho a menor dúvida de que o afeto desses adoráveis bichinhos nos ensinam a amar mais humanamente e a sermos pessoas melhores.

Hoje, enquanto escrevo essas linhas tortas, estou com meu amigo Percy ao meu lado, deitado próximo de mim, velhinho e cego. Ele não corre mais, não pula, não late, não mais anda sobre o muro, nem tenta fugir do pátio. Seu andar agora, quando anda, é claudicante, pois prefere ficar sentado ou deitado na grama fresca do quintal antes de ser recolhido.

Porém, quando ouve minha voz, chamando-o pelo seu nome, ele rapidamente fica em pé, com as orelhas em prontidão, abanando o rabo, voltando sua cabeça para todos os lados, sem saber exatamente onde estou, à espera de um afago, que lhe é regalado em abundância.

Enfim, certa feita Guimarães Rosa havia escrito que podíamos ver toda a tristeza do mundo nos olhos de um cavalo. Eu, de minha parte, digo que podemos ver nos olhos de um cachorro toda a doçura que muitas vezes falta no coração humano, na vastidão do mundo, nos átrios do peito de cada um de nós.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela – professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

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A conta vai chegar para todos: desafios e oportunidades da Previdência no Brasil

Denise Maidanchen

Recentemente participei do Seminário Internacional de Previdência, realizado pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar em Madri, na Espanha. Além da valiosa oportunidade de explorar o modelo europeu, seus desafios e melhores práticas, diante das intensas discussões e análises, emergiu uma conclusão incontestável: ‘A conta vai chegar para todos’. Governos, empresas e trabalhadores, sejam formais ou autônomos, enfrentarão altos custos pelas decisões que tomamos hoje, caso não sejam implementadas medidas proativas e sustentáveis.

O envelhecimento da população brasileira, evidenciado pelo aumento da expectativa de vida de 62,6 anos em 1980 para 75,5 anos em 2022 (IBGE), pressiona os gastos com previdência social, que já representam 13% do PIB, segundo o IPEA. Projeções indicam que esse percentual pode chegar a 17% até 2060, exigindo uma gestão robusta para evitar o colapso do sistema, logo, ele precisará equilibrar essa questão através de novas reformas ou encargos, impactando diretamente empresas e trabalhadores. 

Portanto, a participação ativa das empresas e dos trabalhadores na previdência complementar é crucial para evitar esses desdobramentos negativos e promover um futuro mais sustentável.

O Brasil possui reservas de previdência complementar que totalizam R$ 2,5 trilhões (ANBIMA), equivalentes a 25% do PIB. Em comparação, países como Estados Unidos e Reino Unido possuem reservas que ultrapassam 100% e 120% do PIB, respectivamente. Na Holanda, esse valor chega a 160% do PIB. 

A conta já chegou para o governo

Adotar medidas que incentivem o crescimento das reservas de previdência complementar é crucial. Isso não apenas ajuda a desonerar o sistema público de previdência, mas também contribui para a formação de uma poupança de longo prazo robusta, essencial para o desenvolvimento econômico sustentável do país.

Se o governo investir em incentivos financeiros mais robustos para a previdência privada, poderá haver uma redução inicial na arrecadação de impostos. Quem terá a coragem de adotar essa postura necessária para evitar que, no futuro, a conta se torne insustentável?

A conta vai chegar para os empresários

Para as empresas, oferecer planos de previdência complementar não é apenas uma questão de responsabilidade social, mas também uma estratégia inteligente de negócios. Segundo a ANBIMA, apenas 12% dos brasileiros possuem algum plano de previdência privada, evidenciando a necessidade urgente de ação por parte das empresas.

Países e empresas que hoje não investem na previdência complementar de seus funcionários podem enfrentar um mercado futuro com consumidores menos capazes de sustentar o crescimento econômico.

Afinal, quem pode pagar essa conta sozinho? 

A educação financeira é a chave para evitar a negligência em relação à previdência complementar. Segundo a OCDE, apenas 28% dos brasileiros possuem conhecimentos básicos de finanças. Este dado alarmante ressalta a importância de cada indivíduo assumir o controle do seu futuro financeiro.

Planejar o futuro é fundamental para garantir uma aposentadoria tranquila. Se governo e empresas falharem em atuar de maneira eficaz, a responsabilidade recai diretamente sobre você. 

A sustentabilidade da previdência é uma responsabilidade coletiva que não pode ser ignorada. Governos, empresas e indivíduos precisam agir agora para evitar uma crise previdenciária no futuro. O envelhecimento da população brasileira, combinado com a crescente pressão sobre os gastos públicos, exige uma abordagem proativa e integrada. A hora de agir é agora. Somente através de uma ação coordenada e comprometida poderemos garantir um futuro digno para todos, onde a previdência seja um alicerce sólido e sustentável para as próximas gerações.

*CEO Quanta Previdência Cooperativa, Diretoria do ICSS/Abrapp, Presidente Lide Mulher SC

A IA revolucionará a Ciência

Mario Eugenio Saturno

O Fórum Econômico Mundial (WEF) divulgou recentemente um relatório que afirma que o mundo vive uma revolução impulsionada pelas Inteligências Artificiais em como novos conhecimentos são descobertos e utilizados. A inteligência artificial (IA) utilizada para auxiliar descobertas científicas é uma das 10 principais tecnologias emergentes de 2024. Sim, para este ano, o que serve de alerta para políticos e empresários.

Graças aos avanços na área, os cientistas, hoje, são capazes de fazer descobertas que antes seriam quase impossíveis, e a taxa de descoberta científica está acelerando. O relatório lista IA generativa e outros modelos para minerar literatura científica, criar novas hipóteses, e usar “deep learning” (aprendizado profundo) para fazer descobertas, entre outras novas técnicas. Por exemplo, avanços feitos em biologia e química poderão ganhar outras novas nas intersecções dessas disciplinas. O mesmo ocorre para outras disciplinas.

Outra área é a da própria IA, como as redes neurais que poderão ganhar com arquiteturas não pensadas por humanos, explorando situações nunca pensadas. Muitas descobertas ou avanços são feitos por pessoas fora da área, pois não estão presos à “caixa”.

A utilização de IA em modelos 3D de estruturas químicas promete desde a descoberta de uma novos antibióticos até materiais para baterias mais eficientes. Modelos de linguagem para minerar a literatura científica, trabalhando com chatbots de IA para “brainstorm” de novas hipóteses está criando modelos de IA capazes de analisar vastas quantidades de dados científicos e usando “deep learning” para fazer descobertas. A IA e a robótica estão sendo integradas aos laboratório visando acelerar a pesquisa de maneiras inovadoras.

Como resultado, essa IA que está sendo usada na pesquisa científica promoverá avanços em muitas áreas, como Diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças, novos materiais que possibilitam tecnologias verdes de próxima geração. E ainda avanços nas ciências da vida que ampliam a compreensão atual da biologia.

As grandes economias acreditam nisso e financiam negócios: EUA, US$ 74 bilhões; China, 19 bi, Índia, 5,8 bi; Reino Unido, 5,2 e Alemanha, 2,5. Já o financiamento científico: EUA, 3,6 bi; Canadá, 58 milhões, Japão, 33 mi; RU, 0,5 e Noruega, 0,1.

Uma aplicação interessante é usar a IA para criar moléculas com as propriedades desejadas, como faz a Insilico Medicine. Nos últimos dois anos, a IA da empresa projetou 18 medicamentos candidatos ao pré-clínico (um medicamento a um passo antes de ir para ensaios clínicos em humanos). Normalmente, isso leva de quatro a cinco anos e custa dez vezes mais que custou.

A projeção é economizar custos e tempo e aumento de sucesso e ainda permitir entrar em áreas que não eram economicamente viáveis. E isso tornará os medicamentos mais baratos e mais acessíveis para todos.

E o Brasil? Well, os patriotas estão debatendo no Congresso quem seja comunista e quem seja fascista, afinal, existe algo mais patriótico que isso? Ou priorizamos ou ficaremos à margem.

Mario Eugenio Saturno (fb.com/Mario.Eugenio.Saturno) é Tecnologista Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano

Português de Camões é o brasileiro

Mario Eugenio Saturno

Desde criança, dominar a língua falada e escrita, culta ou simples, sempre foi uma empreitada árdua de estudos e prática. Eu era um grande leitor de ciências e biografias, desprezava um pouco os livros de literatura escolar, um erro histórico que, certamente, dificultou meu aprendizado. Embora “Eurico, o presbítero” seja o livro que mais gostei.

Minha primeira experiência com portugueses de Portugal (os do Brasil já falavam como nós) foi em 1994, quando um grupo de uma universidade vieram ao INPE e ficaram curiosos sobre a estação portátil de comunicação com satélites que eu desenvolvera. Eu tive que falar em inglês os termos de computação, já que eram muito diferentes dos traduzidos no Brasil. Sem contar que eles não pronunciavam as vogais, tornando o entendimento muito difícil.

Há vários anos, ouvi um estudioso do assunto dizer que a Língua Portuguesa do Brasil era Seicentista… Opa, isso acendeu um alerta na minha mente, já que Luiz Vaz de Camões viveu entre 1.524 e 1.580, provavelmente… Se a Língua de Portugal mudou mais que no Brasil, cabe afirmar que nossa Língua é mais próxima de Camões que a Língua falada hoje na “terrinha” (Portugal) certamente.

Recentemente, a BBC Brasil apresentou diversos artigos sobre a Língua Portuguesa do Brasil e de Portugal, alguns focando na “corrupção” da Língua de lá ocasionado por novelas brasileiras e, atualmente, por influenciadores digitais populares lá.

Mas o que me despertou grande interesse foi o artigo do escritor Sirio Possenti que apresenta diversos versos de Camões que justificam o modo “correto” de falar o Português no Brasil e não em Portugal e que reproduzo alguns a seguir.

Primeiro, segue uma lista de palavras que pensamos ser caipiras: antão, dereito, exprimentar, frauta, fruito, ingrês, menhã, mesturar, pruma (pluma), pubricar, rezão, saluço, simpres, treição, abastar, ajuntar, alembrar, alevantar, alimpar, amostrar, arrecear, arrenegar, assoprar (duas ou três delas sobrevivem com esta forma na dita língua culta, mas outro sentido – como “amostrar / assoprar”. De todas estas formas, talvez a mais famosa está nos versos “Cesse tudo o que a Musa antiga canta / que outro valor mais alto se alevanta”.

Mas há outras construções no épico que levam a concluir que uma das teses correntes (que no Brasil estamos destruindo a língua) é grossa besteira. Refiro-me especialmente à próclise, hoje criticada, e proibida na escola (exceto se atraída por algum pronome ou palavra negativa), mas comum nos idos do século XVI, e na “língua de Camões”. E no Brasil e outros países.

Seguem exemplos: se pôs diante de Júpiter; lhe vá mostrar; lhe diz como eram gentes roubadoras; o Mouro… lhe prepara; malvado Mouro… lhe diz; Nós outros… te avisamos; porém eu… me detenho;…me respondeu; Nos deste; te contei; os esperem as ninfas.

Para Possenti, estes fatos deveriam permitir um debate mais inteligente tanto sobre ensino de português na escola (porque condenar a próclise?) quanto sobre política linguística: por que temos que acreditar que uma variante da língua é superior a outra? E por que acreditar que línguas decaem?

*Mario Eugenio Saturno (fb.com/Mario.Eugenio.Saturno) é Tecnologista Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano

Opinião: A reconciliação e o perdão

Todos nós nos relacionamos com pessoas e, por vezes, essas relações não são bem-sucedidas, o que nos leva à necessidade constante de reconciliação.

A reconciliação oferece a chance de um novo entendimento com quem nos magoou. O perdão, por sua vez, é verdadeiramente libertador. Quando optamos por perdoar alguém, estamos nos libertando da energia negativa que permanece em nós devido ao dano causado por essa pessoa.

Negar o perdão é permitir que o poder negativo do outro continue a nos afetar, enquanto perdoar nos liberta desse jugo. Recusar o perdão é, de certa forma, manter viva a mágoa e a maldade resultantes quando alguém nos fere. Se não perdoarmos, continuamos atados àquela pessoa, permitindo que ela mantenha poder sobre nós.

reconciliação

O perdão é a maneira de soltar essas amarras, de entregar a ferida ao outro e seguir adiante, livrando-nos do ciclo interminável de dor. O perdão é parte essencial da purificação da alma e, embora possa exigir um longo e doloroso processo, é sempre possível.

A vida é um processo contínuo, e assim é o perdão. Às vezes, reconciliar-se significa manter uma distância saudável daqueles que nos machucaram, para evitar que a ferida se abra novamente. Assim, o perdão se torna uma realidade interna, uma libertação pessoal que nos permite seguir em frente sem o peso do ressentimento

por Padre Ezequiel Dal Pozzo.

Escrevinhadas quixotescas: As oficiosas mentiras e suas artimanhas

Frequentemente ouvimos algumas vozes dizerem, com aquele ar de sobriedade postiça, que no mundo atual, seria de fundamental importância termos apenas “fontes confiáveis” para nos informar. Tal afirmação, à primeira vista, até parece bonitinha, porém, quando olhamos mais de perto, vemos com clareza o que de fato ela é.

De mais a mais, quais seriam as tais “fontes confiáveis”? Sejamos sinceros: todos nós, cada um ao seu modo, acaba se informando a esmo, conforme as notícias vão sendo atiradas em suas ventas pelos mais variados canais, considerando como confiável qualquer coisa que seja regurgitada pelo Jornal Nacional, ou por qualquer outra tranqueira similar, pela qual se nutre uma vaga afeição, nem um pouco criteriosa.

E por mil raios e trovões, quem será a excelsa autoridade, acima do bem e do mal, que dirá para todos que essa ou aquela seria uma “fonte confiável”? Quais critérios seriam utilizados para avaliar a credibilidade de algo? Aí, meu amigo, quando chegamos nesse ponto, é a hora em que a vaca vai para o brejo com corda e tudo, porque os critérios geralmente são tão vagos quanto maliciosos.

Diante dessa artificiosa preocupação, manifesta por algumas vozes, tem-se a impressão de que todos nós seríamos almas infantilizadas, com medo do bicho-papão e, por isso, carentes do auxílio de um “tiozinho censor” que nos diga que o dito-cujo não existe, que ele foi embora, que ele morreu de tédio, que ele é uma fake news ou qualquer coisa que o valha para que nos sintamos “em paz”.

Ora, meu caro Watson, como diria Guimarães Rosa, viver é perigoso, logo, informar-se não é uma ação humana livre de riscos. Sempre há o risco da imprensa ter se enganado, ou dela ter sido enganada, como há também o risco dela estar nos enganando, de forma proposital ou não.

Leia também: Crônica: Estava chovendo muito aquela noite

Não apenas isso! Nós podemos estar nos enganando com a forma leviana como consumimos as informações e isso, sou franco em dizer, é tão perigoso quanto as possibilidades anteriores, se não mais, porque é fruto da nossa desídia cognitiva, em misto com nossa curiosidade desordenada, que procura ter notícia de tudo, sem compreender nada para se escandalizar com qualquer coisa.

Por isso mesmo, a liberdade de acesso à informação é de fundamental importância para combatermos os enganos, os autoenganos e as atitudes maliciosas que se fazem presentes na vida de um modo geral.

O livre acesso a toda e qualquer informação, de forma descentralizada e distribuída, nos permite confrontar as várias versões dos fatos, os vários pontos de vista, para que possamos, se assim desejarmos, ter uma percepção mais clara dos acontecimentos e podermos tirar nossas próprias conclusões.

Sim, equivocar-se ou ser enganado é desconfortável. Sei disso. Mas um certo mal-estar faz parte do aprendizado de qualquer coisa e, por isso mesmo, procurar calar e censurar todos aqueles que não seguem o riscado da cartilha ideológica dos donos do poder é uma atitude claramente totalitária, e não há disfarce midiático que esconda essa peçonha.

Os defensores da censura, do tal “controle social da mídia”, afirmam peremptoriamente que isso é para o bem de todos, para o restabelecimento da “verdade” e para salvar a “democracia”.

Pois é, não sei quanto a vocês, mas essa conversa toda me lembra muito o blábláblá que era apresentado por Joseph Goebbels, quando estava à frente do Ministério da Propaganda e do Esclarecimento Público do Terceiro Reich, lembra muito o papo-furado dos editores do Pravda da URSS, porém, com uma nova e modernosa roupagem. Ou não? Bem, você decide.

Enfim, lembremos e, se possível for, jamais esqueçamos: todos aqueles que advogam em favor da censura não o fazem para combater fake news; o fazem para calar a verdade que esculhamba com suas mentiras oficiosas que, diga-se de passagem, não são poucas.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela – professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

Opinião: Paz interior

Como encontrar a paz interior? Cada um procura à sua maneira a paz interior. Pessoalmente, para mim, ajuda muito estar em contato com o espaço interior, onde as exigências das pessoas não têm acesso. O que é isso? Cada um de nós, no nosso coração tem um espaço onde Deus habita e, se estou em contato com Ele, então as exigências dos outros têm menos força sobre mim. Nesse espaço interior, a tranquilidade e a paz se manifestam.

E se o caminho não é fácil, como ouvi dizer, estou falando para você, mas é um exercício ali preciso apenas sentir para dentro e perceber essa paz e não posso colocar de maneira absoluta às exigências que me são feitas por outras pessoas. As pessoas podem ter expectativas a meu respeito.

Essa palavra é importante, caro leitor: as pessoas têm expectativas a nosso respeito, porém é preciso encontrarmos liberdade diante dessas expectativas. Quem quer cumprir todas as expectativas dos outros, normalmente vai se angustiando muito, porque as expectativas dos outros costumam ser muito altas. Eu percebo pelo meu trabalho de padre: não dá para satisfazer as expectativas dos outros sempre, o importante é cada um saber o que deve fazer. Se atingi a expectativa do outro, tudo bem; se não, eu preciso viver a partir desta liberdade interior.

Eu decido quais expectativas realizar e de quais me afastar. Quando tenho essa liberdade interior, não serei agressivo com as pessoas que têm expectativas. Não é para ser agressivo com quem tem expectativas sobre nós, mas adotar a postura de que: “eu respeito as suas exigências, eu as compreendo, porém eu não posso e não quero cumpri-las; eu faço o que acho correto fazer”. Muitas vezes as pessoas têm medo de dizer não às expectativas de outras pessoas; têm medo de dizer ‘não’, porque podem ser feridas ou rejeitadas e não ser mais tão amadas e assim se deixam sufocar muitas vezes pelas exigências.

Não são as exigências os problemas, mas nossa reação a elas. Ao conseguir novamente a nossa liberdade interior, podemos então lidar de uma forma serena com as exigências que os outros nos fazem. Pense nisso.

por Padre Ezequiel Dal Pozzo.

Crônica: Estava chovendo muito aquela noite

por Dartagnan da Silva Zanela (*)

Nos famigerados anos 80 fiz um curso de datilografia. Sim, eu fiz. Meus pais haviam comprado uma Olivetti portátil, cor verde. Uma beleza. Então todas as terças e quintas à noite, lá ia o pequeno Darta com aquela maleta verde para o colégio para aprender a usar apropriadamente o barulhento e pesado instrumento de escrita. Eu queria usá-la com a mesma maestria que meu pai, que datilografava um texto sem olhar para a máquina e, ainda por cima, o fazia com a devida tabulação. Era uma destreza que eu admirava.

Quando colocava-me em marcha rumo ao colégio, sempre era acompanhado pelo meu grande amigo Monique, meu cachorro. Não sei porque ele tinha esse nome. Quando iniciamos nossa amizade ele já respondia por essa alcunha. Pequenino, de pelo marrom-caramelo, bem clarinho, de cambitos curtos e, tal qual eu, um legítimo vira-lata.

Enquanto caminhava para o meu destino, ele ia junto comigo, ao meu lado e, no caminho, íamos batendo altos papos. Sim, quando criança, conversava muito com meu doguinho.

Chegando ao colégio Júlio Moreira, ele adentrava os portões comigo e ficava deitado, junto à porta da sala de aula onde eu recebia as lições para o uso da dita-cuja e, findada a aula, lá íamos nós, eu e ele, para casa.

Certa noite, ao findar a aula, começou a chover. Abri o meu guarda-chuva e, com alguma dificuldade para carregar a máquina de escrever, fomos para casa. Munique, como sempre, coladinho do meu lado.

Na metade do caminho, a professora de datilografia e seu marido pararam o carro para me oferecer uma carona. Ao ouvi-la dizer isso, sorri, mas declinei o convite. Ao me perguntarem o porquê, apenas voltei meus olhos para meu amigo que estava comigo. Não podia deixá-lo. Os dois sorriram e disseram que não tinha problema, que ele podia vir junto. E fomos, faceiros da vida.

Essa é uma daquelas lembranças dos verdes anos da nossa vida que a gente não se esquece. Ao menos, não deveríamos. Não por uma questão de nostalgia, mas sim, para lembrarmos quais são os valores que realmente dão sentido e profundidade ao nosso peregrinar por esse mundão de meu Deus.

Poxa vida. Só de rememorar essa doce lembrança da minha infância, para escrevinhar essas linhas, meus olhos marejam. Imagino que o amigo leitor também deve ter lembranças assim, bem guardadinhas no fundo de sua alma e que, vez por outra, afloram sem pedir licença, sem a menor cerimônia, nos levando a rir e a chorar.

É interessante como uma presença, seja ela humana ou não, imprime uma série de marcas em nossa personalidade. Marcas essas que, obviamente, não determinam quem nós somos; mas a forma como nos relacionamos com cada uma delas, e com as lembranças que guardamos daqueles que as imprimiram, acabam sendo uma influência poderosíssima em nossa vida.

Pois é. Esse cãozinho, o Monique, foi uma dessas presenças. A muito ele partiu. Mas ainda, de vez em quando me vejo ao lado dele, conversando nos fins de tarde, sentado no chão ao lado da sua casinha, ou junto a um meio-fio, contando-lhe a respeito das minhas alegrias e tristezas, sonhos e angústias, ideias e fantasias e, as vezes, falando-lhe, mirava seu rosto, sempre com aquele canino olhar apiedado a mirar-me também. Ai, dizia eu, meio melancólico, “você não está entendo nada do que eu estou dizendo, né Monique”, e fazia-lhe um cafuné, enquanto ficávamos contemplando o pôr do sol em silêncio.

Enfim, sem entender uma única palavra, ele sabia exatamente quem eu era e, com sua presença, me ajudou a ser quem eu sou, que não é grande coisa, mas que em alguma medida, muito devo a sua gentil companhia, a sua inestimável amizade canina.

(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

Quando as flores do jazigo murcharem

por Dartagnan da Silva Zanela (*)

Todos os países que adotam o tal do regime democrático, sem exceção, apresentam uma e outra imperfeição e, por essa razão, nos países onde de fato há democracia, a crítica a mesma se faz necessária para que possa-se identificar as suas possíveis deficiências e, mediante debates honestos, podermos procurar caminhos para corrigi-las, pois, é importante nunca esquecermos que a democracia é um ideal áureo, mas nós, seres humaninhos, somos uma triste figura.

Por isso, a crítica justa, e até mesmo a injusta, acabam sendo sempre ferramentas imprescindíveis, não apenas para aperfeiçoarmos os mecanismos políticos e sociais da sociedade, mas também, para que possamos nos aprimorar como cidadãos.

Aliás, um cidadão que acredita estar acima de toda e qualquer crítica, provavelmente, quando meteu o dedo na jarra da vaidade, deve ter se lambuzado dos pés à cabeça, não é mesmo? Claro que é. Da mesma forma que uma figura, que acredita que seus atos estão acima e além de qualquer correção, possivelmente, quando pediu para ser narcisista, deve ter dado um eco danado.

Tendo isso em vista, compreende-se facilmente, que os regimes políticos acabam sendo modelados pelas personalidades deformadas das pessoas que se infiltram em suas entranhas e se assenhoram delas, portando-se feito um hospedeiro danoso, adoecendo as instituições e provocando espasmos em todo corpo social.

Dito de outro modo, apenas ditaduras e tiranias não admitem críticas às suas instituições sagradas. Não admitem porque os seus hospedeiros lesivos ficam nervosos quando suas ações são questionadas, quando suas decisões são colocadas em xeque. Não porque isso, realmente, ameace as instituições, mas sim, porque revelam a realidade das entranhas institucionais que são parasitadas pelos perniciosos vetores como eles.

Infelizmente, os exemplos disso abundam na história da humanidade, tanto à destra quanto à sinistra, da mesma forma que não são poucos os casos que se fazem presentes no mundo atual.

Não são poucos os países que se apresentam como uma democracia, ou com algum nome pomposo similar e, nem por isso, isso garante que em tais países é cultivado o devido respeito à liberdade de expressão.

Não é por acaso que existem inúmeras figurinhas públicas que, praticamente, usam a palavra democracia como se fosse seu sobrenome e, ao mesmo tempo, não medem esforços para calar qualquer um que os contradiga e, fazem isso, para garantir “a ordem democrática”, no entender tiranizador deles.

Em se falando nisso, lembrei-me agora do filósofo espanhol Antonio García-Trevijano Forte, que dedicou a sua vida para explicar a todos, que tivessem olhos para ver e ouvidos para ouvir, que a democracia do seu país não estava se degenerando e, não estava, porque, segundo ele, ela nunca existiu. Teria sido sempre uma farsa.

Detalhe importante: tais críticas não eram feitas por um homem que defendia a instauração de um regime autoritário ou totalitário. Nada disso. Ele era um democrata raiz.

Por isso, imaginemos o seguinte: se García-Trevijano estivesse vivo e, ainda por cima, fosse brasileiro e visse a forma como está estabelecida a democracia brazuca, provavelmente ele iria proferir duríssimas críticas a esse sistema que é apresentado por alguns como sendo “a democracia acima de qualquer suspeita” e, ao fazê-las, como será que ele seria retratado pela grande mídia? Como o referido filósofo seria descrito pelos intelectuais “criticamente críticos” do nosso país?  Enfim, como este homem seria encarado pelos supremos guardiões das nossas celestiais instituições?

Pois é. Creio que não é necessário ter uma imaginação muito fértil para vislumbrar o que iria acontecer com o pobre homem, tendo em vista que não são poucos os que advogam em favor da limitação da liberdade de expressão e, todos eles, o fazem pela mesmíssima razão, apesar de terem motivos diferentes.

Enfim, é importante lembrarmos, e jamais esquecermos, que a liberdade está sempre a uma geração da sua aniquilação e, ao que parece, as flores já estão postas sobre o indigente jazigo dela.

(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “O SEPULCRO CAIADO”, entre outros livros.

A luz do luar sobre os cemitérios esquecidos

por Dartagnan da Silva Zanela (*)

Mário Souto Maior é o autor do “Dicionário do Palavrão e termos afins”, onde o mesmo reuniu, nada mais, nada menos, que três mil insultos que fazem parte da língua portuguesa, cujo imperador, segundo Fernando Pessoa, é o grande Padre Antônio Vieira.

Se o amigo leitor nunca consultou a referida obra, sugiro que o faça para, quem sabe, poder enriquecer mais o seu vocabulário com aquelas pérolas que não são assim tão preciosas.

Sim, eu sei, todo mundo sabe, não é de bom alvitre proferir impropérios, porém, há ocasiões em que essas são as únicas palavras que verdadeiramente podem ser ditas para expressar com clareza o que estamos sentindo.

Aliás, como certa feita havia dito Millôr Fernandes, todo mundo tem o sacrossanto direito ao “phoda-se”, pois é preferível dizer cobras e lagartos num momento de indignação do que ficar guardando potes e mais potes de fel e rancor no coração, para alimentar mesquinhas vinganças e outras coisinhas insalubres semelhantes.

Todavia, é importante lembrar que há uma diferença abissal, ontológica mesmo, entre um palavrão rasteiro, proferido no calor de uma troca de farpas, e ficar a torto e a direito chamando os desafetos e adversários de fascistas, nazistas, genocidas, racistas, machistas e etc.

Quando alguém adota esse tipo de subterfúgio, há um terrível ardil subjacente a essa ação.

Quando mandamos alguém para a casa do chapéu estamos apenas expressando nossa bílis num dado momento. Fica claro, a quem tiver olhos e ouvidos para testemunhar, que estamos insatisfeitos com algo ou alguém, que estamos desequilibrados e ponto final.

Agora, quando chamamos, levianamente, alguém de fascista, nazista ou algo que o valha, o mecanismo é bem outro. O que estamos fazendo é grudar um rótulo infame sobre uma pessoa e, ao fazer isso, estamos, ao mesmo tempo, difamando-a e descaracterizando o termo utilizado de, repito, uma forma leviana. Por isso, é importante não esquecermos que esse tipo de atitude é uma combinação sulfurosa de ignorância e malícia.

Creio que dá para perceber a diferença grintante que há entre utilizar um dos três mil termos catalogados por Mário Souto Maior e simplesmente taxar algum indivíduo de nazista e fascista. Creio que dá para perceber o tamanho da perversidade que se faz presente nesse gesto tão cínico quanto oportunista.

Não é à toa, nem por acaso, que George Orwell, em seu livro, “O que é o Fascismo? E outros ensaios”, nos chama a atenção para o perigo de ficarmos utilizando de forma indiscriminada esses termos como se eles fossem um punhado de insultos de botequim. Na real, isso seria uma faca de dois gumes.

Uma faca de dois gumes porque, primeiro, se está jogando uma pecha infame sobre uma pessoa. Aliás, já pararam pra pensar o que significa rotular alguém, que não é nazista, de nazista? Imagino que não. Falta empatia, apesar de se falar tanto nela, não é mesmo?

Não apenas isso, mas também falta borbotões de conhecimento a respeito do que foi realmente o Nacional-Socialismo, o Fascismo, o Holocausto e tutti quanti, tendo em vista que raras são as pessoas que realmente leram, ao menos, um livro sobre essas lúgubres páginas da história.

O segundo ponto, de acordo com Orwell, tão problemático quanto o primeiro, é o fato de que, de tanto esses termos serem usados forma maliciosa, de maneira inapropriada, para estigmatizar nossos desafetos, eles acabam perdendo o seu poder descritivo, a sua capacidade de captar e denunciar a realidade, tal qual ela é e aí, meu caro Watson, corremos o risco de não sermos capazes de reconhecer um nazista de verdade quando ele aparecer diante de nossos vistas. E aí, com o perdão da palavra, o buraco será bem mais embaixo.

Enfim, não abramos mão do nosso direito ao insulto, como diria o velho Millôr Fernandes, mas não sejamos levianos e maldosamente maquiavélicos ao exercê-lo. As vítimas do nazismo, no silêncio dos seus jazigos, agradecem e, as que sobreviveram e que ainda estão vivas, também.

(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “O SEPULCRO CAIADO”, entre outros livros.

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