Educação quilombola, formando líderes do futuro

A educação é um dos pilares fundamentais para a transformação social e o empoderamento das comunidades marginalizadas. Em um passo inovador, a Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) lançou a Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas, um projeto que visa não apenas educar, mas também formar líderes e agentes de mudança dentro das comunidades quilombolas.

Na última semana, Brasília foi palco de uma celebração histórica: a formatura da primeira turma desta escola, um marco importante que representa a concretização de um sonho e a esperança de um futuro melhor para essas jovens.

A Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas é uma iniciativa que vai além dos currículos tradicionais. Com o apoio do Fundo Malala, a escola foca na capacitação de jovens, especialmente meninas, para enfrentar problemas específicos de suas comunidades, combater desigualdades na educação e fomentar a formação de lideranças.

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Ao invés de um ensino padronizado, o projeto se concentra em temas que promovem o pensamento crítico e a resolução de problemas locais, formando cidadãos conscientes e engajados com a realidade de suas comunidades.

A trajetória de Juliany Carla da Silva é um exemplo inspirador do impacto dessa iniciativa. Incentivada por um professor, Juliany, de 16 anos, decidiu participar do processo seletivo da escola e foi uma das selecionadas para integrar a primeira turma de formandas. Moradora da comunidade de Trigueiros, em Vicência (PE), Juliany destaca o apoio contínuo da CONAQ e de sua família como fundamentais para sua jornada educativa.

“Sempre fui muito incentivada por parte da família, por parte de amigos e por parte da CONAQ. Romero, que era um dos professores da CONAQ, foi um dos que mais me apoiaram, que sempre incentivou os meus sonhos”, relata Juliany, reafirmando seu compromisso com os estudos e o desejo de se tornar uma liderança em sua comunidade.

Outro exemplo de determinação é Glaydson Ítalo de Jesus, também de 16 anos, da comunidade Itamatatiua, em Alcântara (MA). Após três anos de envolvimento no projeto, Glaydson está finalizando um curso técnico no Instituto Federal do Maranhão e tem grandes planos para o futuro. Ele deseja cursar Direito e fazer intercâmbio nos Estados Unidos ou Canadá, com o objetivo de ampliar seus horizontes e trazer de volta conhecimentos que possam beneficiar sua comunidade.

“Os quilombolas hoje em dia não têm muito direito à posse de terra. Na minha comunidade, ainda não temos o título da terra e eles lutam por isso. Então, a CONAQ e essa movimentação me ajudaram muito a escolher a profissão que eu quero seguir futuramente”, explica Glaydson, evidenciando o impacto do projeto na formação de suas aspirações profissionais e sociais.

Desde 2022, a CONAQ, em parceria com ativistas e professores quilombolas, tem desenvolvido uma metodologia de ensino única, adaptada às realidades e necessidades das comunidades. Essa abordagem busca integrar o conhecimento formal com o saber tradicional e a realidade social dos quilombolas, promovendo uma educação que é ao mesmo tempo contextualizada e transformadora.

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Quarenta professores quilombolas participaram de cursos de qualificação oferecidos pela CONAQ, o que lhes permitiu adaptar seus métodos de ensino para melhor servir os jovens de suas comunidades.

Dentro dessa estrutura, os alunos são encorajados a debater e buscar soluções para os problemas que afetam diretamente suas vidas. Um dos desafios mais frequentemente discutidos é a longa distância que muitas crianças quilombolas precisam percorrer para frequentar escolas regulares. Lawanda Barros, de 17 anos, residente na Ilha de São Vicente, em Araguatins (TO), destaca as dificuldades enfrentadas diariamente por estudantes de sua comunidade.

“Muitas crianças saem da nossa comunidade atravessando o rio pra escola. E não tem ônibus, nem nada. Nós temos uma lancha escolar, só que ela direto está quebrada e aí as crianças faltam muito às aulas. Eu queria que tivesse uma escola dentro da nossa comunidade”, afirma Lawanda.

A Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas também enfatiza o desenvolvimento do pensamento crítico entre seus alunos. Para Givânia Silva, uma das fundadoras do projeto, o foco principal é capacitar os estudantes para serem defensores de suas comunidades. “O nosso foco é muito o campo da advocacia. Tem transporte que não funciona? O que a gente pode fazer para funcionar? A quem a gente deve denunciar? Como que a gente deve se posicionar? Esse é o papel fundamental da escola, ir além do conteúdo formal. Erguer a voz das meninas quilombolas”, explica Givânia.

Essa perspectiva é reforçada por Ana Paula Sousa, de 18 anos, do Quilombo Mourões, em Colônia do Piauí (PI). Ela compartilha como o projeto a ajudou a compreender melhor seus direitos como quilombola e a importância de se autodeclarar como tal. “Na minha comunidade, no começo, a gente não sabia muito como era essa questão de quilombola, de se autodeclarar. Aí, com pouco tempo que a gente foi vendo, conhecendo, a gente se autodeclarou quilombola. Aí, eu queria fazer parte desse projeto, porque eu vi que era uma coisa muito interessante”, conta Ana Paula.

Durante a cerimônia de formatura, a promotora de justiça Karoline Maia, a primeira quilombola a alcançar esse cargo, compartilhou sua experiência pessoal sobre a importância de iniciativas como esta escola, que permitem que as jovens quilombolas estudem sem precisar deixar seus territórios. Ela destacou como a saída do Quilombo Jutaí, em Monção (MA), para estudar na cidade, resultou em um processo de desterritorialização e perda cultural. “Eu tenho saberes ancestrais, mas não são tão vívidos como seriam se eu tivesse crescido na comunidade”, refletiu Karoline, sublinhando o valor da educação que mantém as raízes culturais vivas.

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, também presente no evento, enfatizou o papel da escola no enfrentamento ao racismo e à desigualdade no Brasil. “Não dá para discutir esses dois elementos se você não discutir o racismo no Brasil. Não tem como discutir a desigualdade se você não trouxer efetivamente quem são as mulheres que estão no processo de exclusão no nosso país. Por isso, eu falo da importância da escola. A escola não é só um espaço para você ser educado, como uma escola formal educa. É um espaço onde formam-se lideranças que criam raízes no seu território, raízes de resistência para permanecer no território (quilombola).”