Estiagem na Amazônia agrava caça e pesca ilegais de espécies ameaçadas, alerta Ibama

A Amazônia, com sua vasta biodiversidade e ecossistemas únicos, enfrenta desafios ambientais cada vez mais complexos. O avanço da mudança climática, associado a uma intensa estiagem, tem criado um cenário favorável para atividades ilegais, como a caça e a pesca de espécies ameaçadas.

A estiagem prolongada e a diminuição dos níveis dos rios tornam mais fácil a visualização e captura dos animais aquáticos, facilitando o trabalho de caçadores e pescadores ilegais. Esse cenário foi abordado pelo diretor de fiscalização ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Johnatan Santos, durante entrevista concedida à TV Brasil.

A situação é alarmante, especialmente quando se observa que a caça e a pesca predatórias atingem diretamente espécies em risco de extinção, como o peixe-boi-da-amazônia (Trichechus inunguis) e o pirarucu (Arapaima gigas). As ações ilegais não só ameaçam a sobrevivência dessas espécies, como também comprometem todo o equilíbrio ecológico da região.

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A estiagem severa registrada nos últimos meses em diversas regiões da Amazônia resultou em uma queda expressiva dos níveis dos rios, expondo grandes áreas que antes eram cobertas por água e dificultando a navegação. Para os animais aquáticos, isso significa uma maior exposição a predadores naturais e humanos. Segundo Johnatan Santos, a baixa do volume de água permite que caçadores e pescadores ilegais visualizem e capturem os animais com maior facilidade, aumentando significativamente a pressão sobre espécies já ameaçadas.

A caça e pesca ilegais, que normalmente ocorrem em áreas de difícil acesso, se tornam mais frequentes em períodos de seca, quando a fiscalização também enfrenta dificuldades logísticas para chegar a esses locais. Redes de pesca, arpões e até armas de fogo têm sido utilizadas pelos infratores para capturar os animais, que depois são abatidos e vendidos ilegalmente em feiras e mercados.

Apreensão de carne de pirarucu e abate de peixe-boi

Um dos exemplos mais recentes da ação predatória facilitada pela estiagem foi a apreensão de um peixe-boi-da-amazônia abatido e de 422 kg de carne de pirarucu sem comprovação de procedência. A operação ocorreu na última terça-feira (24), na Feira Municipal de Tefé, no estado do Amazonas. A carne estava sendo comercializada sem qualquer autorização de manejo, o que evidencia a irregularidade da atividade e a falta de controle sobre a procedência dos produtos comercializados.

A apreensão é um reflexo da intensificação do trabalho de fiscalização do Ibama em conjunto com outras instituições, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). As denúncias, muitas vezes realizadas por organizações não governamentais e lideranças locais, ajudam a direcionar as ações de combate a essas atividades ilegais. Em 2024, apenas no estado do Amazonas, mais de R$ 12 mil em autuações já foram aplicados contra infratores, mas o valor representa apenas uma pequena parte do problema.

A caça e a pesca ilegais na Amazônia causam um impacto significativo não apenas sobre as espécies diretamente afetadas, mas também sobre todo o ecossistema local. A retirada indiscriminada de grandes predadores aquáticos, como o pirarucu, e de herbívoros, como o peixe-boi-da-amazônia, altera a dinâmica ecológica dos rios e lagos da região. Essas espécies desempenham papéis essenciais no controle populacional de outras espécies e na manutenção da vegetação aquática.

Além disso, a remoção desses animais contribui para o desequilíbrio de cadeias alimentares, resultando em efeitos que podem se estender por anos e comprometer a recuperação das populações. No caso do peixe-boi-da-amazônia, que é um dos maiores mamíferos aquáticos da Amazônia, o risco de extinção é ainda mais preocupante, uma vez que a espécie já enfrenta ameaças como a perda de habitat e a poluição dos rios.

Para enfrentar o problema, o Ibama e outras instituições ambientais têm intensificado o monitoramento dos rios e regiões mais vulneráveis. De acordo com Johnatan Santos, o órgão trabalha em conjunto com entidades como o ICMBio, a Polícia Federal e as forças de segurança estaduais para monitorar a qualidade da água, a temperatura e a vazão dos rios. Esses dados ajudam a prever onde a estiagem pode ser mais severa e, consequentemente, onde há maior risco de atividades ilegais.

Além do monitoramento, as operações de fiscalização envolvem a utilização de embarcações, drones e até mesmo equipes a pé para cobrir áreas de difícil acesso. A ideia é atuar de forma preventiva e repressiva, inibindo a atuação dos infratores e protegendo as espécies mais vulneráveis. O combate à caça e pesca ilegais também inclui ações de educação ambiental e conscientização das comunidades ribeirinhas, que muitas vezes se tornam vítimas da exploração de grupos organizados.

A estiagem mais severa e prolongada na Amazônia não é um fenômeno isolado, mas sim um reflexo das mudanças climáticas que têm afetado o regime de chuvas na região. Com a elevação das temperaturas e a alteração dos padrões de precipitação, os períodos de seca se tornam mais intensos, e os rios, que são a principal via de transporte e fonte de alimento para muitas comunidades, sofrem com a diminuição dos níveis de água.

Essa alteração no equilíbrio hidrológico impacta diretamente as populações de peixes e mamíferos aquáticos, que dependem de áreas alagadas para alimentação e reprodução. Com menos água disponível, muitas espécies ficam confinadas a pequenos trechos de rios, tornando-se presas fáceis para caçadores e pescadores ilegais. Além disso, a seca agrava problemas como a poluição dos rios, a proliferação de espécies invasoras e o assoreamento de cursos d’água, comprometendo ainda mais a saúde dos ecossistemas aquáticos.

A recuperação das populações de espécies ameaçadas, como o peixe-boi-da-amazônia e o pirarucu, depende de uma combinação de fatores que incluem a proteção de áreas de reprodução, a manutenção da qualidade das águas e o combate efetivo às atividades ilegais. Para isso, é fundamental o engajamento de toda a sociedade e o fortalecimento das políticas públicas de conservação.

O Ibama e o ICMBio têm atuado na implementação de medidas de manejo sustentável e na criação de áreas protegidas, como reservas extrativistas e parques nacionais. No entanto, o aumento das pressões econômicas e o avanço do desmatamento na Amazônia representam um obstáculo adicional para a preservação dessas espécies. É necessário que haja um reforço no apoio governamental, tanto em recursos financeiros quanto em pessoal, para que as ações de fiscalização e preservação sejam efetivas.

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