A segurança no transporte aéreo brasileiro é constantemente monitorada por órgãos reguladores e agências de fiscalização. No entanto, um caso recente envolvendo a Voepass (antiga Passaredo Transportes Aéreos S.A) acendeu um alerta sobre a necessidade de uma maior rigorosidade no cumprimento das normas operacionais.
A empresa aérea operou no aeroporto de Cascavel, no Paraná, por quase três meses sem um contrato vigente, conforme revelam documentos do processo administrativo 31.696/2024. Durante esse período, a companhia realizou voos, incluindo o fatídico trajeto que resultou na queda de um avião em Vinhedo, no estado de São Paulo, em 5 de agosto de 2024, causando a morte de 62 pessoas.
Essa situação levanta questões sobre a responsabilidade das autoridades e a segurança das operações aéreas no Brasil, além de destacar as falhas administrativas e burocráticas que permitiram a atuação irregular da empresa. A seguir, exploraremos os detalhes dos documentos, as implicações do caso e as investigações em andamento.
Os documentos obtidos revelam que a Voepass operou no aeroporto de Cascavel entre 31 de março e 18 de junho de 2024 sem um contrato formalizado para uso das áreas de check-in, manutenção e demais operações no local. A irregularidade foi constatada pela própria autarquia municipal Transitar, responsável pela administração do aeroporto. A ausência de um contrato válido poderia ter resultado em uma suspensão das operações, mas a empresa continuou a realizar voos normalmente.
O contrato de uso de áreas, que compreendia um espaço de 14 m² para check-in e check-out e 70 m² para manutenção de aeronaves, estava em processo de regularização. Em 3 de maio de 2024, a presidente da Transitar, Simoni Soares da Silva, assinou um documento que autorizava a contratação direta da empresa por dispensa de licitação, mas com a ressalva de que “não havia contrato vigente” na ocasião. A situação só foi formalmente regularizada no dia 18 de junho de 2024, quando um Termo de Permissão de Uso de Áreas foi assinado entre a Voepass e a Transitar.
A assinatura do documento, entretanto, ocorreu de maneira controversa. Há divergências nas datas de assinatura, sugerindo que o contrato pode ter sido retroativamente validado para encobrir o período em que a empresa operou sem permissão formal. A presidente da Transitar reconheceu que houve uma falha administrativa no atraso da assinatura do contrato, mas afirmou que não houve prejuízo ao erário público.
O caso ganhou maior notoriedade após a queda do voo da Voepass em Vinhedo, no dia 5 de agosto de 2024, que causou 62 mortes – 58 passageiros e 4 tripulantes. Embora a investigação sobre as causas do acidente ainda esteja em andamento, o fato de a empresa ter operado sem contrato em Cascavel durante meses levantou preocupações sobre a conformidade de outras operações realizadas no mesmo período.
O Ministério Público do Paraná, por meio da 7ª Promotoria de Justiça de Cascavel, instaurou um procedimento investigativo para apurar as irregularidades. A promotoria recebeu denúncias sobre a falta de contrato e está analisando a documentação fornecida pela Transitar e pela própria Voepass. Segundo nota oficial, o caso está em fase de investigação preliminar, e ainda não há conclusões definitivas.
Além disso, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) foi questionada sobre a situação. Em resposta, a agência afirmou que sua atuação se concentra na garantia de segurança das operações aéreas e que qualquer irregularidade quanto à autorização para operação no aeroporto deve ser de responsabilidade do administrador aeroportuário. A Anac destacou que não participa das negociações entre as partes envolvidas, mas exige a anuência prévia do aeroporto para que os voos sejam registrados e autorizados.
Em uma tentativa de regularizar a situação, a Voepass firmou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a Transitar em 5 de maio de 2024. No documento, a empresa se comprometeu a entregar todas as certidões necessárias para a formalização do Termo de Permissão de Uso até o dia 5 de dezembro de 2024. Entre as certidões exigidas estão a negativa de débitos estaduais, municipais, trabalhistas e FGTS, além de comprovações referentes a eventuais processos de recuperação judicial.
O TAC previa um prazo de seis meses para que a empresa entregasse todos os documentos pendentes, garantindo, assim, a continuidade das operações de maneira regularizada. No entanto, as investigações preliminares apontam que houve um descompasso entre as exigências do TAC e a efetiva regularização dos documentos, o que pode ter resultado na operação irregular por um período prolongado.
Em nota oficial, a presidente da Transitar, Simoni Soares da Silva, afirmou que a falha administrativa na assinatura do contrato foi alvo de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apuração de responsabilidades. Segundo ela, a ausência temporária de um contrato vigente não resultou em prejuízo financeiro para o município, uma vez que os valores referentes ao uso das áreas foram integralmente pagos pela Voepass.
A 12ª Promotoria de Justiça de Cascavel também emitiu um parecer sobre o caso, após ser questionada pela imprensa sobre a operação sem contrato da Voepass. O órgão declarou que não recebeu qualquer denúncia formal sobre a falta de autorização e que, ao solicitar esclarecimentos à Transitar, foi informado de que a situação já estava regularizada. A promotoria concluiu que não houve risco potencial ao consumidor decorrente da ausência temporária de contrato.
A repercussão do acidente aéreo em Vinhedo e as denúncias de operação irregular da Voepass levaram a Câmara dos Deputados a instaurar uma comissão externa para investigar o caso. A comissão pretende ouvir o prefeito de Cascavel, Leonaldo Paranhos da Silva, e outros representantes da administração municipal para entender como a empresa conseguiu operar por tanto tempo sem um contrato vigente.
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A audiência está prevista para novembro de 2024 e deve abordar, além das falhas administrativas, possíveis responsabilidades no nível municipal e estadual. A comissão também pretende convocar representantes da Anac e da Voepass para esclarecer a extensão das operações irregulares e as medidas que foram tomadas para evitar novos incidentes.