Uma recente descoberta arqueológica realizada em Éfeso, na atual província de İzmir, na Turquia, trouxe à tona uma tumba romana de 1.800 anos originalmente destinada a um gladiador. A equipe de pesquisadores, no entanto, se deparou com um achado inesperado: ossadas de 12 pessoas, incluindo homens e mulheres, que datam de cerca de 200 anos após a construção do túmulo. A descoberta sugere que o sarcófago foi reutilizado várias vezes ao longo dos séculos, refletindo a complexidade histórica e cultural da região.
Inscrições no sarcófago indicam que a tumba pertenceu a um gladiador romano chamado Euphrates. No entanto, a presença de ossos datados do século V d.C. levantou questões sobre como e por que o túmulo foi reaproveitado, assim como sobre a identidade e a posição social das pessoas enterradas ali posteriormente. Localizada sob as ruínas de uma basílica dedicada a São João, a tumba também apresenta símbolos cristãos que foram adicionados ao longo dos séculos, revelando a transformação de usos e crenças na região.
A descoberta da tumba
O sarcófago foi encontrado na Colina de Ayasuluk, uma área de grande relevância arqueológica na antiga cidade de Éfeso, um importante centro urbano da época romana. Os pesquisadores estavam explorando as ruínas de uma basílica dedicada a São João, que foi construída no século V d.C., quando localizaram o sarcófago de Euphrates sob os escombros. A tumba estava conectada a um sistema de drenagem de água que também foi identificado na escavação, indicando um planejamento arquitetônico sofisticado para preservar o local.
Éfeso foi um dos maiores e mais ricos centros comerciais do mundo antigo, conhecido por suas grandiosas construções e pela diversidade de culturas que ali coexistiam. Fundada há mais de 3.000 anos, a cidade passou por sucessivas ocupações, incluindo o domínio grego, romano e bizantino. Cada uma dessas fases deixou marcas no patrimônio arquitetônico e religioso da região, refletindo as mudanças políticas e sociais que ocorreram ao longo dos séculos.
O gladiador Euphrates e a reutilização do sarcófago
De acordo com as inscrições encontradas na tampa do sarcófago, a tumba foi inicialmente construída no século III d.C. para abrigar os restos mortais de Euphrates, um gladiador romano. Pouco se sabe sobre a vida desse combatente, mas a própria construção de uma tumba elaborada indica que ele alcançou um status significativo, possivelmente como um gladiador vitorioso ou até mesmo como uma figura pública respeitada na sociedade romana.
No entanto, os ossos encontrados dentro do sarcófago datam do século V d.C., sugerindo que a tumba foi reutilizada cerca de 200 anos após a morte de Euphrates. Essa prática era comum no mundo antigo, especialmente em regiões que passaram por mudanças de dominação e de práticas culturais. Arqueólogos acreditam que, após a construção da basílica cristã no local, a tumba do gladiador foi transformada em um espaço de sepultamento para indivíduos de alta posição social, possivelmente membros do clero ou da elite local.
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Símbolos cristãos e novas interpretações
Uma das evidências mais intrigantes dessa reutilização são os símbolos cristãos gravados na tampa e no interior do sarcófago. Três relevos de cruzes foram identificados e datados do século V, e outras cruzes foram adicionadas posteriormente no século VIII. Esses símbolos indicam que, em algum momento, o sarcófago passou a ser associado ao cristianismo, uma religião que se expandiu e se consolidou em Éfeso após a queda do Império Romano Ocidental.
Além disso, a presença das cruzes sugere que as 12 pessoas enterradas no local possuíam um status elevado na hierarquia cristã. Segundo Sinan Mimaroglu, professor da Universidade Hatay Mustafa Kemal e líder da escavação, “é improvável que uma pessoa comum fosse enterrada de maneira tão meticulosa dentro de uma igreja”. Essa análise levanta a hipótese de que a tumba foi reaproveitada para abrigar restos mortais de figuras religiosas importantes ou mesmo de membros da aristocracia local que se converteram ao cristianismo.
O papel da basílica de São João
A basílica de São João, onde a tumba foi encontrada, é um dos monumentos mais significativos de Éfeso. Construída sobre o suposto local de sepultamento de São João Evangelista, o apóstolo de Cristo, a basílica foi um importante centro de peregrinação cristã durante o período bizantino. Sua construção no século V d.C. simbolizou a crescente influência do cristianismo na região e a transformação dos antigos templos pagãos em igrejas e basílicas cristãs.
A reutilização do sarcófago de Euphrates reflete essa transição religiosa e cultural. À medida que os valores cristãos se consolidavam, antigos elementos romanos, como tumbas e monumentos, eram frequentemente adaptados para se alinhar às novas crenças. Isso incluiu a inclusão de símbolos cristãos e a modificação de práticas funerárias, como o enterro dentro das igrejas, algo que era restrito a pessoas de grande importância para a comunidade cristã.
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A descoberta da tumba de Euphrates e das ossadas dos 12 indivíduos não é apenas um achado arqueológico significativo, mas também uma janela para entender melhor a evolução das práticas funerárias e das transformações religiosas na Ásia Menor. A reutilização do sarcófago e a adaptação da tumba indicam um processo de apropriação cultural que se intensificou à medida que o cristianismo se tornava a religião dominante no Império Romano.
A análise dos ossos e dos artefatos encontrados junto ao sarcófago pode revelar mais informações sobre a saúde, a dieta e as causas de morte dos indivíduos enterrados ali, fornecendo um panorama mais detalhado das condições de vida da elite de Éfeso no período pós-romano. Além disso, a presença de mosaicos e de um complexo sistema de drenagem de água na basílica sugere que o local foi cuidadosamente planejado e mantido ao longo dos séculos, o que confirma a importância do local como um centro religioso e social.
Conclusão
A descoberta da tumba do gladiador Euphrates, contendo ossadas de 12 pessoas, destaca a complexidade e a riqueza histórica da antiga cidade de Éfeso. O achado não apenas revela aspectos desconhecidos sobre as práticas funerárias e religiosas da época, mas também ilustra como o patrimônio arqueológico pode refletir mudanças profundas na sociedade, cultura e crenças de uma região.