A educação infantil no Brasil enfrenta uma crise profunda que se reflete nos números alarmantes de crianças que aguardam por uma vaga em creches públicas. Um estudo recente do Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política da Educação no Brasil (Gaepe-Brasil) revelou que 632.763 crianças estão na fila de espera, buscando acesso a um direito garantido pela Constituição Federal.
A situação é ainda mais crítica quando consideramos que quase metade dos municípios brasileiros (44%) relatam ter filas de espera para matrícula na educação infantil. Este cenário evidencia não apenas a carência de infraestrutura, mas também uma falta de políticas públicas eficazes que priorizem a primeira infância.
O estudo “Retrato da Educação Infantil no Brasil – Acesso e Disponibilidade de Vagas” traça um panorama preocupante sobre a educação infantil no país. Realizado entre 18 de junho e 5 de agosto, ele compilou respostas de todos os 5.569 municípios brasileiros e do Distrito Federal, revelando que 2.445 cidades enfrentam desafios significativos para atender a demanda por vagas em creches.
Entre os municípios com fila de espera, 88% apontam a falta de vagas como o principal problema. A carência de infraestrutura adequada e o insuficiente número de instituições de ensino infantil são agravados por fatores como a falta de transporte adequado, especialmente em áreas rurais, e o desconhecimento dos pais sobre o processo de matrícula.
As crianças mais afetadas por essa crise são as que têm menos de quatro anos. Segundo o estudo, das mais de 632,7 mil crianças na fila por uma vaga em creche, 123 mil (19%) têm até 11 meses de idade, enquanto 178,4 mil (28%) têm um ano, e 165,4 mil (26%) têm dois anos. O Sudeste é a região mais afetada, com 212,5 mil crianças fora das creches, seguido pelo Nordeste, com 124,3 mil, e o Sul, com 123,3 mil.
Além disso, a situação é crítica também na pré-escola, onde 78.237 crianças estão fora da sala de aula, sendo que em metade dos casos isso ocorre por falta de vagas. Esta fase da educação infantil, que abrange crianças de quatro e cinco anos, é crucial para o desenvolvimento cognitivo e social, e a sua ausência pode ter impactos significativos no futuro escolar dessas crianças.
As desigualdades regionais são um fator importante a ser considerado quando analisamos a disponibilidade de vagas em creches. O estudo mostra que o acesso é ainda mais limitado em regiões mais vulneráveis, como o Norte e o Nordeste, onde a infraestrutura educacional já é tradicionalmente mais precária. Nessas áreas, a falta de vagas é exacerbada por dificuldades logísticas, como a distância entre as residências e as instituições de ensino e a ausência de transporte público adequado.
Ademais, o critério de priorização de vagas revela outra camada de vulnerabilidade: 64% dos municípios que estabelecem critérios de atendimento priorizam crianças em situação de risco e vulnerabilidade social. Essa priorização é essencial, mas também aponta para a necessidade de políticas mais abrangentes que possam atender a todas as crianças, independentemente de sua situação social.
Diante de um cenário tão preocupante, o papel das políticas públicas se torna ainda mais relevante. O Ministério da Educação (MEC) anunciou, como parte do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a construção de 2,5 mil novas creches e pré-escolas até 2026. Além disso, o Pacto Nacional pela Retomada de Obras da Educação Básica visa concluir todas as obras paralisadas, proporcionando mais vagas e melhorando a infraestrutura existente.
Entretanto, essas medidas, embora significativas, ainda não são suficientes para resolver o problema de maneira abrangente. É necessária uma articulação mais efetiva entre União, estados e municípios para criar um plano de ação que contemple a construção de novas unidades, a ampliação das existentes e a melhoria do transporte e do acesso às creches, especialmente nas regiões mais vulneráveis.
Outro ponto crucial é a transparência na gestão pública e o envolvimento da sociedade civil no processo. Atualmente, apenas 25% dos municípios divulgam a lista de espera por vagas em creches, o que dificulta o acompanhamento e a cobrança por melhorias por parte da população. A divulgação desses dados é fundamental para que haja um controle social efetivo e para que as comunidades possam se organizar e reivindicar seus direitos.
Além disso, a sociedade civil, por meio de organizações não governamentais e movimentos sociais, pode desempenhar um papel importante na conscientização sobre a importância da educação infantil e na mobilização por mais investimentos e políticas públicas que atendam a essa demanda.