Mario Eugenio Saturno
Desde criança, dominar a língua falada e escrita, culta ou simples, sempre foi uma empreitada árdua de estudos e prática. Eu era um grande leitor de ciências e biografias, desprezava um pouco os livros de literatura escolar, um erro histórico que, certamente, dificultou meu aprendizado. Embora “Eurico, o presbítero” seja o livro que mais gostei.
Minha primeira experiência com portugueses de Portugal (os do Brasil já falavam como nós) foi em 1994, quando um grupo de uma universidade vieram ao INPE e ficaram curiosos sobre a estação portátil de comunicação com satélites que eu desenvolvera. Eu tive que falar em inglês os termos de computação, já que eram muito diferentes dos traduzidos no Brasil. Sem contar que eles não pronunciavam as vogais, tornando o entendimento muito difícil.
Há vários anos, ouvi um estudioso do assunto dizer que a Língua Portuguesa do Brasil era Seicentista… Opa, isso acendeu um alerta na minha mente, já que Luiz Vaz de Camões viveu entre 1.524 e 1.580, provavelmente… Se a Língua de Portugal mudou mais que no Brasil, cabe afirmar que nossa Língua é mais próxima de Camões que a Língua falada hoje na “terrinha” (Portugal) certamente.
Recentemente, a BBC Brasil apresentou diversos artigos sobre a Língua Portuguesa do Brasil e de Portugal, alguns focando na “corrupção” da Língua de lá ocasionado por novelas brasileiras e, atualmente, por influenciadores digitais populares lá.
Mas o que me despertou grande interesse foi o artigo do escritor Sirio Possenti que apresenta diversos versos de Camões que justificam o modo “correto” de falar o Português no Brasil e não em Portugal e que reproduzo alguns a seguir.
Primeiro, segue uma lista de palavras que pensamos ser caipiras: antão, dereito, exprimentar, frauta, fruito, ingrês, menhã, mesturar, pruma (pluma), pubricar, rezão, saluço, simpres, treição, abastar, ajuntar, alembrar, alevantar, alimpar, amostrar, arrecear, arrenegar, assoprar (duas ou três delas sobrevivem com esta forma na dita língua culta, mas outro sentido – como “amostrar / assoprar”. De todas estas formas, talvez a mais famosa está nos versos “Cesse tudo o que a Musa antiga canta / que outro valor mais alto se alevanta”.
Mas há outras construções no épico que levam a concluir que uma das teses correntes (que no Brasil estamos destruindo a língua) é grossa besteira. Refiro-me especialmente à próclise, hoje criticada, e proibida na escola (exceto se atraída por algum pronome ou palavra negativa), mas comum nos idos do século XVI, e na “língua de Camões”. E no Brasil e outros países.
Seguem exemplos: se pôs diante de Júpiter; lhe vá mostrar; lhe diz como eram gentes roubadoras; o Mouro… lhe prepara; malvado Mouro… lhe diz; Nós outros… te avisamos; porém eu… me detenho;…me respondeu; Nos deste; te contei; os esperem as ninfas.
Para Possenti, estes fatos deveriam permitir um debate mais inteligente tanto sobre ensino de português na escola (porque condenar a próclise?) quanto sobre política linguística: por que temos que acreditar que uma variante da língua é superior a outra? E por que acreditar que línguas decaem?
*Mario Eugenio Saturno (fb.com/Mario.Eugenio.Saturno) é Tecnologista Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano