Especialistas avaliam os impactos da Lei Geral de Proteção de Dados nas relações de trabalho

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) tem provocado uma verdadeira revolução nas relações de trabalho no Brasil. Com o crescente volume de informações digitais e a necessidade de proteger os dados pessoais dos indivíduos, o ambiente corporativo precisou se adaptar a novas normas que asseguram a privacidade e o sigilo dessas informações.

As empresas, independentemente de seu porte, passaram a ter um papel ainda mais ativo e cuidadoso no tratamento dos dados de seus colaboradores, desde o processo de recrutamento até o desligamento. Especialistas em direito digital avaliam como essa lei tem impactado o dia a dia das relações entre empregadores e empregados.

A LGPD, sancionada em 2018, surgiu como uma resposta às novas demandas por segurança de dados em um mundo cada vez mais digital. Nas relações de trabalho, a aplicação dessa legislação se dá principalmente na forma como as empresas lidam com informações pessoais de seus colaboradores.

De acordo com Manuela Oliveira, advogada especialista em direito digital e sócia do escritório Marques e Oliveira Advogados, “os dados pessoais referem-se a todas as informações relacionadas à pessoa natural, como nome, sobrenome, data de nascimento, CPF, RG, endereço, número de telefone, e-mail, entre outras, que possam identificar ou que venham a identificar a pessoa”.

Essas informações são essenciais para o funcionamento de qualquer organização, desde a admissão de novos funcionários até o controle interno de recursos humanos. No entanto, o tratamento inadequado desses dados pode gerar sérias consequências legais e financeiras para as empresas, o que exige uma atenção redobrada por parte dos empregadores.

Um dos pontos mais delicados da LGPD é o tratamento dos chamados “dados sensíveis”, que exigem maior rigor em sua manipulação. Conforme explica Manuela Oliveira, “dado sensível é toda informação que revela origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou organização de caráter religioso, filosófico ou político, além de dados sobre saúde, vida sexual, genéticos ou biométricos”. Esses dados, por sua natureza, podem causar discriminação ou danos significativos à pessoa caso sejam divulgados ou mal utilizados.

No ambiente de trabalho, muitas dessas informações são coletadas de forma rotineira, seja em exames admissionais, em processos seletivos ou até em benefícios como planos de saúde. A empresa, portanto, tem a responsabilidade de garantir que essas informações sejam tratadas de forma segura, evitando vazamentos ou usos indevidos.

O artigo 16 da LGPD estabelece que os dados pessoais devem ser eliminados após o término do tratamento, a menos que haja uma justificativa legal para sua retenção. No contexto trabalhista, isso implica que as empresas devem adotar uma política clara para o armazenamento e eliminação de dados de seus colaboradores. De acordo com Beatriz Gomes, advogada responsável pelo núcleo de direito digital do escritório Marques e Oliveira Advogados, “todos os dados devem ser tratados e armazenados com segurança segundo os requisitos da lei, desde o primeiro contato. Um exemplo é o currículo recebido pelas empresas, que deve ser tratado com o mesmo cuidado, mesmo que o candidato não seja contratado”.

O mesmo cuidado deve ser aplicado aos contratos de trabalho e outros documentos relacionados ao empregado, como registros de ponto, relatórios de desempenho e históricos de saúde ocupacional. A qualquer momento, esses dados podem ser requisitados pelo titular ou pelas autoridades competentes, o que exige que as empresas mantenham um processo eficiente de gestão e proteção dessas informações.

Para evitar sanções e proteger os dados dos colaboradores, as empresas devem implementar políticas de conformidade com a LGPD. Essas políticas envolvem desde a definição de responsáveis pelo tratamento de dados até a criação de canais de comunicação para que os colaboradores possam questionar o uso de suas informações. Além disso, é fundamental que a equipe de recursos humanos e gestores estejam devidamente treinados sobre os princípios da lei e as melhores práticas de tratamento de dados.

O descumprimento da LGPD pode resultar em penalidades severas para as empresas, que vão desde advertências até multas que podem chegar a R$ 50 milhões por infração. Além do impacto financeiro, as empresas podem sofrer danos à sua reputação, especialmente em um momento em que a proteção de dados pessoais é uma preocupação crescente entre consumidores e trabalhadores.

Manuela Oliveira destaca que muitas organizações ainda não estão totalmente preparadas para atender às exigências da LGPD, o que pode representar um risco significativo. “Muitas vezes, as pequenas e médias empresas não possuem estrutura ou recursos para implementar sistemas de proteção de dados adequados, mas isso não as isenta das obrigações legais. É importante que essas empresas busquem orientação e se adequem o quanto antes”, alerta.

Outro aspecto fundamental da implementação da LGPD no ambiente de trabalho é a conscientização dos próprios colaboradores. Muitos funcionários ainda não compreendem plenamente seus direitos em relação ao tratamento de seus dados pessoais, o que pode dificultar o diálogo com a empresa e até gerar conflitos desnecessários. Por isso, é essencial que as empresas invistam em campanhas de educação e conscientização sobre a LGPD, explicando claramente quais dados são coletados, por que são necessários e como serão utilizados.

A transparência no tratamento dos dados é um dos princípios básicos da LGPD e deve ser adotada pelas empresas para garantir que os colaboradores se sintam seguros e protegidos.