Um grave erro envolvendo testes de HIV realizados por um laboratório contratado pelo Governo do Rio de Janeiro resultou na infecção de pacientes transplantados com o vírus. O caso, que veio à tona no início de outubro de 2024, despertou a atenção de órgãos reguladores e autoridades de saúde em todo o país.
O Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro (CRF/RJ) confirmou que o laboratório responsável não possui registro no conselho, nem conta com farmacêuticos habilitados em seu quadro. Este é o primeiro caso documentado de pacientes infectados por HIV após transplantes no Brasil, gerando uma ampla investigação que envolve o Ministério da Saúde, Anvisa, Polícia Federal, Polícia Civil e outras entidades.
O erro grave nos testes de HIV afetou diretamente pacientes que receberam transplantes de órgãos, com exames falsamente negativos permitindo que os doadores fossem liberados. Após o transplante, os pacientes foram infectados com o vírus HIV, o que levantou sérias preocupações sobre a segurança e a confiabilidade dos processos de triagem de doadores.
O laboratório envolvido, identificado como Patologia Clínica Doutor Saleme Ltda (PCS Lab), foi contratado pelo Governo do Estado em dezembro de 2023, em um contrato de R$ 11,4 milhões, para realizar análises clínicas e exames patológicos. Durante o período de prestação de serviços, de dezembro de 2023 até setembro de 2024, os testes de HIV foram executados utilizando kits de diagnóstico recomendados pelo Ministério da Saúde e a Anvisa. No entanto, falhas nos resultados desses exames levaram à infecção dos pacientes, uma situação inédita e extremamente preocupante.
O CRF/RJ, que regula a atuação dos profissionais e estabelecimentos farmacêuticos no estado, foi rápido em destacar que o laboratório envolvido não possuía registro como estabelecimento junto ao conselho, o que representa uma violação grave das normas regulamentares. O conselho também apontou a ausência de farmacêuticos registrados no quadro de funcionários do laboratório, uma falha que compromete diretamente a qualidade e a segurança dos serviços prestados.
Em nota oficial, o CRF/RJ, liderado pela presidente Dra. Luzimar Gualter Pessanha, anunciou a instauração de procedimentos administrativos e a cooperação com as investigações realizadas pelas autoridades competentes. O órgão destacou que, além de medidas internas de suspensão preventiva, também serão aplicadas sanções éticas e disciplinares, podendo resultar na cassação definitiva do registro profissional dos envolvidos, caso sejam comprovadas irregularidades.
A gravidade do caso levou a uma resposta rápida de outros órgãos reguladores, como o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), que abriu uma sindicância para apurar as circunstâncias das infecções. O presidente do Cremerj, Walter Palis, classificou o episódio como “gravíssimo” e enfatizou a necessidade de garantir a segurança dos pacientes em todos os procedimentos médicos.
O Ministério da Saúde também se pronunciou sobre o incidente, solicitando a interdição cautelar do laboratório enquanto as investigações prosseguem. Além disso, o ministério determinou que, a partir deste momento, todos os testes de HIV de doadores de órgãos sejam realizados exclusivamente pelo Hemorio, utilizando o teste NAT (Nucleic Acid Test), considerado mais preciso para a detecção de doenças transmissíveis.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que regula os procedimentos e kits de diagnóstico utilizados nos exames clínicos no Brasil, está envolvida na investigação para determinar se houve falhas nos testes empregados pelo laboratório ou no processo de triagem dos doadores. Segundo o Ministério da Saúde, todos os pacientes receptores de órgãos de doadores testados pelo laboratório sob investigação, assim como seus contatos próximos, receberão suporte médico e psicológico integral.
Em sua defesa, o laboratório PCS Lab emitiu uma nota oficial lamentando o ocorrido e afirmando que o caso é um “episódio sem precedentes” na longa história da empresa, que atua no setor de análises clínicas desde 1969. O laboratório também informou que iniciou uma sindicância interna para apurar responsabilidades e colaborar com as investigações das autoridades.
O laboratório destacou que, durante o período de prestação de serviços à Fundação de Saúde do Governo do Estado, utilizou os kits de diagnóstico recomendados pelos órgãos reguladores e que os resultados dos exames de HIV foram repassados à Central Estadual de Transplantes. No entanto, a empresa reconheceu a gravidade do incidente e se comprometeu a fornecer suporte médico e psicológico aos pacientes infectados e seus familiares.
O episódio envolvendo os testes incorretos de HIV levanta questões importantes sobre a segurança no processo de doação e transplante de órgãos no Brasil. Embora seja a primeira vez que um caso como este é registrado no país, ele evidencia a necessidade de reforçar os protocolos de triagem de doadores, garantindo que os exames de doenças transmissíveis sejam realizados com os mais altos padrões de qualidade e precisão.
O sistema de transplantes no Brasil é considerado um dos maiores e mais organizados do mundo, mas casos como este podem comprometer a confiança do público e a segurança dos pacientes. O uso de testes diagnósticos de alta precisão, como o teste NAT agora exigido pelo Ministério da Saúde, é essencial para evitar que falhas como esta se repitam no futuro.
A repercussão deste caso também traz à tona a importância da transparência e da responsabilização nos serviços de saúde. A ausência de registro junto ao CRF/RJ e a falta de farmacêuticos qualificados no laboratório envolvido são falhas graves que precisam ser corrigidas para garantir a segurança dos pacientes. Além disso, é crucial que o processo de investigação seja conduzido de forma rigorosa e transparente, garantindo que todas as partes envolvidas sejam responsabilizadas pelas falhas ocorridas.
As medidas tomadas pelo Ministério da Saúde, como a interdição cautelar do laboratório e a exigência de testes mais precisos para doadores de órgãos, são passos importantes para restaurar a confiança no sistema de transplantes e proteger a saúde pública. Ao mesmo tempo, o suporte oferecido aos pacientes infectados com HIV deve ser amplamente divulgado, para garantir que essas pessoas recebam o atendimento necessário durante este período delicado.