O Sistema Único de Saúde (SUS) registrou, ao longo de 2023, um total alarmante de 11.502 internações relacionadas a lesões autoprovocadas, indicando uma média de 31 casos por dia. Esses números representam um aumento de mais de 25% em relação aos 9.173 casos contabilizados em 2014, demonstrando uma escalada preocupante.
Divulgados pela Associação Brasileira de Medicina de Emergência (Abramede), esses dados acendem um alerta sobre a saúde mental no Brasil e a necessidade de capacitação adequada dos profissionais de emergência, que, muitas vezes, são os primeiros a atenderem esses pacientes em situações de fragilidade emocional.
Entre 2014 e 2023, o aumento expressivo de internações por lesões autoprovocadas evidenciou um problema de saúde pública que requer atenção urgente. A Abramede destacou que, embora as estatísticas já sejam preocupantes, o cenário pode ser ainda mais grave devido a possíveis subnotificações e dificuldades no acesso ao atendimento médico em determinadas regiões do país. A entidade relembra que a tendência de crescimento no número de casos teve oscilações ao longo dos anos, com uma queda temporária em 2016, mas retomou a alta a partir de 2018, atingindo seu pico em 2023.
Este aumento significativo reforça a importância de abordar a saúde mental como uma prioridade nas políticas públicas e também a necessidade de ampliar o acesso a serviços de apoio psicológico e psiquiátrico.
A análise regional das internações por tentativas de suicídio e autolesões revela disparidades significativas entre os estados brasileiros. Alguns estados, como Alagoas, registraram um crescimento alarmante de 89% no número de internações entre 2022 e 2023, passando de 18 para 34 casos. Outras regiões, como Paraíba e Rio de Janeiro, também apresentaram aumentos substanciais, de 71% e 43%, respectivamente.
Em contraste, estados como Amapá, Tocantins e Acre registraram uma diminuição expressiva no número de internações, com quedas de 48%, 27% e 26%, respectivamente. Apesar de algumas regiões apresentarem números absolutos elevados, como São Paulo (3.872 internações) e Minas Gerais (1.702 internações), o aumento percentual nessas áreas foi relativamente menor, com 5% e 2%, respectivamente.
A Região Sul, no entanto, se destacou como uma área de preocupação, com Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul apresentando aumentos de 22%, 16% e 33%, respectivamente. Esses dados apontam para a necessidade de um olhar atento para as especificidades regionais, com estratégias adaptadas às realidades locais e maior investimento em prevenção e tratamento.
Entre os fatores que contribuem para o aumento dos casos de lesões autoprovocadas, a análise do perfil dos pacientes internados revela importantes diferenças entre os gêneros e faixas etárias. De acordo com a Abramede, o número de internações de mulheres aumentou consideravelmente ao longo dos últimos anos, passando de 3.390 em 2014 para 5.854 em 2023. Já entre os homens, o número de internações teve uma leve queda, indo de 5.783 para 5.648 no mesmo período.
Em termos de idade, os jovens adultos e adolescentes são os mais afetados. O grupo de 20 a 29 anos foi o que mais registrou internações em 2023, com 2.954 casos, seguido pelo grupo de 15 a 19 anos, com 1.310 internações. Este aumento entre os jovens ressalta a vulnerabilidade dessa faixa etária, especialmente em um contexto de crescentes desafios sociais, emocionais e econômicos. Entre as crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, o número de internações praticamente dobrou desde 2011, chegando a 601 casos em 2023.
Os idosos também são afetados, com 963 internações entre pessoas com 60 anos ou mais em 2023. Isso mostra que o problema das lesões autoprovocadas não se limita aos jovens, abrangendo várias faixas etárias e destacando a complexidade do fenômeno.
A Abramede destaca a importância de um atendimento rápido e humanizado aos pacientes que chegam às emergências após tentativas de suicídio ou autolesões. Embora o foco inicial deva ser o tratamento técnico, é fundamental que os profissionais de saúde estejam preparados para identificar sinais de vulnerabilidade emocional e oferecer suporte adequado. Um acolhimento empático e eficaz pode fazer a diferença no prognóstico do paciente e ajudar a prevenir novos episódios.
Além disso, a associação reforça a necessidade de uma abordagem integrada, que inclua acompanhamento psicológico e psiquiátrico após a alta hospitalar, visando um suporte contínuo ao paciente e a sua rede de apoio. A capacitação de médicos de emergência e demais profissionais de saúde é uma estratégia essencial para enfrentar essa crescente demanda e oferecer um atendimento mais completo.
Setembro é marcado pela campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio no Brasil, conhecida como Setembro Amarelo. Com o lema “Se precisar, peça ajuda”, a campanha busca combater o estigma em torno da saúde mental e encorajar o diálogo aberto sobre o tema. De acordo com o psicólogo Héder Bello, especialista em trauma e urgências subjetivas, os transtornos mentais são fatores de risco significativos, mas não os únicos. Ele aponta que questões sociais, como a precariedade financeira, violência, abuso e discriminação, também contribuem para o aumento dos casos de suicídio.
A campanha Setembro Amarelo tem o papel crucial de incentivar políticas públicas que abordem o tema de forma aberta e sem tabus. Essas iniciativas devem ser acompanhadas de estratégias educativas e amplamente divulgadas, especialmente em escolas e ambientes de trabalho, para que as pessoas possam encontrar os recursos necessários para lidar com situações de crise emocional.
O problema do suicídio não é exclusivo do Brasil. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, globalmente, mais de 700 mil pessoas tiram a própria vida a cada ano. O suicídio é a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, e suas consequências afetam profundamente famílias, comunidades e a sociedade como um todo.
A OMS estabeleceu como uma de suas metas reduzir a taxa global de suicídio em um terço até 2030, como parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Para isso, é necessário romper o silêncio em torno do tema, reduzir o estigma e incentivar o diálogo aberto sobre saúde mental e suicídio. A entidade destaca que o suicídio está frequentemente associado a uma combinação de fatores sociais, econômicos, culturais e psicológicos, reforçando a necessidade de uma abordagem multifacetada na prevenção.