A descoberta arqueológica de um esqueleto na cidade de Quedlinburg, Alemanha, trouxe à tona uma prática antiga e enigmática: o soterramento de um homem, possivelmente um criminoso, sob um amontoado de pedras pesadas, com o objetivo de evitar que ele voltasse à vida como um “revenant” — um espírito vingativo ou fantasma. Este achado nos transporta para um tempo em que o medo de assombrações e a crença em práticas sobrenaturais estavam profundamente enraizados na cultura europeia.
Arqueólogos que conduziram as escavações de uma antiga forca do século 17 acreditam que este tipo de soterramento fazia parte de um conjunto de rituais voltados para impedir o retorno de almas perturbadas ao mundo dos vivos. O período histórico, marcado por guerras, pestes e mortes violentas, aumentava o temor da população quanto ao retorno dos mortos de maneira sobrenatural. Esta descoberta é uma janela intrigante para o comportamento humano em tempos de desespero e medo.
O sítio arqueológico e a descoberta macabra
Durante escavações na cidade de Quedlinburg, arqueólogos desenterraram os restos mortais de um homem enterrado fora de um caixão, com grandes pedras empilhadas sobre seu corpo. A descoberta foi feita em uma área que, entre os séculos 17 e 19, funcionou como um local de execução, conhecido como “galgenberg”, ou “colina da forca”, na Alemanha.
A prática de soterrar criminosos no local da execução não era incomum na época, mas o fato de este homem ter sido enterrado com pedras sobre o peito sugere que ele não foi tratado como os outros. Arqueólogos acreditam que este era um esforço consciente para garantir que o homem permanecesse morto, sem a possibilidade de retornar como um fantasma. O soterramento intencional com pedras reflete a crença popular da época de que determinados mortos poderiam se tornar revenants e assombrar os vivos.
A arqueóloga Marita Genesis, que lidera as escavações, explicou que o medo de fantasmas era particularmente comum na Europa entre os séculos 16 e 18. Muitos acreditavam que aqueles que morriam de maneira violenta, prematura ou sem ritos religiosos adequados tinham maiores chances de retornar como espíritos perturbados. “Essas eram pessoas que possivelmente morreram sem confissão ou absolvição”, explicou Genesis. O soterramento com pedras era uma medida extrema para garantir que esse homem não pudesse “se levantar do túmulo”.
O medo de revenants e práticas funerárias
No imaginário popular europeu da época, a ideia de que os mortos poderiam retornar para assombrar os vivos era uma ameaça real. Este tipo de crença era alimentado por uma série de eventos trágicos que ocorriam com frequência: pestes, guerras e mortes violentas. O temor de que almas que partiram de maneira abrupta pudessem retornar de forma maléfica fez com que diversas medidas fossem tomadas para impedir o retorno dos mortos.
Dentre essas práticas, além do soterramento com pedras, era comum o uso de amarras nos membros do cadáver, pulverização de incenso sobre o corpo, ou a colocação de cruzes de madeira no túmulo. Em alguns casos, galhos eram dispostos sobre os corpos, acreditando-se que isso ajudaria a manter a alma presa à terra. A prática de enterrar criminosos sem caixões também era um reflexo dessa crença: se o morto fosse tratado como “indigno”, ele não teria a chance de retornar em paz ao mundo dos vivos.
O caso do homem soterrado em Quedlinburg se encaixa nesse contexto, com as pedras servindo como uma barreira física contra o possível retorno do morto. Genesis afirmou que este ato de enterrar o corpo de costas e com pedras era uma medida clara de proteção contra a suposta ameaça de um retorno sobrenatural. “Isso era algo claramente destinado a impedir que ele voltasse à vida como um fantasma”, conclui a especialista.
Investigações sobre a causa da morte
Embora o esqueleto desenterrado não tenha mostrado sinais visíveis de violência extrema, como ossos quebrados ou marcas de tortura, os arqueólogos não descartam a possibilidade de que o homem tenha sido executado por enforcamento ou afogamento. Essas formas de execução, comuns na época, não costumam deixar marcas evidentes nos restos mortais. Exames forenses mais aprofundados ainda podem fornecer mais informações sobre a real causa da morte.
Os locais de execução no século 17 eram comumente usados para eliminar não apenas os criminosos, mas também para assustar o público e reforçar a justiça. No entanto, a maneira como esse homem foi enterrado sugere que o medo da sua “vida após a morte” era tão grande quanto a punição por seus crimes em vida. A descoberta de esqueletos em Quedlinburg, inclusive de outros corpos encontrados com marcas de violência, confirma que o local foi um cenário de execuções brutais.
A colina da forca e o ritual de desprezo
O sítio arqueológico de Quedlinburg, conhecido como “galgenberg”, não apenas revela a brutalidade das execuções, mas também como os mortos eram tratados após a sentença. Marita Genesis e sua equipe encontraram, além do homem soterrado com pedras, outras sepulturas que continham restos de indivíduos enterrados sem caixões, amarrados e tratados como “carcaças de animais”.
Essa prática de enterrar criminosos de maneira desrespeitosa reflete a visão punitiva da época: não apenas suas vidas deveriam ser tiradas, mas suas almas também deveriam ser castigadas. O desprezo pelos mortos, evidenciado pelas sepulturas desorganizadas e pela falta de qualquer tipo de ritual funerário respeitoso, mostra a maneira como a sociedade enxergava aqueles que eram considerados indesejáveis.
As escavações revelaram pelo menos 16 sepulturas individuais e duas fossas de ossos, evidenciando que o local era usado para executar e descartar os corpos de criminosos por séculos. Entre os esqueletos encontrados, há registros de ferimentos cortantes, sinais de que alguns dos corpos podem ter sido vítimas de esquartejamento, uma punição reservada para os piores criminosos.
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O enterro do suicida
Entre as descobertas no “galgenberg”, um enterro peculiar chama a atenção: o de uma pessoa enterrada em um caixão de madeira, deitada de costas com as mãos repousadas sobre o corpo. A presença de três contas de âmbar no túmulo sugere que a pessoa foi enterrada com um rosário cristão, indicando algum nível de respeito.
Os arqueólogos suspeitam que este indivíduo tenha cometido suicídio. Na época, o suicídio era visto como um crime equivalente ao assassinato, e a lei exigia que o corpo fosse enterrado em um local de execução. Esse tratamento contrastava com os demais enterros encontrados na área, que demonstravam desprezo pelos mortos. No caso do suicida, parece que houve um esforço para garantir uma despedida menos desonrosa, embora ainda marcada pela marginalização.
Conclusão
A descoberta do homem enterrado sob pedras na colina da forca em Quedlinburg revela muito sobre as crenças e medos do século 17. Acreditava-se que certos mortos, especialmente aqueles que morreram de forma violenta ou sem rituais religiosos adequados, poderiam voltar como fantasmas para assombrar os vivos. Esse medo levou a medidas extremas, como enterrar corpos com pedras pesadas ou amarrá-los para impedir seu “retorno”.