A busca por vagas em creches públicas no Brasil tornou-se um verdadeiro campo de batalha para muitas mães que precisam trabalhar e não têm com quem deixar seus filhos pequenos. A escassez de vagas, especialmente nas grandes cidades, afeta diretamente o dia a dia dessas famílias, criando um ciclo de incertezas e dificuldades que impacta tanto a vida pessoal quanto profissional das mães.
Este é o caso de Esteffane de Oliveira, moradora da Cidade de Deus, na zona oeste do Rio de Janeiro, que há dois anos luta para conseguir uma vaga em creche para sua filha caçula, Maytê, de apenas dois anos.
Esteffane, de 25 anos, enfrenta diariamente o dilema de conciliar o trabalho com o cuidado dos filhos. Sem conseguir uma vaga para Maytê, muitas vezes precisa deixar a pequena sob os cuidados da irmã mais velha, Ana, de apenas sete anos.
“Eles falam para mim que não tem vaga, que está tudo cheio. Eu até choro, está ficando muito complicado”, desabafa. A situação de Esteffane não é um caso isolado. Segundo a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, cerca de 7,5 mil crianças aguardam por uma vaga nas creches da cidade.
No Brasil, a crise é ainda mais ampla. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua 2023) revelam que aproximadamente 2,3 milhões de crianças de 0 a 3 anos estão fora das creches por diferentes razões, que vão desde a falta de instituições próximas até a ausência de vagas ou rejeição por conta da idade.
A dificuldade de acesso às creches públicas afeta diretamente a vida das mães, que muitas vezes precisam abrir mão de empregos formais ou se submeter a trabalhos informais para cuidar dos filhos. Sem o suporte educacional adequado, a rotina dessas mulheres se torna uma corrida contra o tempo e um desafio constante para garantir o sustento da família. Esteffane ressalta a importância da educação infantil para o desenvolvimento de seus filhos e para sua própria tranquilidade. “Isso para mim é muito importante, entendeu? Eu vou trabalhar com a minha mente mais tranquila”, explica.
Além dos impactos psicológicos, a falta de vagas em creches compromete a qualidade de vida das crianças, que perdem a oportunidade de socialização e aprendizado nos primeiros anos de vida. Maytê, por exemplo, ainda não teve a chance de frequentar um ambiente escolar, enquanto seus irmãos Ana e Pierre, de 4 anos, já estão matriculados em uma escola próxima à residência da família. Para Esteffane, a entrada precoce na educação infantil faz toda a diferença: “Eu queria que ela já entrasse na creche, porque já vai sabendo o ritmo, como é a escola”, comenta.
A Constituição Federal estabelece a educação como um direito de todos e um dever do Estado e da família. No artigo 211, fica claro que os municípios devem atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil, o que inclui as creches para crianças de até 3 anos e as pré-escolas para as idades de 4 e 5 anos. As prefeituras, por sua vez, são obrigadas a destinar pelo menos 25% de sua arrecadação para a educação, englobando a manutenção de creches e escolas, transporte escolar, merenda, qualidade do ensino e pagamento de professores.
No entanto, a realidade mostra que a aplicação desse percentual nem sempre é suficiente para atender à demanda crescente. Com orçamentos muitas vezes apertados e uma longa lista de prioridades, os gestores municipais enfrentam desafios para expandir o número de vagas nas creches, um problema que tende a piorar nas grandes metrópoles.
Às vésperas das eleições municipais, a educação infantil se coloca como um dos principais desafios das gestões que assumirão o comando das prefeituras nos próximos anos. Com mais de 150 milhões de eleitores aptos a votar, a escolha dos novos prefeitos e vereadores deve considerar as propostas e ações concretas para resolver a crise das creches e melhorar a qualidade da educação infantil.
Segundo a professora Mayra Goulart, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), embora a educação apareça em último lugar entre os principais problemas percebidos pela população, há um forte desejo de mudanças no setor. “O tema da educação tem sido disputado a partir da ideia de que deve ficar a cargo do Estado e das instituições republicanas”, afirma.
Para Mayra, o engajamento dos eleitores no acompanhamento das promessas de campanha é fundamental. “A participação do eleitor no acompanhamento, no controle sobre o representante, vendo se ele está cumprindo a função de representação, acho que é a chave para se proteger de falsas promessas e responsabilizar os representantes quando eles não cumprem suas propostas”, destaca.