Autor: Dartagnan da Silva Zanela
Todo herói, por sua própria natureza, é uma figura controversa, e o é por inúmeras razões. De todas as razões, há duas que, no meu entender, seriam intrínsecas à condição de personagem notável.
A primeira refere-se à própria condição humana. Todos nós, sem exceção, somos contraditórios, motivados muitas e muitas vezes por desejos conflitantes, impulsos desordenados, paixões avassaladoras, e por aí seguimos em nosso passo demasiadamente humano. E os heróis, humanos que são, nesse quesito não diferem de nós. O que os distingue de nós é a forma como eles lidam com os seus conflitos internos e com sua natureza desordenada.
A segunda seria o fato de que a forma como um personagem elevado à condição de herói é apresentado à sociedade. Dito de outra forma, de um modo geral, todos os heróis acabam refletindo os valores e ideias do tempo presente, daqueles que o reverenciam, não necessariamente as ideias e valores que eram, de fato, defendidos por ele quando estava realizando a sua jornada por esse vale de lágrimas.
Ou seja, cada época histórica acaba vestindo os heróis com as cores ideológicas e com os valores de cada época, servindo como um espelho para refletir as ideias e ideais do momento em que as pessoas estão vivendo. Por isso que, muitas vezes, personagens que em um momento histórico eram celebrados como ícones, em outros momentos acabam caindo no esquecimento. Da mesma forma, personagens que eram desconhecidos passam, em determinados quadros históricos, a serem celebrados como figuras dignas de estarem no panteão dos notáveis de uma nação, ou mesmo de toda humanidade.
Essas mutações, por sua vez, não são aberrações ou produto de conspirações sombrias, nada disso, cara pálida. É apenas e tão somente um traço característico da dinâmica histórica e do funcionamento da memória individual e coletiva. Aliás, quantas figuras que nós um dia admiramos hoje repudiamos? E quantas figuras que eram ignoradas por nós, ou que eram mesmo desprezadas, hoje nutrimos alguma curiosidade ou mesmo uma certa admiração? Então, essa mesma dinâmica faz-se presente na memória coletiva e junto à tessitura das malhas da história.
Deste modo, quando se celebra um herói, a sociedade está celebrando a si mesma, e nós, quando, com humildade, paramos para refletir sobre a vida e os feitos de um personagem histórico notável, com suas contradições e idiossincrasias, estamos dilatando o nosso entendimento, ampliando a nossa consciência e refinando a nossa percepção a respeito dos dramas que dão forma à nossa história e sentido à nossa vida. Enfim, é por isso que digo, sem cerimônia: viva Zumbi dos Palmares!
(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.
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