Por que Colômbia e Espanha brigam há mais de 40 anos?

A busca pelo tesouro perdido do galeão espanhol San José não é apenas uma aventura de exploração subaquática; é também o centro de uma disputa geopolítica e histórica que já dura mais de 40 anos. Considerado o “Santo Graal” dos naufrágios, o navio transportava uma carga de ouro, prata e esmeraldas avaliada entre R$ 38 e 99 bilhões quando foi afundado pela Marinha Britânica em 1708, durante a Guerra de Sucessão Espanhola.

Desde que foi descoberto no Mar do Caribe, a questão de quem possui os direitos sobre esse tesouro passou a envolver não apenas a Colômbia e a Espanha, mas também empresas de salvamento e até grupos indígenas. A disputa segue sem uma solução definitiva e aguarda o veredito da Corte Permanente de Arbitragem (CPA), na Haia.

A história do galeão San José

Construído em 1698, o San José era um galeão espanhol imponente, com cerca de 40 metros de comprimento, quatro mastros e 64 canhões. A embarcação fazia parte de uma das maiores frotas do Império Espanhol e tinha como missão transportar riquezas do Novo Mundo para a Europa. Em 1708, durante a Batalha de Barú, nas proximidades da costa colombiana, o navio foi atacado pelas forças britânicas. As intenções do Reino Unido eram capturar a carga preciosa que o San José transportava, mas um tiro de canhão atingiu os depósitos de pólvora do navio, causando uma explosão catastrófica que o afundou rapidamente.

Estima-se que aproximadamente 600 pessoas morreram no naufrágio. O tesouro, composto por milhões de moedas de ouro, baús de esmeraldas e prata, permaneceu no fundo do mar por quase três séculos, até que uma empresa de salvamento dos Estados Unidos, a Glocca Mora, alegou ter encontrado os restos do navio na década de 1980. A descoberta reacendeu um debate complexo sobre a posse e a proteção do patrimônio cultural submerso.

Colômbia vs. Espanha

O valor impressionante do tesouro e o significado histórico do naufrágio atraíram o interesse de diferentes partes. Inicialmente, a Glocca Mora entrou em um acordo com o governo colombiano para dividir igualmente os lucros provenientes dos itens encontrados no galeão. No entanto, em 2007, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que a Colômbia deveria manter o controle sobre qualquer artefato classificado como “patrimônio cultural nacional”, enquanto o restante dos objetos de valor financeiro seria dividido entre o país sul-americano e a empresa americana.

O cenário mudou drasticamente em 2015, quando o então presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, anunciou que a Marinha colombiana havia encontrado o naufrágio em um local diferente daquele indicado pela Glocca Mora. Com isso, o governo colombiano passou a reivindicar a totalidade do tesouro, excluindo a empresa americana de qualquer acordo.

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A entrada da Espanha na disputa

A Espanha, proprietária original do navio, também entrou na briga. As autoridades espanholas afirmam que o San José era um navio de Estado e, portanto, a carga e os destroços deveriam ser considerados propriedade espanhola. De acordo com a Convenção da UNESCO de 2001 sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático, à qual a Colômbia não é signatária, bens culturais submersos pertencem ao Estado de origem do naufrágio. A Espanha utilizou essa diretriz como base para argumentar que os artefatos do San José são parte de seu patrimônio histórico.

Para complicar ainda mais, grupos indígenas do Peru e da Bolívia também entraram na disputa, alegando que os minerais preciosos transportados pelo San José haviam sido extraídos de suas terras por meio do trabalho forçado de povos indígenas durante a colonização espanhola. Para esses grupos, o tesouro representa uma parte de seu legado cultural, e, por isso, eles exigem compensações.

Explorando o naufrágio

Imagens subaquáticas divulgadas pelo governo colombiano mostram partes do galeão San José cobertas por vida marinha, com canhões de bronze, moedas de ouro e peças de porcelana espalhadas pelo fundo do oceano. A beleza e a história que envolvem o naufrágio são inegáveis, mas há um intenso debate sobre o que deve ser feito com os destroços e os artefatos.

De acordo com especialistas em arqueologia subaquática, como Juan Guillermo Martín, o ideal seria deixar o tesouro intacto, para que ele possa ser estudado no local. “O tesouro do San José deve permanecer no fundo do mar, junto com os restos humanos dos 600 tripulantes que morreram lá”, afirma Martín. Segundo ele, o valor do naufrágio é puramente científico e histórico, não comercial. Retirar a carga do mar poderia comprometer o contexto arqueológico do navio, prejudicando futuras pesquisas e análises.

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Por outro lado, defensores da exploração comercial, como a empresa americana Sea Search Armada, que comprou a Glocca Mora, argumentam que a remoção e a exposição dos artefatos em museus poderiam gerar conhecimento e recursos financeiros, além de valorizar o achado histórico. A empresa estima que o valor total do tesouro pode chegar a R$ 99 bilhões, o que inclui sete milhões de pesos em moedas de ouro e 116 baús cheios de esmeraldas.

Com tantas partes reivindicando o controle e a posse dos artefatos do San José, a questão foi levada à Corte Permanente de Arbitragem (CPA) em Haia, um tribunal internacional que busca resolver disputas internacionais de forma pacífica. A decisão final ainda está pendente, mas espera-se que o veredito ajude a definir o futuro do tesouro submerso e, possivelmente, sirva como um precedente para casos similares ao redor do mundo.

Enquanto isso, o galeão San José continua a repousar em seu túmulo subaquático, guardando segredos que datam de uma era de grandes explorações, riquezas incomensuráveis e disputas coloniais. Mesmo após mais de 40 anos de debates, o mistério do tesouro perdido e a batalha pela sua posse permanecem sem solução.

Conclusão

A história do naufrágio do galeão San José é mais do que uma simples busca por um tesouro perdido. Ela representa um confronto entre interesses econômicos, culturais e históricos, envolvendo países e grupos com reivindicações legítimas. A falta de consenso sobre o que fazer com o tesouro revela a complexidade das questões de patrimônio cultural subaquático e levanta discussões importantes sobre a proteção e a exploração desses bens. Até que uma decisão definitiva seja tomada, o “Santo Graal” dos naufrágios permanecerá nas profundezas do Mar do Caribe, como um símbolo das riquezas e tragédias que marcaram o passado.

Fonte: Revista Galileu