Nos campos vastos e misteriosos do Quiriri, na região de Garuva, Santa Catarina, pesquisadores estão desvendando um enigma histórico que pode reescrever parte do passado brasileiro.
Formações geométricas em pedras, localizadas nessa paisagem peculiar, têm despertado a atenção de arqueólogos e entusiastas do Caminho do Peabiru, um antigo sistema de trilhas que conecta o Oceano Atlântico ao Pacífico.
Liderada pelo grupo Brasil Primitivo e em parceria com a Dakila Pesquisas, uma recente expedição explorou o local, lançando novas luzes sobre a possibilidade de uma cidade perdida que remonta a milhares de anos.
Essas descobertas não apenas reforçam o fascínio pelo Caminho do Peabiru, mas também convidam a uma reflexão mais ampla sobre as civilizações que habitaram a América do Sul antes da chegada dos europeus. As pedras geométricas, associadas a outros artefatos enigmáticos, desafiam o entendimento convencional da história, sugerindo que povos anteriores aos incas poderiam ter deixado suas marcas na região.
Entre as principais descobertas da expedição, destacam-se as formações geométricas em pedras, que apresentam simetria impressionante, levantando hipóteses sobre a ação humana em sua criação. Para investigar a origem dessas estruturas, os pesquisadores utilizaram um scanner LiDAR, tecnologia avançada que mapeia o terreno em alta precisão.
André Rockenbach, líder da pesquisa, foi enfático ao afirmar que ainda não há provas concretas de que essas formações sejam resultado de intervenção humana, mas as chances são significativas.
A complexidade dessas formações geométricas coloca em xeque suposições anteriores sobre a história da região.
Segundo Rockenbach, não se pode atribuir sua criação aos povos indígenas guaranis.
“Sabemos que os guaranis não tinham tradições de construção com pedras dessa forma. Se não foram os incas, talvez tenha sido um povo ainda mais antigo, de uma época muito remota”, afirmou o pesquisador.
Além das pedras geométricas, outras rochas que remetem a rostos humanos foram encontradas, reforçando a possibilidade de que culturas antigas deixaram registros simbólicos em Santa Catarina. Essas figuras, segundo Rockenbach, podem ter sido feitas por povos que passaram pela região como parte de rotas migratórias ou religiosas.
O Caminho do Peabiru é um dos elementos centrais dessa investigação. Conhecida como a “trilha inca brasileira”, essa rede de caminhos era utilizada pelos povos pré-colombianos para ligar a cidade de Cusco, no Peru, ao Oceano Atlântico. Com cerca de 3 mil quilômetros, a rota desempenhou papéis variados, sendo utilizada como via comercial, rota migratória e até para fins religiosos.
A história do Caminho do Peabiru também é marcada pela exploração europeia. Em 1524, o navegador português Aleixo Garcia liderou uma expedição que atravessou a rota com o objetivo de alcançar os Andes e explorar os ricos depósitos de ouro e prata do Império Inca. Partindo do litoral catarinense, Garcia seguiu pelos caminhos antigos, acompanhado por cerca de 2 mil guerreiros guaranis.
A ligação do Peabiru aos Campos do Quiriri reforça a relevância dessa investigação. As formações geométricas podem ser vestígios de um antigo ponto de parada ou mesmo de uma cidade perdida que teria existido como parte dessa complexa rede de trilhas.
O trabalho arqueológico nos Campos do Quiriri enfrenta desafios significativos. A região, com sua vegetação densa e terreno acidentado, dificulta as escavações e análises detalhadas. No entanto, as novas tecnologias, como o LiDAR, oferecem uma vantagem importante, permitindo que os pesquisadores identifiquem padrões que seriam invisíveis a olho nu.
Além disso, a preservação do local e de seu contexto histórico é um ponto central para os pesquisadores. André Rockenbach destaca que a história das civilizações que habitaram o Brasil antes da colonização europeia é muitas vezes negligenciada.
“Temos uma história muito rica, que não se resume a portugueses e espanhóis. Precisamos olhar para os povos originários, para as culturas que existiram aqui muito antes de 1500”, defende ele.
O simbolismo das pedras geométricas é outro ponto intrigante da pesquisa. As formas, que variam de simetrias geométricas a representações de rostos humanos, podem estar associadas a rituais ou crenças espirituais. Em muitas culturas antigas, pedras esculpidas eram usadas como símbolos de poder ou como marcos territoriais. Nos Campos do Quiriri, é possível que essas pedras tenham desempenhado um papel semelhante.
Essa hipótese é reforçada pelo contexto do Caminho do Peabiru, que era mais do que uma rota física. Para muitos dos povos que o utilizaram, a trilha também tinha significados espirituais, conectando lugares sagrados e servindo como uma espécie de caminho ritualístico.
A possibilidade de uma cidade perdida nos Campos do Quiriri vai além do campo da arqueologia. Essa descoberta tem o potencial de transformar a compreensão da história de Santa Catarina, trazendo à tona um passado que permaneceu oculto por séculos. Além disso, pode gerar um novo interesse pela preservação do patrimônio histórico e natural da região.
Para Garuva e arredores, a divulgação dessa investigação também representa uma oportunidade de fomentar o turismo histórico e cultural. Com uma abordagem responsável, o local pode se tornar um ponto de interesse para visitantes, sem comprometer a preservação das formações e de seu entorno.