dom casmurro

ATRAVÉS DOS OLHOS OBLÍQUOS

por Dartagnan da Silva Zanela (*)

A pergunta que há mais de cem anos não quer calar: Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Quantas e quantas páginas já foram escritas sobre isso e, creio eu, muitas mais ainda serão. Mesmo assim, algo me diz que não se chegará a uma conclusão definitiva.

Este escrevinhador, de sua parte, diante do monumento literário que é Dom Casmurro, interpreta a obra a partir de outra chave. Não a vejo como a história de uma [suspeita de] infidelidade conjugal, mas sim como a história da degradação de uma alma. Podemos dizer que, de certa forma, Dom Casmurro seria um excelente símbolo para pensarmos a degradação da alma brasileira.

Bentinho, como todos sabemos, era filho de Dona Glória, que fez inúmeras promessas a São Tiago, nutrindo a esperança de que seu amado filho viesse a ser padre, que ele se tornasse, como direi, um santo. Porém, como diz o “meme”, no meio do caminho aconteceram coisas, muitas coisas que o desviaram do seu propósito original.

Ele conhece Capitu, foi para o exterior e, por fim, passou o resto da sua vida com o coração torturado pela possibilidade de Escobar ter agido pelas suas costas como um bom “pé de pano”. Bem, é justamente aí que vejo, na minha leitura, um símbolo da deterioração.

O rapaz que nasceu para se consagrar aos mais aquilatados valores se esquece do seu propósito inicial e deixou-se seduzir pelas delícias da carne e pelas vanglórias do mundo, mergulhando em um poço de comiseração para consigo mesmo que o faz naufragar em um oceano de rancor e desconfiança. Isso é muito parecido com o brasileiro, de um modo geral, que em algum momento da vida, alimenta aéreos pendores em favor dos mais elevados ideais — sejam eles religiosos, éticos, políticos, sociais, morais ou tudo isso junto e misturado. Ao final, termina se remoendo em uma ciranda infernal de ressentimento e rancor (que, muitas vezes, acaba sendo vertido nas rodas e redes sociais).

Nesse sentido, penso que todos nós, em alguma medida, vivemos essa tragédia incruenta, onde vamos, sem nos darmos conta, nos acanalhando e, cinicamente, justificando nosso acanalhar-se na falência dos nossos ideais perdidos. Nos casos piores, terminamos em barganhas sem fim que fazemos em favor de ideais que nunca foram cridos por nós, tamanha é a dissimulação que turva e degrada a vida nesta sociedade de aparências — e fingimentos pra lá de forçados — que é essa terra onde um dia gorjearam os sabiás.

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(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.

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