Aquecimento da água na Amazônia ameaça ecossistemas e comunidades locais

A Amazônia, conhecida por sua biodiversidade exuberante e vastos recursos hídricos, enfrenta uma ameaça emergente que está preocupando cientistas e ambientalistas.

Pesquisadores do Instituto Mamirauá em Tefé, no estado do Amazonas, têm registrado um aquecimento generalizado das águas na região. Este fenômeno, que está em processo de revisão, foi apresentado durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Os resultados preliminares apresentados pelos pesquisadores do Instituto Mamirauá revelam uma tendência preocupante: desde 1990, os lagos amazônicos estão aquecendo a uma média de 0,6 ºC por década. “É um aumento muito expressivo. Não houve um lago que não apresentasse uma tendência significativa. Todos estão aquecendo”, afirmou Ayan Fleischmann, coordenador do estudo, à revista Pesquisa Fapesp.

O ano de 2023 marcou um ponto crítico para o aquecimento das águas na Amazônia. Durante o período de seca, a temperatura do lago Tefé alcançou mais de 40ºC, resultando na morte trágica de 209 botos, incluindo botos-cor-de-rosa e tucuxi. Fleischmann destacou a gravidade da situação: “Se a gente encontra três carcaças de botos em algumas semanas, já é um alerta vermelho. Agora, 70 animais mortos em um dia é uma tragédia.”

A magnitude da tragédia levou à criação da Operação Emergência Botos Tefé, envolvendo instituições de pesquisa do Brasil e do exterior. Durante esta operação, cientistas determinaram que a causa da morte dos botos foi hipertermia, decorrente do baixo nível da água no lago e da intensa radiação solar. “Os botos que ficaram ali infelizmente vieram a óbito. E não só a temperatura foi extrema, mas a variação diária também. Chegou a ter 13 ºC de variação da temperatura ao longo do dia”, explicou Fleischmann. A combinação de calor extremo e variações de temperatura estressou fatalmente os animais.

Os pesquisadores realizaram um mapeamento das temperaturas dos lagos na Amazônia, incluindo 10 lagos na análise. Mais da metade deles registrou temperaturas acima dos 37ºC. Fleischmann relatou que os dados de satélite confirmaram o aquecimento generalizado durante a seca de 2023. Este fenômeno não só afetou a fauna aquática, mas também teve um impacto profundo nas comunidades humanas.

A seca de 2023 na Amazônia resultou em uma verdadeira catástrofe humanitária. Comunidades ribeirinhas e áreas urbanas em tributários do rio Amazonas ficaram isoladas, e a falta de água potável tornou-se um problema crítico. Fleischmann enfatizou a necessidade de programas de captação e armazenamento de água da chuva para garantir o acesso a água potável durante os períodos de seca. Segundo cálculos dos pesquisadores, a captação de água da chuva poderia garantir pelo menos 16 litros de água por dia para cada pessoa na região.

O aquecimento das águas na Amazônia pode ser atribuído a uma combinação de fatores naturais e antropogênicos. Mudanças climáticas globais, desmatamento e degradação ambiental contribuem para o aumento das temperaturas e a redução dos níveis de água nos corpos hídricos da região. Além disso, a construção de infraestruturas e a expansão agrícola aumentam a vulnerabilidade dos ecossistemas aquáticos.

O aquecimento das águas tem consequências devastadoras para a biodiversidade aquática da Amazônia. Espécies adaptadas a temperaturas específicas enfrentam riscos elevados de extinção à medida que suas condições de vida se tornam insustentáveis. A morte em massa de botos é apenas um exemplo visível de um problema mais amplo que afeta peixes, plantas aquáticas e outros organismos dependentes desses habitats.

A conservação dos ecossistemas aquáticos amazônicos é crucial para a preservação da biodiversidade e a mitigação dos impactos das mudanças climáticas. Medidas de conservação incluem a proteção de áreas úmidas, o controle do desmatamento e a restauração de habitats degradados. Além disso, é vital implementar políticas de gestão sustentável dos recursos hídricos para garantir a saúde a longo prazo dos ecossistemas.

Para enfrentar o aquecimento das águas na Amazônia, é necessário um esforço coordenado entre governos, instituições de pesquisa e comunidades locais. Algumas ações recomendadas incluem:

A implementação de sistemas de captação e armazenamento de água da chuva pode fornecer uma fonte confiável de água potável durante os períodos de seca. Cisternas e tanques de armazenamento podem ser instalados em comunidades ribeirinhas e áreas urbanas para garantir o acesso contínuo à água.

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O monitoramento contínuo das temperaturas da água e dos níveis de água dos lagos e rios da Amazônia é essencial para identificar mudanças e implementar medidas de mitigação rapidamente. O uso de tecnologias de satélite e sensores in situ pode fornecer dados precisos e em tempo real.

A educação e a sensibilização das comunidades locais sobre as causas e consequências do aquecimento das águas são fundamentais. Programas de educação ambiental podem capacitar as comunidades a adotarem práticas sustentáveis e participarem ativamente da conservação dos recursos hídricos.

Governos locais e nacionais devem implementar e reforçar políticas de proteção ambiental que visem reduzir o desmatamento, promover a recuperação de áreas degradadas e regular o uso dos recursos naturais. A cooperação internacional também é necessária para enfrentar as mudanças climáticas globais.

O aquecimento das águas na Amazônia é um alerta sobre os impactos das mudanças climáticas e a necessidade urgente de ações para proteger este ecossistema vital. A pesquisa do Instituto Mamirauá e a tragédia dos botos são um lembrete poderoso de que o equilíbrio ambiental é frágil e que a intervenção humana pode ter consequências devastadoras.