por Dartagnan da Silva Zanela (*)
Mário Souto Maior é o autor do “Dicionário do Palavrão e termos afins”, onde o mesmo reuniu, nada mais, nada menos, que três mil insultos que fazem parte da língua portuguesa, cujo imperador, segundo Fernando Pessoa, é o grande Padre Antônio Vieira.
Se o amigo leitor nunca consultou a referida obra, sugiro que o faça para, quem sabe, poder enriquecer mais o seu vocabulário com aquelas pérolas que não são assim tão preciosas.
Sim, eu sei, todo mundo sabe, não é de bom alvitre proferir impropérios, porém, há ocasiões em que essas são as únicas palavras que verdadeiramente podem ser ditas para expressar com clareza o que estamos sentindo.
Aliás, como certa feita havia dito Millôr Fernandes, todo mundo tem o sacrossanto direito ao “phoda-se”, pois é preferível dizer cobras e lagartos num momento de indignação do que ficar guardando potes e mais potes de fel e rancor no coração, para alimentar mesquinhas vinganças e outras coisinhas insalubres semelhantes.
Todavia, é importante lembrar que há uma diferença abissal, ontológica mesmo, entre um palavrão rasteiro, proferido no calor de uma troca de farpas, e ficar a torto e a direito chamando os desafetos e adversários de fascistas, nazistas, genocidas, racistas, machistas e etc.
Quando alguém adota esse tipo de subterfúgio, há um terrível ardil subjacente a essa ação.
Quando mandamos alguém para a casa do chapéu estamos apenas expressando nossa bílis num dado momento. Fica claro, a quem tiver olhos e ouvidos para testemunhar, que estamos insatisfeitos com algo ou alguém, que estamos desequilibrados e ponto final.
Agora, quando chamamos, levianamente, alguém de fascista, nazista ou algo que o valha, o mecanismo é bem outro. O que estamos fazendo é grudar um rótulo infame sobre uma pessoa e, ao fazer isso, estamos, ao mesmo tempo, difamando-a e descaracterizando o termo utilizado de, repito, uma forma leviana. Por isso, é importante não esquecermos que esse tipo de atitude é uma combinação sulfurosa de ignorância e malícia.
Creio que dá para perceber a diferença grintante que há entre utilizar um dos três mil termos catalogados por Mário Souto Maior e simplesmente taxar algum indivíduo de nazista e fascista. Creio que dá para perceber o tamanho da perversidade que se faz presente nesse gesto tão cínico quanto oportunista.
Não é à toa, nem por acaso, que George Orwell, em seu livro, “O que é o Fascismo? E outros ensaios”, nos chama a atenção para o perigo de ficarmos utilizando de forma indiscriminada esses termos como se eles fossem um punhado de insultos de botequim. Na real, isso seria uma faca de dois gumes.
Uma faca de dois gumes porque, primeiro, se está jogando uma pecha infame sobre uma pessoa. Aliás, já pararam pra pensar o que significa rotular alguém, que não é nazista, de nazista? Imagino que não. Falta empatia, apesar de se falar tanto nela, não é mesmo?
Não apenas isso, mas também falta borbotões de conhecimento a respeito do que foi realmente o Nacional-Socialismo, o Fascismo, o Holocausto e tutti quanti, tendo em vista que raras são as pessoas que realmente leram, ao menos, um livro sobre essas lúgubres páginas da história.
O segundo ponto, de acordo com Orwell, tão problemático quanto o primeiro, é o fato de que, de tanto esses termos serem usados forma maliciosa, de maneira inapropriada, para estigmatizar nossos desafetos, eles acabam perdendo o seu poder descritivo, a sua capacidade de captar e denunciar a realidade, tal qual ela é e aí, meu caro Watson, corremos o risco de não sermos capazes de reconhecer um nazista de verdade quando ele aparecer diante de nossos vistas. E aí, com o perdão da palavra, o buraco será bem mais embaixo.
Enfim, não abramos mão do nosso direito ao insulto, como diria o velho Millôr Fernandes, mas não sejamos levianos e maldosamente maquiavélicos ao exercê-lo. As vítimas do nazismo, no silêncio dos seus jazigos, agradecem e, as que sobreviveram e que ainda estão vivas, também.
(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “O SEPULCRO CAIADO”, entre outros livros.