O ano de 2023 marcou uma virada significativa para o setor de turismo no Brasil. Impulsionado pelo fim da pandemia de covid-19, o número de viagens nacionais e os gastos dos brasileiros com turismo interno atingiram patamares inéditos. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os brasileiros gastaram R$ 20,1 bilhões em viagens domésticas, um aumento de 78,6% em relação aos dois anos anteriores.
O número de viagens realizadas também teve um crescimento expressivo, saltando 71,5% no mesmo período.
A pandemia de covid-19 trouxe consequências drásticas para o turismo mundial, e o Brasil não foi exceção. Com as medidas de isolamento social, fechamento de fronteiras e restrições de viagem, o setor de turismo foi severamente afetado. Em 2020, os brasileiros realizaram 13,6 milhões de viagens, gastando cerca de R$ 12,6 bilhões. No entanto, o efeito da pandemia foi ainda mais sentido em 2021, quando houve uma queda de 10,8% nos gastos com viagens nacionais, atingindo R$ 11,3 bilhões.
O ano de 2023, entretanto, trouxe uma recuperação impressionante. Com o fim das restrições sanitárias, a reabertura total de destinos turísticos e a vontade reprimida de viajar após anos de incertezas, os brasileiros voltaram a movimentar o setor com vigor. Ao todo, 21,1 milhões de viagens foram realizadas em 2023, um salto considerável em comparação aos números de 2020 e 2021.
A pesquisa realizada pelo IBGE revelou que a proporção de lares com pelo menos um morador viajando também teve um crescimento significativo. Em 2023, 19,8% dos lares brasileiros contavam com alguém que realizou ao menos uma viagem, representando um aumento de 68,5% em comparação com os dois anos anteriores. Esse aumento mostra que, apesar das dificuldades econômicas enfrentadas pelo país, o desejo de viajar se manteve latente entre os brasileiros.
Interessante notar que o comportamento de viagem está diretamente relacionado ao rendimento familiar. De acordo com o estudo, enquanto 79,7% dos lares brasileiros têm rendimento mensal per capita inferior a dois salários mínimos, apenas 62,9% desses lares realizaram viagens em 2023. A principal razão apontada pelos entrevistados para não viajar foi a falta de dinheiro, com 40,1% das respostas, seguida pela ausência de necessidade de viajar (19,1%) e a falta de tempo (17,8%).
Em 2023, as viagens domésticas dominaram o cenário do turismo brasileiro. Das 20,4 milhões de viagens realizadas, 97% tiveram como destino o próprio Brasil, refletindo o impacto contínuo da pandemia nas viagens internacionais. Apenas 641 mil brasileiros realizaram viagens internacionais em 2023, mostrando que a recuperação do turismo internacional ainda está em fase inicial.
O Sudeste do Brasil foi a região mais procurada pelos viajantes, recebendo 43,4% das viagens. Em seguida, o Nordeste (25,3%) e o Sul (17,4%) também se destacaram como destinos preferidos. O turismo regional teve uma forte predominância, com 89,3% das viagens saindo de estados do Nordeste tendo como destino a própria região. O mesmo padrão foi observado no Norte (81,4%), Sudeste (82,9%) e Sul (83,1%).
Entre os principais motivos para viajar, o lazer retomou sua posição de destaque, superando as viagens para visitar familiares e amigos. Em 2023, 38,7% das viagens pessoais foram motivadas pelo lazer, enquanto 33,1% foram para encontros familiares ou eventos sociais. Isso reflete uma mudança de comportamento em relação ao período da pandemia, quando as viagens para ver parentes eram mais frequentes devido às restrições de deslocamento.
O aumento dos gastos com viagens em 2023 foi impulsionado não só pelo maior número de deslocamentos, mas também pelo aumento da frequência e duração das viagens. Dos lares que realizaram ao menos uma viagem, 73,7% fizeram uma única viagem no ano, enquanto 4,1% viajaram pelo menos quatro vezes. Além disso, 52,6% das viagens foram curtas, com duração de uma a cinco pernoites, enquanto apenas 5,5% delas duraram mais de 16 dias.
Os meios de transporte preferidos também refletem o impacto da pandemia. Embora o carro particular tenha sido o meio de transporte mais utilizado em 51,1% das viagens, o uso do avião cresceu consideravelmente em comparação com 2020, representando 13,7% dos deslocamentos em 2023. O transporte aéreo, que havia caído drasticamente durante a pandemia, está se recuperando, com mais brasileiros optando por viagens de longa distância.
O turismo brasileiro reflete fortemente as desigualdades de renda do país. Famílias com renda per capita mais elevada têm maior probabilidade de viajar, enquanto aquelas com menor poder aquisitivo estão sub-representadas no setor. O IBGE constatou que, entre os lares com renda inferior a dois salários mínimos, a proporção de viajantes foi de 62,9%. Em contraste, famílias com renda superior realizaram proporcionalmente mais viagens.
O principal motivo citado pelos entrevistados para não viajar foi a falta de dinheiro, especialmente entre os que recebem menos de meio salário mínimo, com 55,4% das respostas. Entre aqueles que ganham entre meio e um salário mínimo, 45,7% apontaram a falta de recursos como motivo, enquanto apenas 12,1% das famílias com renda superior a quatro salários mínimos mencionaram essa dificuldade.
Outro ponto de destaque do estudo foi o aumento das viagens profissionais em 2023. Embora as viagens pessoais dominem o cenário (85,7% do total), o número de deslocamentos por motivos profissionais cresceu para 14,3%. Desse total, 82,4% das viagens profissionais foram motivadas por trabalho ou negócios, enquanto eventos e cursos de desenvolvimento profissional responderam por 11,6%. Esse crescimento reflete a retomada das atividades presenciais, mesmo em um contexto de digitalização acelerada.
As preferências dos brasileiros em relação aos destinos e motivos de viagem também estão mudando. Em 2023, as viagens para destinos de sol e praia, tradicionalmente populares, perderam espaço, caindo de 55,6% em 2020 para 46,2%. Por outro lado, o interesse por viagens culturais e gastronômicas cresceu, com 21,5% das viagens motivadas por esses interesses, em comparação com 15,5% em 2020.
Essa mudança indica uma diversificação no turismo doméstico, com mais brasileiros buscando experiências culturais e gastronômicas além do turismo tradicional de praia. Essa tendência também é impulsionada pela maior oferta de destinos com enfoque na cultura local e na gastronomia, que vem ganhando destaque no Brasil.