Pesquisadores de três instituições brasileiras identificaram uma descoberta científica que pode mudar radicalmente os rumos do tratamento contra o câncer de mama: uma molécula com ação antitumoral presente no veneno de um escorpião amazônico.
O achado partiu de um trabalho conjunto entre cientistas da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em uma colaboração voltada à bioprospecção de espécies nativas. O protagonista da vez é o escorpião Brotheas amazonicus, habitante dos densos ecossistemas da floresta tropical, cujo veneno revelou uma substância com estrutura semelhante à de medicamentos já utilizados na quimioterapia contra o câncer de mama.
A coordenadora da pesquisa, professora Eliane Candiani Arantes, da USP, explica que a toxina isolada possui uma ação seletiva contra as células cancerígenas, o que abre caminho para o desenvolvimento de um novo agente terapêutico mais direcionado e, potencialmente, menos agressivo ao organismo.
“É um trabalho de anos com foco em bioprospecção, que agora atinge um dos seus pontos altos ao comprovar que a biodiversidade amazônica pode, de fato, trazer soluções reais para a saúde humana”, afirma a pesquisadora, em declaração à Agência FAPESP.
Segundo ela, moléculas semelhantes já haviam sido detectadas em outras espécies de escorpiões do mundo, mas o Brotheas amazonicus apresenta uma configuração especialmente promissora para o combate ao câncer de mama, uma das principais causas de morte entre mulheres no Brasil e no mundo.
Essa molécula vem sendo comparada a agentes quimioterápicos utilizados em terapias convencionais, mas o grande diferencial está na origem natural, na ação direta e nos baixos indícios de toxicidade para células saudáveis em testes laboratoriais iniciais. O projeto também reforça o papel estratégico da Amazônia como celeiro de inovações farmacológicas, indo além do discurso ambiental e se consolidando como fonte concreta de soluções biomédicas.
“A Amazônia é um laboratório vivo, com uma riqueza incomparável de plantas e animais. Precisamos aprender a olhar para esse patrimônio como algo que pode transformar o futuro da ciência e da medicina”, reforça Eliane Candiani.
O estudo já avança em direção ao estágio mais decisivo: a fase 3 de estudos clínicos, conforme informado pela Agência Brasil. Essa é a última etapa antes que um novo medicamento possa ser aprovado para uso comercial, e envolve testes em larga escala com voluntários, análise dos efeitos colaterais e da eficácia real em contextos variados.
Os resultados foram apresentados recentemente na França, durante um evento promovido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e causaram impacto positivo na comunidade científica internacional. O trabalho é visto como um exemplo da capacidade da ciência brasileira de gerar inovação de ponta, mesmo diante das limitações orçamentárias que os institutos de pesquisa do país enfrentam.
Ainda que o caminho até um tratamento amplamente disponível seja longo, o avanço representa um marco em diversas frentes: valoriza o conhecimento biológico brasileiro, reafirma a importância de investimentos públicos em ciência, e coloca a biodiversidade da Amazônia no centro de uma discussão global sobre saúde, tecnologia e soberania científica.
A possibilidade de que um tratamento contra o câncer de mama surja das entranhas da floresta é mais que simbólica — é um lembrete de que o conhecimento enraizado na natureza ainda guarda respostas para questões que a medicina moderna insiste em resolver há décadas.
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