Encontrada uma tumba gigante de 3,6 mil anos que intriga os arqueólogos

Em meio ao calor escaldante do deserto egípcio, uma nova página da história antiga foi desenterrada — literalmente. Arqueólogos da Universidade da Pensilvânia anunciaram, no fim de março, a descoberta de uma imensa câmara funerária feita de calcário, escondida sob a necrópole de Abidos.

Mas não estamos falando de uma tumba qualquer: a estrutura é uma das maiores já encontradas no sítio e guarda mais perguntas do que respostas. Seu ocupante? Um completo mistério. Seu significado? Potencialmente revolucionário.

A tumba, descoberta em janeiro, possui múltiplos cômodos interligados e uma entrada ricamente decorada com tijolos pintados em hieróglifos. No entanto, os textos foram cruelmente danificados por saqueadores ao longo dos séculos, o que impede a identificação precisa do rei que ali deveria repousar. Restos humanos? Nenhum. Apenas pistas arquitetônicas e fragmentos históricos que sugerem algo grandioso: o túmulo pode pertencer a um monarca da enigmática Dinastia de Abidos, datada entre 1640 e 1540 a.C., um período tão obscuro quanto fascinante.

Segundo os especialistas, essa dinastia teria reinado durante o conturbado Segundo Período Intermediário, quando o Egito não era uma potência unificada, mas um mosaico de reinos fragmentados. Pouco se sabe sobre os reis que comandaram Abidos. Muitos deles sequer aparecem nos registros reais mantidos pelas gerações posteriores, que preferiram ignorar esses “intermediários” em prol de uma narrativa gloriosa e contínua. Pois bem: essa narrativa está prestes a ser desafiada.

Josef Wegner, o egiptólogo responsável pela escavação, afirma que a estrutura recém-descoberta é a maior tumba já atribuída a um governante da Dinastia de Abidos. E isso importa — muito. “É uma dinastia muito misteriosa e enigmática, basicamente apagada dos registros antigos”, explica o pesquisador, que também é curador do Museu Penn. “Esta tumba abre um novo caminho de investigação.”

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Localizada na chamada “Montanha de Anúbis”, uma formação natural que lembra uma pirâmide, a tumba repousa a cerca de sete metros de profundidade. Essa área não é aleatória: trata-se de uma necrópole sagrada onde os primeiros faraós e até o deus Osíris, segundo a tradição, teriam sido enterrados. Um verdadeiro “bairro nobre” do além-vida egípcio.

Com o tempo, sucessivas dinastias foram expandindo o cemitério real. E foi nesse solo sagrado que Wegner e sua equipe, há mais de uma década, encontraram a primeira evidência concreta da existência da Dinastia de Abidos: a tumba do Rei Seneb-Kay, um faraó até então totalmente desconhecido. Desde então, foram descobertas outras sete tumbas atribuídas à mesma linhagem, mas apenas a de Seneb-Kay conservava um nome legível. A mais nova adição ao cemitério, por outro lado, surpreende por seu tamanho e complexidade.

A estrutura principal mede impressionantes 1,9 metros de largura por 6 metros de comprimento — números que superam todos os túmulos anteriores da dinastia. As paredes da câmara são decoradas com imagens das deusas Ísis e Néftis, que, segundo as crenças egípcias, protegiam e lamentavam os mortos em sua passagem para o além. Essas representações são comuns, mas seu estado de conservação e a localização reforçam a hipótese de que o ocupante da tumba era alguém de grande prestígio.

Embora os hieróglifos destruídos impeçam a identificação direta, as suspeitas recaem sobre dois nomes: o Rei Senaiib e o Rei Paentjeni. Ambos são figuras mencionadas de forma escassa em monumentos locais, mas nunca antes confirmadas como ocupantes de tumbas reais. E, claro, há sempre a possibilidade mais intrigante: a de que o túmulo pertença a um rei completamente desconhecido, cuja existência estava até agora enterrada — literal e simbolicamente.

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Para tentar decifrar o enigma, os arqueólogos vão além das pás e pincéis. As próximas etapas da investigação incluem o uso de radar de penetração no solo e magnetometria, duas técnicas que mapeiam estruturas subterrâneas com extrema precisão. O objetivo é ambicioso: explorar mais de 10 mil metros quadrados de deserto à procura de novas tumbas, artefatos e, quem sabe, mais reis perdidos.

Salima Ikram, uma das maiores autoridades em Egiptologia da atualidade, não participou da escavação, mas reconhece sua importância: “Essa descoberta confirma que havia um cemitério real ativo na região durante o Segundo Período Intermediário. Isso muda o jogo.” Segundo ela, os próximos achados podem finalmente preencher lacunas fundamentais sobre a ordem e o legado dos reis da Dinastia de Abidos.

A descoberta não é apenas arqueológica — é também historiográfica. Ela desafia a forma como os próprios egípcios antigos decidiram contar sua história. “Os reis posteriores criaram listas lineares e organizadas dos faraós, ignorando deliberadamente certos governantes que não se encaixavam na narrativa de unificação e glória”, afirma Laurel Bestock, professora da Universidade Brown. “A arqueologia, por outro lado, mostra que a história é mais caótica — e muito mais interessante.”

Essa “história paralela” do Egito Antigo, que agora começa a emergir das areias, revela um país que também conheceu a instabilidade, a descentralização e a disputa de poder. E, justamente por isso, é um Egito mais humano, mais real.

Por ora, o rei da tumba gigante de Abidos permanece anônimo. Mas cada pedaço de pedra, cada fragmento de pintura, cada centímetro escavado traz à tona uma narrativa esquecida que, pouco a pouco, está sendo reconstituída. Para Wegner e sua equipe, a missão é clara: continuar cavando — não apenas o solo, mas o passado.

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E talvez, em breve, as areias do deserto nos contem mais uma história há muito enterrada.