A tumba de Tutancâmon, um dos maiores tesouros arqueológicos da história, enfrenta a mais grave ameaça desde sua descoberta em 1922. Localizada no Vale dos Reis, em Luxor, Egito, a câmara funerária do jovem faraó — datada de aproximadamente 3.300 anos — apresenta sérios sinais de deterioração estrutural. Pesquisas recentes apontam que rachaduras, infiltrações de água e o aumento da umidade interna estão colocando em risco não apenas a estabilidade da tumba, mas também as pinturas e artefatos que sobreviveram ao tempo.
O estudo, publicado no periódico npj Heritage Science da revista Nature, foi conduzido pelo professor Sayed Hemeda, da Universidade do Cairo. O pesquisador identificou um quadro alarmante de fragilidade nas paredes e no teto do túmulo KV62, designação oficial da tumba de Tutancâmon. De acordo com suas análises, a infiltração de água da chuva e as variações de umidade têm acelerado o processo de desintegração da rocha, provocando fissuras e favorecendo a proliferação de fungos que danificam as pinturas murais históricas.
Relatórios internacionais confirmam que uma fratura no teto da câmara principal e na entrada da tumba abriu caminho para a penetração da água, agravando o quadro de umidade. Esse ambiente úmido é ideal para o crescimento de microrganismos que deterioram os pigmentos originais das pinturas — um dos maiores legados artísticos do Egito Antigo.
O problema atual, entretanto, não é recente. Em novembro de 1994, uma forte enchente atingiu o Vale dos Reis, provocando inundações repentinas e depositando grandes quantidades de lodo sobre os túmulos. A tumba de Tutancâmon foi uma das mais afetadas, devido à sua localização em uma área de rocha instável conhecida como xisto de Esna. Essa formação geológica é altamente sensível à umidade, expandindo-se e se contraindo conforme a variação climática, o que gera fissuras e instabilidade nas estruturas subterrâneas.
A água infiltrada durante a enchente de 1994 permaneceu nas camadas internas da rocha, elevando permanentemente os níveis de umidade e criando condições que, até hoje, comprometem a preservação do local. O professor Hemeda calcula que o teto da câmara funerária suporta tensões superiores a 1.660 kN/m², quando o limite seguro seria de cerca de 1.000 kN/m². Esse desequilíbrio cria risco real de colapso parcial, agravado pela expansão do xisto em períodos de chuva intensa.
O Dr. Mohamed Atia Hawash, especialista em conservação arquitetônica da Universidade do Cairo, alerta que as montanhas do entorno do Vale dos Reis também apresentam rachaduras, o que aumenta o risco de deslizamentos de rochas sobre túmulos vizinhos, incluindo o de Tutancâmon. Ele enfatiza que o problema não se limita a um único sítio, mas ameaça o conjunto arqueológico reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Mundial desde 1979.
Os registros arqueológicos indicam que a tumba de Tutancâmon foi construída de forma improvisada, após a morte repentina do faraó, por volta de 1323 a.C. Diferentemente de sepultamentos reais mais amplos e reforçados, seu túmulo foi escavado em um espaço reduzido e adaptado de uma estrutura pré-existente. Essa condição contribuiu para as vulnerabilidades atuais.
Arqueólogos egípcios defendem uma intervenção urgente para evitar um colapso irreversível. Emad Mahdi, da União dos Arqueólogos Egípcios, propôs a criação de um comitê técnico com especialistas em geologia e conservação patrimonial, a fim de avaliar os danos e definir estratégias imediatas de contenção. O objetivo é desenvolver um plano de monitoramento contínuo e de reforço estrutural que garanta a integridade do monumento.
As críticas à gestão de riscos no Vale dos Reis são constantes. O professor Hawash destaca a ausência de planos eficazes de prevenção, afirmando que o Egito dispõe de tecnologia para prever desastres, mas carece de uma política prática de ação preventiva. Segundo ele, os relatórios técnicos produzidos ao longo das últimas décadas não resultaram em medidas concretas de conservação.
Além dos problemas naturais, o turismo intensivo agrava o quadro de deterioração. Desde a abertura da tumba ao público, milhões de visitantes contribuíram para elevar a umidade e a temperatura interna, acelerando o desgaste das pinturas. O Getty Conservation Institute realizou um projeto de conservação entre 2009 e 2019, que melhorou o controle climático interno e estabilizou parte da estrutura. No entanto, as fissuras e tensões rochosas continuam a representar um risco considerável.
As soluções propostas pelos especialistas incluem reduzir a variação de umidade no interior da tumba, instalar suportes internos temporários e adotar medidas externas para aliviar a pressão sobre as rochas que cobrem a estrutura. Tais intervenções precisariam preservar a integridade visual do local, sem comprometer seu valor histórico e arqueológico.
A tumba de Tutancâmon, descoberta por Howard Carter em 1922, revolucionou o entendimento do Egito Antigo. Oculta por séculos, ela abrigava mais de 5.000 artefatos, incluindo a famosa máscara de ouro, estátuas, armas e objetos cerimoniais, que lançaram luz sobre os costumes funerários da XVIII Dinastia. Sua descoberta foi um marco para a arqueologia e para o patrimônio cultural mundial.
Mais de cem anos depois, esse ícone da civilização egípcia enfrenta um novo desafio: sobreviver ao tempo moderno. Sem ações imediatas, o túmulo que resistiu por mais de três milênios pode sofrer danos irreversíveis. Os especialistas alertam que a preservação exige medidas urgentes e sustentáveis, baseadas em monitoramento técnico constante e cooperação internacional.
A ameaça que paira sobre o túmulo de Tutancâmon não é apenas uma questão de conservação arqueológica. É também um lembrete sobre a responsabilidade de proteger o patrimônio histórico universal, cuja perda seria irreparável para a humanidade.