Trombeta de concha: o instrumento ancestral das montanhas do Peru pré-colombiano

Cavando o solo das montanhas peruanas, um arqueólogo encontrou uma concha marinha finamente trabalhada. Até aí, nada fora do comum. Mas ao virar o objeto, dá de cara com a gravura de um homem soprando… a própria concha. A mensagem? Claríssima. “Use assim.” Uma espécie de tutorial embutido — milênios antes do YouTube.

Esse achado vem da cultura Chavín, uma das civilizações mais intrigantes da América do Sul pré-colombiana, que floresceu entre 500 e 200 a.C., nas terras altas do norte do Peru. Os Chavín eram mestres da arte, da arquitetura… e do som. Sim, som. Para eles, tocar uma trombeta feita de concha não era apenas fazer barulho — era invocar o sagrado, dialogar com os deuses, mover montanhas com música.

Conhecida como pututu, essa trombeta é feita a partir de grandes conchas marinhas, especialmente da espécie Strombus. O objeto encontrado foi ainda mais direto em seu propósito: esculpido com a imagem de um homem a soprando, como quem diz “não deixe dúvidas”. Para os arqueólogos, é como encontrar uma pintura de alguém usando óculos… dentro de uma caixa de óculos.

Essas conchas eram transformadas em instrumentos de sopro ao serem perfuradas e adaptadas. O som produzido é grave, longo e envolvente, perfeito para rituais religiosos, chamadas cerimoniais e, muito possivelmente, para criar atmosferas místicas nos templos e cavernas da civilização Chavín.

A trombeta de concha não era item decorativo. Era instrumento de poder. Quando soava dentro dos túneis do templo de Chavín de Huántar, seus ecos reverberavam pelos corredores de pedra, criando uma experiência sensorial e espiritual arrebatadora.

Pesquisadores sugerem que os Chavín usavam essas trombetas em rituais religiosos, para, com o som profundo, evocar divindades e marcava momentos solenes. E também, em cerimônias de transformação, há indícios de que a música guiava estados alterados de consciência, junto com uso ritual de plantas sagradas. Além de chamada comunitária para convocar reuniões, avisar eventos ou anunciar a presença de líderes religiosos. E, por fim, para a comunicação simbólica, como linguagem entre mundos — o som servia como ponte entre humanos, natureza e divindades.

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O complexo de Chavín de Huántar, Patrimônio Mundial da UNESCO, é uma verdadeira obra-prima da engenharia e da espiritualidade. Os arquitetos Chavín incorporaram acústica intencional nos corredores — com canais de água, espaços ecoantes e zonas de ressonância. E adivinha? As trombetas de concha eram parte ativa desse espetáculo sensorial.

Quando se tocava um pututu dentro dos labirintos, o som se multiplicava, confundia, encantava. Era como se as paredes falassem. Como se a montanha respirasse.

Por que gravar um homem soprando a concha?

Talvez você esteja pensando: se os Chavín eram tão sofisticados, por que gravariam algo tão… óbvio?

A resposta pode estar na intenção pedagógica, ritual ou mística. A imagem do homem soprando não é apenas uma dica de uso — pode ser uma representação do iniciado, do sacerdote, ou de uma entidade mítica que usa o som para abrir portais entre mundos.

Também pode ser um lembrete simbólico: “este objeto não é seu — pertence aos deuses. Use com reverência.”

Uma conexão entre mar e montanha

O mais curioso? Essas conchas vêm do mar, mas foram encontradas em sítios a mais de 3 mil metros de altitude. Isso mostra que os Chavín tinham redes de troca sofisticadas e que o mar era parte vital de sua cosmologia — mesmo tão longe.

Para eles, trazer o mar à montanha era unir mundos distintos: o aquático e o terrestre, o baixo e o alto, o humano e o divino.

Curiosidades sonoras da cultura Chavín

  • A acústica dos templos Chavín foi estudada por engenheiros modernos, que identificaram efeitos sonoros intencionais.
  • Trombetas semelhantes foram usadas em culturas posteriores, como os incas e os astecas.
  • O som da concha lembra trompas modernas, mas com tons mais primitivos e ressonantes.
  • Algumas peças de pututu são decoradas com jaguares, serpentes e aves míticas, representando o poder animal.
  • Há quem diga que o som do pututu era usado para “curar o espírito” durante cerimônias de purificação.
  • O termo “pututu” ainda é usado em comunidades andinas para instrumentos de sopro tradicional.
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