O resgate de um navio é sempre um convite para revisitar o passado, mas poucos achados possuem a força histórica do cargueiro conhecido como Mado 4, retirado recentemente das águas da costa oeste da Coreia do Sul. Após uma década de estudos conduzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisa do Patrimônio Cultural Marítimo, a embarcação emergiu carregando não apenas objetos, mas fragmentos da própria identidade da Dinastia Joseon. A operação revelou um conjunto impressionante de mais de 120 artefatos, preservados de forma surpreendente para uma embarcação que afundou por volta de 1420.
Os pesquisadores descrevem o naufrágio como uma “cápsula do tempo”, trazendo à luz detalhes da logística estatal, da economia agrícola e da tecnologia naval que sustentaram a dinastia que governou a península coreana entre 1392 e 1910. Cada peça resgatada, de porcelanas a etiquetas de madeira, transporta um pedaço da vida cotidiana de um país que ainda buscava consolidar sua estrutura administrativa.
Um navio a serviço do Estado
O Mado 4 era parte fundamental de uma engrenagem que movia a capital real Hanyang, atual Seul. As embarcações dessa época tinham a missão de circular pela costa para recolher impostos, frequentemente pagos em grãos, e transportar esses bens oficiais para abastecer o centro administrativo do reino. A presença de contêineres de arroz nos destroços confirma essa função estatal, reforçada pelas etiquetas de madeira marcadas com destinos e tipos de carga.
Esse sistema de coleta e redistribuição foi decisivo para fortalecer o poder central da Dinastia Joseon, permitindo uma eficiente gestão dos recursos tributários e consolidando o modelo de burocracia rígida que se tornaria uma das características marcantes do período.
Um dos aspectos mais intrigantes revelados pelos pesquisadores foi o uso de pregos de ferro na estrutura do navio. Até então, acreditava-se que as embarcações da época eram montadas apenas com juntas de madeira, uma técnica tradicional e predominante. A identificação do metal indica um avanço técnico inesperado, sugerindo que os construtores daquele período experimentavam melhorias estruturais para dar mais resistência às embarcações.
O navio possuía ainda dois mastros, um diferencial que proporcionava maior velocidade e agilidade na navegação costeira. Essa nova configuração mostra que a frota da época já incorporava soluções voltadas à eficiência operacional, fundamentais para garantir que os carregamentos tributários chegassem com rapidez à capital.

Artefatos que contam histórias
Entre as mais de 120 peças recuperadas, destacam-se porcelanas finas, recipientes de armazenamento e etiquetas de carga utilizadas para catalogação. Esses objetos, preservados pelas condições do fundo do mar, formam um retrato silencioso das dinâmicas comerciais e burocráticas do século XV.
Cada peça está passando por um cuidadoso processo de estabilização e conservação. A expectativa dos especialistas é que parte do acervo seja futuramente exibida ao público em museus, permitindo que a população conheça de perto um capítulo essencial da formação histórica da Coreia.
Uma janela para a vida no século XV
O resgate do Mado 4 se une a outras importantes descobertas do período Joseon, como residências recentemente escavadas no centro de Seul, que ajudam a reconstituir a atmosfera urbana e social da época. Em conjunto, esses achados fortalecem o entendimento da estrutura social, política e econômica que moldou a Coreia moderna.
A embarcação agora retirada do mar devolve ao presente algo que o tempo tentou soterrar: a engenhosidade, a organização estatal e o cotidiano de um período que marcou profundamente a identidade do país. E, como toda grande descoberta arqueológica, faz renascer perguntas, curiosidades e novas linhas de pesquisa que continuarão ampliando a compreensão sobre essa dinastia tão influente.
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