Em um surpreendente projeto de restauração na igreja gótica de St. Andrew, localizada na vila de Eisleben, Alemanha, uma equipe de restauradores descobriu uma coleção de moedas do século XVII escondida há cerca de 400 anos. A inédita descoberta aconteceu quando quatro sacos contendo 816 moedas foram encontrados dentro de uma cavidade na perna de uma estátua de arenito dedicada a patronos da igreja.
A descoberta lança luz sobre um período histórico marcado por destruição, guerra e crise social. As moedas, algumas de ouro e prata, foram escondidas durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), um dos conflitos mais violentos da história europeia.
A igreja de St. Andrew e sua conexão com Martinho Lutero
A vila de Eisleben, no estado de Saxônia-Anhalt, é conhecida como a cidade natal de Martinho Lutero, reformador protestante que desafiou a Igreja Católica com suas “Noventa e Cinco Teses”. A igreja de St. Andrew é um marco histórico, onde Lutero pregou seus últimos sermões em 1546.
A história da igreja é entrelaçada às transformações religiosas e sociais do período. Descobrir um tesouro tão valioso nesse cenário reforça sua importância como testemunho dos desafios enfrentados pela comunidade local durante a Guerra dos Trinta Anos.
O tesouro escondido e suas circunstâncias
O esconderijo incluía moedas como ducados de ouro, táleres de prata e centavos alemães, cada uma representando uma fortuna na época. Ulf Dräger, curador do Gabinete de Moedas do Estado da Alemanha na Saxônia-Anhalt, destacou o valor histórico e financeiro da coleção, afirmando que as moedas ultrapassavam o rendimento anual de um artesão do século XVII.
As moedas foram cuidadosamente embrulhadas e armazenadas de forma que escaparam à detecção por séculos, apesar de saques recorrentes realizados por exércitos suecos durante a guerra. Segundo Dräger, a população de Eisleben foi reduzida pela metade entre 1628 e 1650 devido a pilhagens, violência e fome, tornando a igreja um dos poucos refúgios de segurança.
A Guerra dos Trinta Anos e seu impacto em Eisleben
Esse conflito brutal começou como uma luta religiosa entre protestantes e católicos, mas evoluiu para uma guerra que misturava interesses políticos, territoriais e econômicos. Na Saxônia-Anhalt, o exército sueco se destacou pela ferocidade, saqueando regiões e submetendo a população local a horrores inimagináveis.
Dado o contexto, esconder o tesouro em um local tão inusitado — dentro de uma estátua — fazia sentido como medida desesperada. É possível que os responsáveis pelo tesouro tenham sido mortos ou feitos prisioneiros antes de recuperá-lo, levando o segredo do esconderijo para o túmulo.
Os mistérios do tesouro
Não foi encontrada nenhuma documentação junto às moedas que esclarecesse sua origem ou destino planejado. Uma das hipóteses levantadas é que o dinheiro fazia parte de um fundo paroquial, usado para oferecer pensões e assistência médica aos pastores da igreja. Outra possibilidade é que um indivíduo tenha escondido as moedas como tentativa de proteger uma fortuna pessoal.
O tesouro também suscita questões sobre o funcionamento financeiro das igrejas durante esse período. Dräger explicou que parte das moedas de ouro, identificadas como renda e taxas cobradas em batizados, casamentos e funerais, evidenciam a importância desses serviços para a sustentabilidade econômica das instituições religiosas.
A relevância histórica e o futuro das moedas
A descoberta não será comercializada. As moedas foram doadas à Lutherstady Eisleben Protestant Parish Association e estão sendo estudadas individualmente antes de sua exibição no Museu de Arte de Moritzburg, em Halle. A coleção é considerada um testemunho único da resiliente história de Eisleben e da Alemanha durante um dos períodos mais sombrios de sua existência.
Dräger destacou que, além do valor material, o tesouro é uma janela para compreender a dimensão humana e os desafios enfrentados por indivíduos comuns e autoridades religiosas em tempos de crise.
A igreja de St. Andrew, por sua vez, ganha ainda mais relevância como símbolo da resistência cultural e espiritual frente à adversidade, fortalecendo sua posição como destino turístico e acadêmico.