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Superstições brasileiras: de onde surgiram e por que acreditamos nelas até hoje

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Em algum momento da vida, todos nós já batemos na madeira, fugimos de um gato preto ou cruzamos os dedos antes de uma situação importante. São gestos automáticos, passados de geração em geração, que revelam o poder das superstições brasileiras — crenças populares que misturam fé, medo e tradição. Mesmo em uma era dominada pela tecnologia e pela razão, esses costumes resistem ao tempo, moldando o comportamento coletivo e dando cor à cultura nacional.

Mas de onde vêm essas superstições? Por que, mesmo com toda a racionalidade moderna, ainda evitamos passar por baixo de escadas ou deixamos o chinelo virado para cima? A resposta é mais complexa do que parece. As superstições nasceram da tentativa humana de entender o inexplicável, de controlar o destino e de buscar proteção diante do desconhecido. No Brasil, elas se misturaram com crenças indígenas, africanas e europeias, criando um mosaico único de rituais, gestos e símbolos que fazem parte do nosso cotidiano.

Neste artigo, vamos mergulhar nas origens das superstições mais famosas do país, entender o que está por trás de cada uma delas e descobrir por que, mesmo sabendo que a razão pode desmenti-las, continuamos a acreditar — e a repeti-las — com a mesma devoção de nossos antepassados.

O poder da crença popular

As superstições são uma forma de traduzir o medo e a esperança. Historicamente, surgiram quando a humanidade ainda não compreendia os fenômenos naturais e buscava explicações através do sobrenatural. No Brasil, essa tradição se fortaleceu com a mistura de culturas trazidas pela colonização: os portugueses trouxeram o catolicismo e seus símbolos religiosos, os africanos acrescentaram rituais espirituais e de proteção, e os indígenas contribuíram com crenças ligadas à natureza.

Essa fusão de crenças formou um caldo simbólico que ainda hoje influencia o imaginário popular. Por trás de cada superstição, há um significado cultural e emocional, uma forma de lidar com o acaso e o imprevisto. Mesmo quem se diz cético, em algum momento, hesita antes de abrir um guarda-chuva dentro de casa.

As mais antigas e conhecidas superstições brasileiras

Entre as superstições mais populares do Brasil, algumas atravessaram séculos praticamente intactas. Vamos entender de onde vêm e o que elas representam.

1. Bater na madeira
Acredita-se que essa superstição tenha origem celta, quando árvores eram consideradas moradas de espíritos protetores. Bater na madeira era uma forma de pedir proteção contra o azar. Com o tempo, o gesto se popularizou no Brasil e passou a ser usado como defesa simbólica contra “mau agouro”.

Superstições brasileiras: de onde surgiram e por que acreditamos nelas até hoje

2. Chinelo virado dá azar (e pode matar a mãe!)
Essa é uma das crenças mais curiosas. Ela surgiu de um antigo costume religioso que considerava o chão como lugar impuro. Deixar o chinelo virado era sinal de desrespeito, e para reforçar a disciplina, criou-se a ideia de que o ato traria desgraça à família — especialmente à mãe, figura sagrada na cultura brasileira.

3. Gato preto é sinal de azar
A associação entre o gato preto e o azar veio da Idade Média, quando a Igreja Católica associou o animal à bruxaria e ao demônio. Durante a colonização, essa crença foi trazida para o Brasil e se espalhou, principalmente em vilas do interior. Hoje, felizmente, há campanhas de conscientização para desmistificar essa ideia e proteger os gatos, vítimas de preconceito até os dias atuais.

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4. Passar por baixo da escada
Essa superstição remonta ao Egito Antigo, onde a escada encostada na parede formava um triângulo — símbolo sagrado que representava a trindade dos deuses. Passar por baixo dela era visto como um gesto de profanação. A crença foi absorvida pelos europeus e chegou ao Brasil junto com os colonizadores.

5. Espelho quebrado traz sete anos de azar
Essa ideia nasceu na Roma Antiga, onde acreditava-se que o espelho refletia a alma. Quebrar o reflexo seria fragmentar o espírito. O número sete foi associado porque, segundo a tradição romana, esse era o tempo que a alma levava para se regenerar.

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6. Pé de coelho como amuleto
Essa superstição é uma herança africana e europeia. O coelho, por sua capacidade de reprodução, simbolizava fertilidade e prosperidade. Carregar um pé do animal era acreditar que se estava levando sorte e abundância para o futuro.

7.. Trevo de quatro folhas dá sorte
Originário das tradições celtas, o trevo de quatro folhas simbolizava as forças da natureza e a proteção divina. No Brasil, tornou-se um símbolo universal de sorte — encontrado em chaveiros, tatuagens e bilhetes de loteria.

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8. Vassoura atrás da porta
No folclore brasileiro, colocar uma vassoura atrás da porta serve para “varrer” visitas indesejadas. O gesto tem raízes nas crenças africanas e representa a limpeza espiritual, afastando más energias.

9. Derramar sal dá azar
O sal era um bem precioso na Antiguidade, usado como moeda e símbolo de pureza. Derramar sal era sinal de desperdício e mau presságio. Para “neutralizar” o azar, desenvolveu-se o costume de jogar um punhado de sal por cima do ombro esquerdo — lado onde, segundo a tradição cristã, se posiciona o demônio.

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10. Não deixar bolsa no chão
Essa superstição tem origem africana, onde se acreditava que o chão absorvia a energia do dinheiro. Por isso, deixar a bolsa no chão simbolizava a perda da prosperidade. A crença continua forte entre comerciantes e trabalhadores autônomos, especialmente nas regiões Sudeste e Nordeste.

Por que acreditamos nelas até hoje

Mesmo com os avanços da ciência, as superstições resistem. E há explicações para isso. Psicólogos e antropólogos afirmam que elas funcionam como mecanismos de segurança emocional. Acreditar em rituais ou gestos simbólicos ajuda a reduzir a ansiedade diante do imprevisível.

Em outras palavras, o ser humano precisa sentir que tem algum controle sobre o destino. Quando algo não pode ser previsto ou explicado, as superstições entram em cena como uma forma de ordem simbólica. Além disso, elas reforçam laços culturais e familiares: muitas vezes aprendemos esses hábitos com nossos pais e avós, e repeti-los é uma maneira de manter viva essa herança afetiva.

A fé e a cultura popular também se misturam nas superstições. No Brasil, um país profundamente espiritualizado, é comum que as crenças populares convivam harmoniosamente com a religião. Acender uma vela para o santo e colocar uma figa no bolso, por exemplo, não são gestos contraditórios — são expressões diferentes de uma mesma busca por proteção.

A força simbólica do costume

O mais curioso é que, mesmo quem afirma não acreditar em superstições, muitas vezes as repete de forma inconsciente. Isso acontece porque elas estão arraigadas no comportamento coletivo, integradas à linguagem e ao cotidiano. Dizer “Deus me livre”, “bate na madeira” ou “cruza os dedos” é tão natural quanto desejar “boa sorte” — expressões que, no fundo, carregam o mesmo desejo de afastar o azar.

Essas práticas também têm um caráter social, criando um senso de pertencimento. Ao partilhar uma superstição, o indivíduo se conecta à comunidade, à família e à história. É uma forma de preservar a identidade cultural brasileira, onde o misticismo e a religiosidade sempre caminharam lado a lado.

Entre o racional e o simbólico

As superstições estão no limiar entre a ciência e o imaginário. Mesmo sem comprovação científica, elas exercem influência sobre o comportamento humano. Um exemplo clássico é o da sexta-feira 13: pesquisas mostram que, nesse dia, muitas pessoas evitam tomar decisões importantes ou até mesmo sair de casa — um reflexo direto do poder psicológico das crenças coletivas.

Por outro lado, estudiosos destacam que as superstições têm um valor simbólico positivo: elas expressam a criatividade humana diante do mistério da vida. Acreditar nelas, com equilíbrio e consciência, não é sinal de ignorância, mas de conexão com uma tradição ancestral que traduz a eterna busca por sentido.

Conclusão: superstição, tradição e identidade

As superstições brasileiras são mais do que simples crendices — são fragmentos vivos da nossa história e cultura. Nascidas da mistura de povos, crenças e experiências, elas sobreviveram aos séculos e continuam presentes nas ruas, nas casas e nas conversas.

Mesmo em tempos modernos, quando tudo parece poder ser explicado pela ciência, o ser humano ainda se apega a símbolos e gestos que dão conforto e esperança. Afinal, quem nunca fez um pedido de Ano-Novo pulando sete ondas ou guardou uma folha de louro na carteira “para dar sorte”?

Essas pequenas ações revelam que, no fundo, carregamos uma necessidade universal: a de acreditar em algo maior que nós. As superstições não são apenas sobre sorte ou azar, mas sobre fé, pertencimento e identidade. São a prova de que o Brasil é um país onde o misticismo e a razão convivem em harmonia — e onde cada gesto, por mais simples que pareça, carrega séculos de história e significado.

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