O sommelier Guilherme Maran esteve no programa Diz Aí Podcast, realizado na noite de 23 de fevereiro, pela TV da Fronteira, ocasião em que falou sobre vinhos e deu dicas de como apreciar bons vinhos.
A entrevista foi feita por Luiz Carlos Veroneze, que conduziu o bate-papo por mais de uma hora e meia.
Começando como autodidata, quando jovem apaixonado por rock and roll, apreciando charutos e vinhos, Guilherme Maran começou a comprar livros sobre vinhos e adentrar no mundo das vinotecas. Com o passar do tempo, foi criando sua rede de contatos, estudando direito em Florianópolis, cada vez mais foi se envolvendo com o vinho, trabalhando para a Vinicola Miolo, de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, morou dois anos em Buenos Aires, na Argentina, para estudar sommelieria. Já viajou diversos países do mundo em busca de conhecimento sobre o assunto e hoje é uma referência frequentemente convidado para dar palestras sobre vinhos.
Luiz – O que você aprendeu no curso de sommelier?
Guilherme – Eu já sabia muito sobre vinhos, mas o curso de sommelier se aprende muito mais no contexto dos vinhos, sobre harmonizações com charutos, chás, cafés, carnes e pratos variados. O sommelier pode aprender sobre cava, para ser um vendedor de vinhos, como para a área de serviços, que foi a que mais busquei, a forma de apresentar, de servir, de explicar, fazer a gestão de uma adega e apresentar uma carta de vinhos.
Luiz – O sommelier é ligado a alta gastronomia, por isso mais ligado a restaurante de referência?
Guilherme – Sim, o sommelier custa caro para um restaurante, por isto ele é mais frequente nos grandes restaurantes, de centros maiores, que tem um fluxo grande de clientes mais exigentes.
Luiz – Pra nós aqui na Tri Fronteira, com essa rota de vinhos que temos, conseguimos apreender um pouco com as próprias vinotecas?
Guilherme – Aqui na Tri Fronteira temos uma condição única no Brasil e na Argentina, pois não existe outro lugar onde se pode comprar excelentes vinhos da Argentina mais baratos do que na própria região que produz o vinho. Como? Isso porque temos grandes adegas, algumas tradicionais e outras que estão chegando, apresentando o que tem de melhor, uma infinidade de vinhos, pelos preços mais baixos.
Um vinho que custa no Brasil mais 150 reais, aqui na Tri Fronteira eu paguei 13 reais. As vinotecas da Tri Fronteira conseguem preços excelentes. Se você rodar Argentina, pode ir a Mendonça, ou a Buenos Aires, ou a Puerto Iguazu, tu vais pagar mais caro do que tu pagas aqui na região da Tri Fronteira.
Luiz – Como é possível identificar quando um vinho não está perfeito para o consumo?
Guilherme – Quando eu trabalhava em restaurante eu sempre provava em vinho antes do cliente, nunca servia um vinho que tivesse estragado para o meu cliente. Se eu achava que alguma coisa não fechava eu trocava a garrafa automaticamente. Existem alguns defeitos, não são comuns, o mais comum é você encontrar vinhos mal conservados, que resulta em um vinho que não está no seu melhor para servir. A encontra isso em vinotecas, às vezes vinhos mais antigos que o pessoal faz troca de estoque. Eu oriento a comprar vinhos jovens, e guarde de forma adequada, com o resfriamento ideal, na sua casa.
Não arrisque porque é bem provável que ao comprar um vinho envelhecido, você compre alguma que sofreu superaquecimento em algum momento, e não está adequado para o consumo. O ideal para guardar o vinho é um ambiente escuro e fresco. Minha adega eu mantenho em 17 graus, com humidade controlada, e com isso eu não tenho problemas de perder meus vinhos. Ao consumir um vinho mais fresco, talvez com 30 minutos de porta de geladeira, o vinho desce melhor e o consumo é mais agradável. Isso é um truque de restaurante, inclusive. Quando serve a primeira garrafa mais geladinha, a segunda garrafa logo é solicitada.
Luiz – Eu gosto de vinhos fortes de taninos, a Cabernet Sauvignon e a Malbec, mas você nos trouxe um bom vinho Merlot?
Guilherme – Na década de 90 a uva Merlot teve grande destaque, por conta dessa facilidade de paladar. A grande uva do mundo é a Cabernet Sauvignon. Talvez, a uva que produz os vinhos mais disputados pelos grandes conhecedores, é a Pinot Noir. Já a Merlot é uma uva bordalesa, da região francesa de Bordeaux, faz vinhos mais caros do que os Cabernet que são feitos lá. Château Petrus, por exemplo, é Merlot, Château Le Gay é Merlot. Nessa região, que é a região do Pomerol, se fazem os vinhos mais caros do mundo, porque são feitos em pequenas vinícolas. São vinho muito bons, com demandas de consumo muito grandes, em produções muito pequenas, por isso são mais caros. E cada vez a demanda é maior, e o preço dos vinhos maior ainda.
Luiz – Percebo que o Merlot tem tido um crescimento nos últimos anos.
Guilherme – O Merlot faz um vinho gostoso, leve de taninos. O Cabernet exige um tempo maior de envelhecimento para suavizar sua carga tânica. Na década de 90, nós tínhamos a maioria dos vinhos produzidos com Cabernet, o pessoal copiava muito os vinhos de bordô e os vinhos californianos, mas a Cabernet Sauvignon nunca deu grandes vinhos no Brasil, enquanto a Merlot, na Serra Gaúcha se adaptou melhor, e se aprimorou. Hoje quase todas as vinícolas do Rio Grande do Sul têm o seu melhor vinho feito com a uva Merlot. Na metade da década de 90, a revista Gula, uma revista super tradicional da área, deu destaque, na época, para o seu grande vinho da Argentina, feito com Merlot, que era o Salentein Merlot, vinícola tradicional do Vale do Uco. Naquela época, a Salentein lançou o Merlot Reserva, que foi classificado entre os 100 melhores vinhos disponíveis a compra no Brasil, pela sua boa relação preço e qualidade. Estamos em uma terra que todo mundo gosta da Malbec, pela sua característica frutado sabor de ameixa com notas violeta, que é fantástico. Mas eu, particularmente, gosto da Merlot porque faz vinhos excelentes, por preços muitos mais acessíveis.
Luiz – Que sabor e notas remete o Merlot?
Guilherme – Pouco tânico, acidez bem equilibrada, com caráter bem frutado, com aroma de ameixa seca. O primeiro contato com o vinho, você pega a taça pela base e faz prova visual, confere a coloração e a estrutura do vinho. Os vinhos jovens naturalmente tem uma coloração bem escura, bem fechada, então você coloca a unha atrás, para conferir isso. Antigamente se dizia que, ao enxergar a unha, o vinho não estava bom, mas isso é um preconceito.
Na verdade, os grandes Pinot Noir do mundo são todos com uma baixa carga de polifenóis, bem mais clarinhos e são espetaculares, um perfil aromático inebriante. E o Merlot também é mais claro de um modo geral, e são deliciosos. Vinhos mais fortes, como Cabernet e Malbec, que são mais rubi escuro violáceo, na medida que ele vai envelhecendo, vai se tornando mais esmaecido, ficando avermelhado, e com o passar do tempo vai ficando marrom, daí tá estragado.
Luiz – Então, aqueles vinhos de documentários, com 500 anos, não prestam?
Guilherme – Só tem valor sentimental, porque o vinho já está estragado.
Luiz – Qual a harmonização gastronômica com esse vinho Merlot, que estamos consumindo?
Guilherme – Com este vinho, poderíamos estar comendo pratos com carnes de um modo geral.
Luiz – Carnes vermelhas?
Guilherme – Carnes vermelhas principalmente, mas o Merlot harmoniza também com carnes brancas, até mesmo frango, carne suína. O que vai contar aqui muito é a questão do molho, não pode ter um molho muito intenso, por exemplo. Uma massa, um ragu ficaria perfeito, já uma massa com gorgonzola, que se come muito aqui na Argentina, eu já não recomendaria porque é um molho é um queijo muito salgado e a questão do mofo também acaba interferindo um pouco no paladar. O Merlot é um vinho bem universal, assim você pode fazer muitas experimentações sem medo de errar.
Luiz – E para um vinho mais forte, um Malbec?
Guilherme – Não tem combinação melhor que uma carne vermelha. Eu particularmente, gosto muito do Malbec com picanha mal passada. O Cabernet também, combina mais com carne vermelhas, uma alcatra vai muito bem, uma ovelha temperada com alecrim e pimenta, que você assa lentamente ao fogo fica perfeito. Já na Espanha, é uma outra peculiaridade, o pessoal faz este mesmo prato para combinar com a uva Tempranillo, que gera vinhos bem menos tânicos, bem menos intensos do que a Cabernet Sauvignon. Essas regionalidades você tem aqueles produtos típicos de cada região, que o pessoal harmoniza com o seu vinho e dá certo. Eu provei já com Cabernet, provei com Merlot, provei com Tempranillo, e fica excelente.
Luiz – Como entender um vinho, sua textura, seu aroma, esses detalhes mais experimentados?
Guilherme – Tem que treinar muito o paladar, não é fácil, tem que experimentar, anotar suas impressões, anotar em um caderninho, como eu faço.
Luiz – Qual é o segredo do teu caderninho?
Guilherme – Só anotações sobre marcas, uvas, impressões, particularidades, minhas degustações. Esse caderninho eu ganhei de uma das principais vinícolas dos Estados Unidos, eles me deram quando eu tive lá rabiscando uns guardanapos, e já preenchi vários cadernos. Quando a gente vai no Wine Day eu repasso tudo, eu provo desde os vinhos mais simples aos ícones. Normalmente num dia só eu não consigo experimentar tudo que é servido, mas eu anoto como é que tá o mercado, quais são as os estilos, quais estão sendo produzidos, quais são as novas tendências, as novas marcas. Eu faço essas anotações desde que eu comecei a provar vinho, antes de 2000 e depois todos os anos, até agora, em 2024. Tudo que eu provo, eu registro e repasso para o computador. Quando comecei só se falava em Trapiche, hoje temos uma grande variedade. O primeiro Catena que tomei eu encomendei no Soda Vera, hoje Vera Vinos, em 1994.
Luiz – Você visitou muitas vinícolas na Europa?
Guilherme – Visitei várias, estive na França, visitei várias regiões, Estados Unidos, também Uruguai, Argentina, Chile, estive em Malta, experimentamos vinhos mas não consegui visitar nenhuma vinícola.
Luiz – Os vinhos do Brasil são bons?
Guilherme – São muito bons. Os espumantes de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul são os melhores do mundo, melhores que dos outros países sul-americanos, Argetina, Chile.
Luiz – Qual foi a melhor garrafa de vinho que você já tomou na vida?
Guilherme – Eu sou muito fã de Champagne (produzido na região francesa de Champagne). Eu brinco sempre que se eu pudesse morrer bebendo algo, seria bebendo Champagne, que é um mundo a parte. A região fica próximo de Paris, é um lugar fantástico, é a região vinícola mais cara do mundo, o lugar é uma mina de dinheiro. Lá tem muitos lugares embaixo da terra, em túneis que são escavados. Mas, dos vinhos, o que mais me marcou foi um Cristal Rosé safra 1988.
Luiz – Champanhe é doce?
Guilherme – Não, é seco, bem austero. Se a pessoa não tem paladar experimentado, ela pode não gostar. É seco, com bastante gás, robusto. Mas, para o paladar experimentado, é uma bebida sublime, fantástica.
Luiz – E os vinhos americanos?
Guilherme – São muito bons, eu prefiro os Cabernet Sauvignon californianos e alguns do Oregon, que são espetaculares, apesar do bordô serem mais conhecidos.
Luiz – Você acha que existem vinhos não originais na Argentina?
Guilherme – Essa é uma pergunta a “tricky question” como se diz em inglês. Difícil de responder. Se você for comprar vinhos muito famosos, muito caros, procure as melhores vinotecas que nós temos aqui na fronteira ou em qualquer lugar do mundo. Evite comprar os grandes nomes do mundo do vinho argentino em locais suspeitos. Prefira comprar em vinotecas que tem uma estrutura já estabelecida, que tem uma reputação a manter.
Luiz – O vinho oferece um universo fantástico de paladares e combinações?
Guilherme – Sim. Eu já provei vinho com pessoas fenomenais, que eu não sei como conseguem fazer aquilo. São os grandes nomes do universo do vinho, que ao provar um vinho eles acertam com precisão qual é a uva, qual é a região, e detalhes do vinho que tens em mãos. Coisas que são impressionantes.
Luiz – O vinho é um produto elitizado?
Guilherme – Ele tem esse estigma, mas hoje já se popularizou bastante. Tem muita gente tomando vinho, tem os clubes de assinaturas que mandam rótulos do mundo inteiro, as pessoas estão buscando consumir vinho com mais frequência. Vinho é vida, se você estuda vinho, você se torna uma pessoa mais culta, mais aberta para o mundo, pois o vinho lhe proporciona uma infinidade de percepções, prazeres, harmonizações, sabores, combina com momentos em amigos, momentos românticos, enfim, o vinho é uma bebida bem ampla. Quem consegue viajar para conhecer as regiões produtoras de vinhos, tem a sua frente uma gama muito maior de conhecimento a explorar.
Luiz – Eu gostava muito do vinho tinto, mas migrei para o branco, a idade eu acho, não estava me fazendo bem o vinho tinto.
Guilherme – Eu também, comecei com as uvas tintas, na medida que fui aprimorando meu paladar, passei a consumir mais vinhos brancos. Minha uva preferida é a Chardonnnay, que é uma camaleônica, permite muitas combinações. Brancos são mais leves, fáceis de tomar. O rosé é muito bom, e aqui os preços são muitos bons para quem quer comprar rosé.
Luiz – O vinho permite momentos felizes ou faz parte dos melhores da vida?
Guilherme – Exatamente, você tem os vinhos do dia a dia, e tem os vinhos para comemorar as conquistas, momentos alegres em família, se abre um vinho para comemorar uma data, a realização de um sonho.
O bate-papo teve muitos detalhes que não foram possíveis incluir aqui na matéria, muito embora buscamos sintetizar o diálogo essencialmente.
Para quem quiser assistir essa entrevista, basta acessar o canal no YouTube, e pesquisar @dizaipodcastfronteira.