A cidade de Cardiff, capital do País de Gales, acaba de ganhar novas páginas em sua já longa e complexa história. Sob os campos ensolarados e aparentemente comuns do Parque Trelai, arqueólogos da Universidade de Cardiff, em parceria com voluntários do Projeto de Reencontro Patrimonial de Caerau e Ely (CAER), descobriram novas sepulturas da Idade do Bronze e os contornos de uma construção ancestral ainda não catalogada. Esses achados reforçam a ideia de que o local era ocupado por comunidades organizadas há mais de 3 mil anos, reconfigurando o mapa da Cardiff pré-histórica.
As escavações, realizadas em sua quarta fase, revelaram três fossas contendo restos humanos cremados, cuidadosamente enterrados próximos a uma casa circular datada de 1500 a.C., descoberta no mesmo local dois anos antes.
Para os pesquisadores, essa proximidade indica que o local não era apenas uma morada, mas também um espaço de memória e de valor cerimonial, onde gerações sucessivas prestavam homenagens aos seus mortos. A nova estrutura descoberta, ainda que menor, amplia o entendimento sobre o sítio: pode ter funcionado como habitação de outra família ou como espaço auxiliar para tarefas cotidianas como preparo de alimentos, armazenagem e atividades artesanais.
Sob a terra, há também marcas de um círculo de madeira ainda mais antigo, que remonta ao início da Idade do Bronze, entre 2000 e 1600 a.C. Isso sugere que a ocupação humana no parque se deu em camadas contínuas de construção e reconstrução ao longo dos séculos.
Para o Dr. Oliver Davis, diretor do Departamento de Arqueologia da Universidade de Cardiff e codiretor do CAER, esses vestígios apontam para um assentamento muito mais amplo e complexo do que se imaginava inicialmente. A descoberta de múltiplas camadas de uso doméstico e cerimonial confere ao local uma dimensão quase sagrada — como um elo contínuo entre passado e presente.
Tão revelador quanto o que está sob a terra é o que ocorre na superfície. O projeto CAER se destaca por unir ciência, educação e comunidade. Moradores locais, estudantes universitários e escolas da região participam ativamente das escavações, o que transforma a arqueologia em um exercício de pertencimento.
Para muitos voluntários, como Alice Clarke, moradora de Caerau, a experiência é transformadora: fortalece vínculos sociais, resgata a autoestima e reconecta os habitantes ao solo onde vivem. Estudantes como Dan Queally descobrem que, mais do que aprender métodos científicos, estão imersos numa experiência de valor humano e coletivo.
O Parque Trelai fica próximo a pontos-chave da história britânica, como uma vila romana e o Forte de Caerau, um dos mais importantes sítios da Idade do Ferro no sul do País de Gales. Essa sobreposição de ocupações ao longo de milênios confirma a hipótese do CAER: essa área de Cardiff sempre foi central na ocupação humana da região.
Hoje, ela continua viva, pulsando através da participação ativa da comunidade local, que escava não apenas a terra, mas a própria memória de seus antepassados. Cada fragmento descoberto aproxima gerações, devolve sentido ao território e reafirma a história como uma construção feita de pessoas — ontem e hoje.
Com 25 anos de experiência no jornalismo especializado, atua na produção de conteúdos de arqueologia, livros, natureza e mundo.