O desejo por certos alimentos vai muito além da fome: envolve emoções, memórias, hormônios, genética e até influência do ambiente. Mesmo sem necessidade de energia, o cérebro busca prazer imediato em sabores que acionam seu sistema de recompensa. Comer é também um ato emocional e social, e a ciência mostra que fatores como evolução humana e marketing explicam por que alguns alimentos nos atraem tanto enquanto outros passam despercebidos.
Quando o cérebro pede mais do que o estômago
A fome fisiológica surge quando o corpo precisa repor energia: o estômago esvazia, o açúcar no sangue cai e o hormônio grelina envia sinais ao cérebro avisando que é hora de comer. Porém, existe um segundo tipo de fome, chamada de fome hedônica, que nada tem a ver com necessidade: ela é motivada pelo desejo.
Nesse processo, o cérebro aciona seu sistema de recompensa — o mesmo ativado por música, abraços e até jogos eletrônicos. Alimentos ricos em gordura, açúcar e sal provocam a liberação de dopamina, neurotransmissor associado a prazer e satisfação. O corpo aprende rapidamente essa recompensa e passa a buscá-la diante de qualquer estímulo.
Em outras palavras: o cérebro nos recompensa primeiro, para pensar depois.
Memória afetiva: sabores que contam histórias
O desejo alimentar também está profundamente conectado às emoções. O cheiro de bolo pode ativar lembranças de infância; um chocolate quente pode resgatar o conforto de um dia frio em família. Essas memórias emocionais ficam armazenadas na amígdala e no hipocampo — regiões cerebrais que regulam o afeto e a lembrança.
Por isso, certos alimentos funcionam como um abraço no prato: são gatilhos de nostalgia e segurança. Quando estamos tristes, ansiosos ou cansados, o cérebro procura essas sensações de acolhimento. Daí o famoso “comer por conforto”.
Evolução: um instinto que permanece
Na pré-história, o açúcar e a gordura eram fontes preciosas de energia — e extremamente difíceis de encontrar. Nosso cérebro foi moldado para buscá-las sempre que disponíveis, porque isso aumentava nossas chances de sobrevivência.
Hoje vivemos rodeados de comida calórica e acessível, mas o cérebro continua reagindo como se ainda precisasse armazenar energia para períodos de escassez. Então sim, aquele desejo por açúcar é um pedido ancestral gravado em nossos genes.
O instinto continua, mesmo sem o perigo da fome.
Hormônios que comandam o apetite
O desejo alimentar é uma dança de substâncias químicas que sobem e descem conforme o emocional:
• Dopamina — prazer imediato
• Serotonina — bem-estar, reduz ansiedade
• Cortisol — hormônio do estresse que aumenta a vontade de comer doces
• Leptina — sinaliza saciedade
• Grelina — dá o alerta da fome
Quando há desequilíbrio hormonal — estresse, noites mal dormidas, ansiedade — o desejo aumenta. É como se o cérebro buscasse “um presente rápido” para se sentir melhor. O alimento escolhido é, quase sempre, aquele que libera mais prazer.
Marketing e ambiente: desejos fabricados
Se a ciência biológica atua em silêncio, a publicidade sussurra alto. Indústrias estudam cores, sons, cheiros e embalagens para ativar respostas automáticas no cérebro do consumidor:
• Vermelho e amarelo estimulam fome
• Sons crocantes aumentam a sensação de prazer
• Aromas estrategicamente espalhados (como de padarias) disparam memórias de conforto
• Comerciais mostram felicidade associada ao consumo
O resultado: desejo criado antes mesmo de a fome aparecer.
Ambientes com comida à vista — prateleiras cheias, balcão com doces — também intensificam impulsos. Por isso os supermercados colocam chocolates próximos do caixa.
O papel das emoções na escolha do prato
Ansiedade, tristeza, tédio e até euforia afetam drasticamente o que queremos comer. A chamada fome emocional faz o corpo pedir alimentos altamente calóricos como forma de compensação.
Durante momentos de estresse prolongado:
• O corpo libera mais cortisol
• O cérebro procura um alívio rápido
• O doce aparece como “recompensa”
Por isso é comum dizer: “Eu mereço!”
Não é capricho — é o cérebro que cria esse argumento.
Por que cada pessoa tem desejos diferentes?
Diversos fatores moldam nossa preferência alimentar:
✅ Cultura e costumes familiares
✅ Experiências do passado
✅ Microbiota intestinal — sim, as bactérias interferem no que desejamos
✅ Genética — influência em sensibilidade ao sabor
✅ Hábitos adquiridos — reforçados repetidamente
O que significa que o desejo não nasce do nada: ele é construído ao longo da vida.
É possível controlar esses impulsos?
Sim — mas não se trata de proibir, e sim de entender o corpo. Algumas estratégias ajudam:
• Dormir bem para regular hormônios
• Manter rotina alimentar equilibrada
• Priorizar proteínas e fibras para maior saciedade
• Reduzir gatilhos ambientais (como doces à vista)
• Substituir o doce por versões menos calóricas quando possível
• Mudar o foco emocional com caminhadas, música ou hidratação
Comer não deve ser culpa — deve ser consciência.
Conclusão
Sentir desejo por alimentos específicos é parte da natureza humana. Nosso cérebro foi programado para buscar prazer, bem-estar e segurança, muitas vezes através dos sabores que reconhecemos como recompensadores. Emoções, memórias, hormônios e até a evolução guiam essas escolhas muito antes de termos consciência delas. Quando compreendemos essa dinâmica, conseguimos fazer escolhas mais equilibradas sem perder o prazer de comer — que também é essencial para viver bem. Saber de onde vem o desejo é o primeiro passo para conviver com ele de maneira saudável e inteligente.

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