Clarice Lispector não é apenas um nome na literatura brasileira — é quase um feitiço. Ao mesmo tempo mística e precisa, etérea e feroz, sua obra atravessa o tempo com um magnetismo raro. Mas por trás da autora que escreveu frases eternas como “Liberdade é pouco, o que eu quero ainda não tem nome”, existe uma mulher envolta em silêncios, mistérios e hábitos tão literários quanto excêntricos.
Ritual do batom vermelho para escrever
Clarice não escrevia de qualquer jeito. Seu processo era quase performático. Passava batom vermelho, acendia um cigarro e sentava-se para escrever com a solenidade de quem vai a um encontro com o divino. Dizia que o ato de escrever exigia dela uma presença absoluta — e, talvez por isso, vestia-se para ele. O batom era mais do que vaidade: era armadura. Clarice escrevia para não explodir, mas fazia disso um espetáculo íntimo, intenso e inviolável.
A autora que queimava os próprios manuscritos
Poucos autores são tão obsessivos com a palavra quanto Clarice. Em um gesto quase ritualístico, ela costumava queimar manuscritos inteiros por considerá-los indignos. Não se tratava apenas de autocensura: era uma forma radical de preservar a pureza estética de sua escrita. Fragmentos que poderiam se transformar em livros foram entregues às chamas, numa atitude que mistura perfeccionismo e desapego místico. O que Clarice não queria publicar, ninguém jamais leria — nem por acidente.
“Uma bruxa em Lausanne”
Durante uma estadia na Suíça, Clarice foi, literalmente, confundida com uma bruxa. Certa vez, algumas mulheres locais comentaram sobre sua “aura estranha” e seu olhar penetrante, como se ela pudesse ver a alma dos outros. Longe de se ofender, Clarice achou a ideia encantadora. Usou essa anedota como combustível para contos e reflexões sobre a alteridade, sobre ser “outra” mesmo quando se está no centro da cena.
A carta sem destinatário
Em meio a papéis soltos, foi encontrada uma carta escrita em 1966 que jamais foi enviada. Nela, Clarice encerrava com uma frase tão desconcertante quanto poética: “Se você um dia entender o que sou, saberá que sou muitas.” O mistério permanece. Não há nome, endereço, nenhuma pista sobre o destinatário. Apenas essa confissão que soa como um sussurro ao ouvido do tempo — talvez uma despedida, talvez um pedido de reconhecimento que nunca chegou.
Paixão pelos animais
A ligação de Clarice com os animais beira o sobrenatural. Ela conversava com cachorros como quem fala com velhos amigos. Em sua crônica “O cão que chorava”, dá voz à dor de um cachorro abandonado, num texto que é ao mesmo tempo comovente e filosófico. Segundo ela, “os bichos entendem mais de humanidade do que os homens”. Para Clarice, os animais não eram companhia — eram interlocutores. Há quem diga que ela escrevia melhor depois de longas conversas com seus cães.
Conclusão
Clarice Lispector permanece como uma esfinge literária: impossível de decifrar, irresistível de contemplar. Suas excentricidades — longe de serem bizarrices — são ecos de uma mente que via beleza onde ninguém mais via. Ela se escondia para aparecer melhor. Queimava o que escrevia para salvar o que sentia. E, no meio do caos cotidiano, transformava silêncio em linguagem, sombra em iluminação.
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A verdade é que nunca entenderemos totalmente Clarice. E talvez seja justamente por isso que continuamos voltando a ela. Para ouvir o que está por trás das frases. Para tentar desvendar o que foi dito apenas nas entrelinhas. Ou, quem sabe, para escrever — como ela — em batom vermelho, fumando palavras que ardem por dentro.