Por sete milênios, a costa litorânea do Brasil foi o lar dos sambaquieiros, uma civilização misteriosa que construiu impressionantes monumentos de conchas, ossos e terra, conhecidos como sambaquis. Esses monumentos, que chegam a atingir 40 metros de altura, continuam a intrigar arqueólogos e cientistas até os dias de hoje. A origem desses ancestrais e o motivo de seu desaparecimento ou substituição por outros povos indígenas têm sido um enigma ao longo da história.
No entanto, um estudo recentemente publicado no periódico Nature Ecology & Evolution trouxe novas luzes a essa história enigmática. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e de diversas outras instituições nacionais e internacionais realizaram o sequenciamento genético de fósseis de 34 indivíduos que viveram em diferentes regiões do Brasil, incluindo alguns com 10 mil anos de idade. Os resultados revelaram detalhes surpreendentes sobre os sambaquieiros e suas interações com outras populações.
Os sambaquieiros eram conhecidos por construir enormes montes de conchas, restos de peixes, plantas e artefatos, que serviam como marcadores territoriais, moradias e até mesmo cemitérios. Acredita-se que sua subsistência envolvia uma economia mista, incluindo pesca, coleta de frutos do mar e práticas de horticultura. Alguns sambaquis abrigavam centenas ou até milhares de indivíduos enterrados, tornando-os locais de importância histórica inegável.
O estudo genético dos fósseis trouxe à tona a complexidade da civilização sambaquieira. Contrariando registros arqueológicos anteriores, os cientistas descobriram diferenças genéticas significativas entre os sambaquieiros do Sul e do Sudeste da costa brasileira. Isso sugere que suas interações com outras populações do interior eram mais complexas do que se pensava anteriormente.
Uma das descobertas mais notáveis foi que os sambaquieiros descendiam dos mesmos ancestrais que migraram para as Américas cerca de 16 mil anos atrás, provenientes da Beríngia, uma ponte terrestre entre a Ásia e a América do Norte. Isso inclui os antigos tupi e outras populações indígenas. Essa revelação destaca a importância dos sambaquieiros na história pré-colonial da América do Sul.
Apesar das descobertas empolgantes, muitas perguntas permanecem sem resposta. O que levou ao desaparecimento gradual dos sambaquieiros, especialmente há cerca de 2 mil anos? O estudo aponta para a possível influência dos povos ancestrais jê do interior, que se deslocaram para o litoral e introduziram cerâmicas nas construções monumentais dos sambaquis. Isso sugere uma mudança gradual de práticas e culturas, em vez de uma substituição abrupta.
O estudo genético dos fósseis dos sambaquieiros trouxe à tona informações fascinantes sobre a história pré-colonial da costa brasileira. Esses antigos habitantes, que construíram os impressionantes sambaquis, desafiaram nossas expectativas e revelaram uma conexão profunda com os ancestrais que povoaram as Américas. Ainda há muitos mistérios a serem desvendados, mas graças à combinação da arqueologia e da pesquisa genética, estamos gradualmente restaurando a história da chegada do ser humano na América do Sul.