Relíquias de 5 mil anos revelam a primeira queda de governo da história

As escavações realizadas em Shakhi Kora, um sítio arqueológico na região curda do Iraque, trouxeram à tona relíquias que podem reescrever os primórdios da história política da humanidade.

Datadas de cerca de 4.000 a.C., dezenas de tigelas de cerâmica desenterradas sugerem um sistema embrionário de governo na antiga Mesopotâmia, que entrou em colapso sem sinais de violência ou desastres naturais. A descoberta lança luz sobre como as primeiras tentativas de autoridade centralizada foram estruturadas e, posteriormente, rejeitadas.

Os pesquisadores, responsáveis por um estudo publicado na revista Antiquity, acreditam que as tigelas, chamadas de tigelas de borda chanfrada, eram utilizadas para alimentar trabalhadores em troca de serviço. Esse sistema primitivo de organização pode ter sido uma das primeiras formas de controle estatal da história. A rejeição ao modelo centralizado, que levou ao abandono do assentamento, indica o que pode ter sido a primeira queda de governo da humanidade.

Shakhi Kora, localizado a sudoeste de Kalar, no Iraque, abriga um dos assentamentos humanos mais antigos do mundo. Os indícios arqueológicos revelam que o local abrigava uma comunidade organizada, com edifícios estruturados e sistemas de drenagem influenciados pela cultura do sul da Mesopotâmia. Esses avanços técnicos sugerem que o assentamento era um centro administrativo e de trabalho.

As tigelas encontradas no local contêm resíduos de alimentos, como carne e caldos, o que indica que rebanhos de ovelhas e cabras eram mantidos próximos ao sítio para sustentar a mão de obra local. Esse tipo de sistema de compensação alimentar em troca de trabalho foi identificado pelos pesquisadores como uma forma primitiva de centralização política e econômica. A alimentação em massa de trabalhadores para obras coletivas representava um modelo inicial de autoridade estatal, evidenciando a organização social e econômica em uma escala significativa.

Apesar da complexidade do sistema, o sítio arqueológico foi misteriosamente abandonado no final do quarto milênio a.C. Sem sinais de violência ou desastres ambientais, os pesquisadores sugerem que o colapso ocorreu devido à rejeição da população ao sistema centralizado de poder. Os habitantes podem ter optado por retornar a um modelo de subsistência em fazendas familiares, onde eram autossuficientes e independentes.

Essa rejeição marca um ponto crucial na história humana, destacando a resistência das comunidades ao controle centralizado e à autoridade que, embora primitiva, já representava um embrião de governo. A ausência de registros de guerras ou conflitos aponta para uma transição pacífica, mas definitiva, na organização social da região.

Caso a teoria seja confirmada, a queda de Shakhi Kora seria o primeiro registro histórico de uma autoridade centralizada rejeitada por sua população. Isso sugere que a centralização política não foi imediatamente aceita pelas sociedades humanas, mesmo em períodos onde a organização coletiva parecia vantajosa.

Além disso, a descoberta lança luz sobre a relação entre política, economia e trabalho nos primórdios da civilização. As tigelas de cerâmica, aparentemente simples, ilustram como objetos cotidianos podem oferecer insights profundos sobre os sistemas sociais e políticos de nossos ancestrais. A arqueologia moderna, ao analisar resíduos alimentares e padrões de ocupação, consegue reconstruir narrativas que ajudam a entender os desafios enfrentados pelas primeiras sociedades organizadas.

O colapso do sistema de Shakhi Kora é uma lembrança poderosa de que a evolução das estruturas de poder foi marcada por tentativas e erros. A experiência das comunidades mesopotâmicas revela que a centralização política nem sempre foi uma escolha óbvia ou bem-sucedida. O abandono de Shakhi Kora também destaca a importância de sistemas que respeitem a autonomia das comunidades.

Esses aprendizados históricos permanecem relevantes até hoje, em um mundo onde a centralização e a descentralização do poder continuam a moldar sociedades. A resistência pacífica registrada em Shakhi Kora pode ser vista como um marco na busca da humanidade por sistemas de governança mais justos e equilibrados.

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