O Brasil contribui significativamente para os estudos paleontológicos do mundo inteiro. Sítios arqueológicos em diversos estados brasileiros fornecem fósseis e contribuições para a arqueológica.
Entre outros, destacam-se o Rio Grande do Sul, que nos últimos anos tem fornecido fósseis de dinossauros relevantes, bem como a Paraíba, que mais recentemente teve o Sítio do Serrote do Letreiro reconhecido como o único do mundo com pegadas de dinossauro.
Entretanto, diversos estados brasileiros favorecem para a ciência que estuda os seres vivos que viveram num passado remoto da Terra.
O Patrimônio Arqueológico brasileiro reconheceu o Sítio do Serrote do Letreiro, no Vale dos Dinossauros, em Sousa, sertão da Paraíba. O primeiro sítio no mundo em que foram encontradas pegadas fossilizadas de dinossauros em afinidade com a arte rupestre de povos pré-coloniais, criada milhões de anos depois da existência daqueles animais, o que indica que essas populações reconheceram esses registros fósseis e os assimilaram em seus desenhos e sua expressão simbólica.
As fotos desta matéria são de Leonardo Troiano
A descoberta foi publicada em março na revista científica internacional Scientific Report, do portfólio Nature, em artigo dos arqueólogos Heloísa Bitú e Leonardo Troiano e dos paleontólogos Aline Chilardi e Tituo Aureliano, e levou ao recente recadastramento do sítio pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Os sítios arqueológicos já são legalmente protegidos pela Lei 3.924/61, mas a inclusão de informações sobre estes bens no Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão (SICG) é fundamental para que o Iphan tome conhecimento do bem e realize a sua gestão.
“A partir do recadastramento, o Instituto pode tomar ações próprias para a sua preservação, como a fiscalização do bem, o monitoramento do seu estado de conservação, indicação de medidas para sua proteção e, eventualmente, sua restauração. E realizar também sua socialização, como a exploração turística e a extroversão, aproximando o bem arqueológico e a sociedade”, aponta o arqueólogo do Iphan Thiago Trindade.
Nas palavras de Larisa Araújo, arqueóloga do Iphan na Paraíba, a raridade do sítio faz com que ele ocupe destaque internacional e aumenta a importância de que seja garantida sua integridade, na medida em que é um testemunho excepcional da ocupação da região do sertão paraibano e das relações culturais dos grupos entre si e com o ambiente ao redor.
“Um plano de trabalho sequencial e transdisciplinar deverá ser elaborado de forma conjunta pelo CNA (Centro Nacional de Arqueologia) e a Superintendência na Paraíba, a partir dos resultados e das recomendações das pesquisas desenvolvidas até o momento, sempre com respeito ao estado de conservação e as especificidades do sítio arqueológico e paleontológico”, explica Larisa Araújo, acompanhada da diretora do Centro Nacional de Arqueologia (CNA), Jeanne Crespo.
“É missão do Iphan zelar pela proteção e pela garantia de preservação desse bem para gerações futuras. A pesquisa destaca o interesse e a apropriação de registros fósseis por aquelas populações, e isso milhares de anos antes da formação dos campos científicos da paleontologia e da arqueologia em sociedades europeias. Então, quem sabe outros testemunhos dessa tipologia de sítio na região entre Paraíba e Rio Grande do Norte possa ser objeto de interesse para chancela das apropriações humanas nesse território como patrimônio mundial. Vai depender do avanço das pesquisas na área”, completa Jeanne Crespo.
Fosseis de dinossauros
No Serrote do Letreiro foram registradas pegadas de dinossauros terópodes, saurópodes e ornitópodes de aproximadamente 140 milhões de anos atrás. Destes, os vestígios dos dois primeiros grupos foram encontrados lado a lado com as artes rupestres dos povos pré-coloniais, jamais sobrepostas pelos desenhos e sem que tenham sofrido qualquer alteração por parte daquela população.
Para os autores do artigo, ainda que não tivesse a compreensão do que haviam sido os dinossauros, extintos milhões de anos antes, aquele agrupamento humano percebeu tais marcas como pegadas e com elas interagiu de modo intencional, possivelmente por suas semelhanças formais com as das emas – maior ave do Brasil. O significado das gravuras ainda é desconhecido.
“Eles claramente notaram essas estruturas, desenharam preferencialmente no entorno delas, mas nunca sobre elas. Esses são alguns dos fatores que nos levaram a interpretar que eles reconheceram de alguma forma as pegadas”, afirma a paleontóloga Aline Ghilardi sobre a hipótese de incorporação desses vestígios pelos povos antigos, como é possível notar nas gravuras em pedra que reproduzem pegadas de três dígitos.
“Os nativos do Brasil observaram essas pegadas fossilizadas e entenderam, à sua maneira, que eram importantes de alguma forma, se não, não teriam dedicado tempo, energia e recursos na criação desta arte rupestre em pleno sertão paraibano”, reforça outra autora da pesquisa, a arqueóloga Heloísa Bitú, da Fundação Casa Grande.
Tais achados confirmam que os povos indígenas antigos produziram conhecimento a respeito dos fósseis e desconstroem a narrativa que tira a legitimidade dos saberes e das descobertas feitas pelos povos americanos pré-coloniais, tratados como não-científicos.
“Os cientistas europeus e brancos, em sua maioria e pela maior parte do tempo, ignoraram totalmente o fato de que os indígenas brasileiros viveram nesse território por milhares de anos e que, pela lógica, só poderiam ser profundamente conhecedores do patrimônio paleontológico daqui. Para a ciência europeia, o indígena não teria sequer habilidade e método científico o suficiente para identificar fósseis… esse sítio nos prova que isso é um grande equívoco histórico”, finaliza o arqueólogo do Iphan Leonardo Troiano, um dos autores do artigo.
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