A análise de um crânio com contornos surpreendentemente quadrados está revelando novos capítulos sobre as práticas corporais da Mesoamérica antiga. O achado, investigado pelo Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH), no México, pertenceu a um homem com mais de 40 anos e se tornou o primeiro registro concreto de deformação craniana intencional no norte da região de Huasteca, área costeira banhada pelo Golfo do México. A peça data do período Clássico Mesoamericano, entre 400 e 900 d.C., e apresenta uma técnica pouco conhecida até então.
A principal peculiaridade do crânio está na forma “tabular ereta”, que lhe confere uma aparência que lembra um bloco retangular, bem diferente das deformações cônicas já observadas entre povos mesoamericanos. Essa modificação foi confirmada por meio de análises osteológicas e estudos isotópicos conduzidos pela equipe de pesquisa. Segundo o antropólogo Jesús Ernesto Velasco González, a compressão ocorre sobre a parte superior da cabeça, criando um plano achatado que se estende da região occipital até a linha sagital. O resultado é um formato mais quadrado do que o observado em outras variantes conhecidas.
Embora variações semelhantes já tivessem sido identificadas em Veracruz e em alguns sítios maias, o padrão encontrado no sítio Balcón de Montezuma, em Tamaulipas, apresenta características próprias. Ao contrário do perfil mais vertical de El Zapotal, o crânio de Huasteca exibe uma redução menos elevada, sugerindo que os povos locais adaptaram a técnica de acordo com costumes regionais.

Inicialmente, pesquisadores cogitaram que a prática teria sido trazida por migração de grupos de outras localidades mesoamericanas. No entanto, análises isotópicas de oxigênio realizadas nos dentes e ossos mostraram que o indivíduo nasceu, viveu e morreu na mesma região em que foi encontrado. Isso indica que essa técnica, embora conectada a tradições culturais mais amplas, foi reproduzida localmente, possivelmente impulsionada por contatos indiretos, trocas simbólicas ou circulação de ideias entre grupos distantes. Esses fluxos teriam atuado como base de reconhecimento social e identidade cultural, disseminando práticas semelhantes por vários territórios da Mesoamérica, chegando inclusive à Flórida pré-colombiana.
A deformação craniana intencional era comum em diversas culturas mesoamericanas e carregava significados sociais e estéticos. Geralmente aplicada ainda na infância, a técnica consistia no uso de placas de madeira, amarras, bandagens rígidas ou suportes que moldavam aos poucos o formato do crânio. Além de marcar status, identidade comunitária ou hierarquia, esses formatos muitas vezes dialogavam com elementos visuais como cocares e adornos cerimoniais usados pelos indivíduos modificados.
A nova descoberta não apenas revela uma técnica inédita, como reforça a complexidade dos vínculos culturais que conectavam povos separados por vastas distâncias. Longe de serem sociedades isoladas, essas comunidades compartilhavam ideias, crenças e símbolos que moldaram não apenas sua arte e arquitetura, mas também seus próprios corpos.
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