Radar tecnológico encontra antigos fornos em meio às matas de Minas Gerais

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Informações extraídas da Revista de Arqueologia da Sociedade de Arqueologia Brasileira

No coração de Minas Gerais, em meio às paisagens que mesclam Mata Atlântica e Cerrado, o município de Ijaci abriga um tesouro que não se vê de relance: o sítio arqueológico Caieiras Três Irmãos. Ali, entre a vegetação e o tempo, emergem estruturas silenciosas, mas eloquentes — fornos de cal do século XIX, testemunhos da arquitetura industrial que moldou parte da economia brasileira oitocentista.

Este artigo explora os resultados de uma escavação e modelagem de ponta realizada no local, utilizando desde métodos tradicionais de arqueologia até as mais avançadas ferramentas de escaneamento 3D, como o sensor LiDAR. O objetivo vai além da recuperação de dados: trata-se de reconstituir narrativas esquecidas e criar pontes entre o passado fabril do país e o presente digital.

O valor arqueológico das Caieiras Três Irmãos

O sítio em questão é composto por duas estruturas principais: o Forno de Cal 1, ainda íntegro, e o Forno de Cal 2, parcialmente colapsado. Ambos revelam técnicas construtivas herdadas de Portugal e adaptadas à realidade mineira do século XIX. Com dimensões robustas — o Forno 1 chega a mais de 9 metros de altura —, eles evidenciam um período de transição entre métodos artesanais e a industrialização da produção de cal.

A produção de cal, vale lembrar, é uma das indústrias mais antigas da humanidade. Sua presença em Ijaci não é acidental: a região é rica em calcário, matéria-prima essencial para esse processo. Combinando argamassa, pedras e técnicas construtivas mistas, as estruturas revelam o engenho técnico de um Brasil que se modernizava.

LiDAR, fotogrametria e arqueologia digital

Uma das inovações mais marcantes deste projeto é o uso de sensores LiDAR, incluindo o modelo Zebgo da Geoslam e o próprio iPhone 12 Pro Max, equipado com tecnologia de escaneamento a laser. Esses dispositivos permitiram gerar modelos tridimensionais detalhados dos fornos, possibilitando não apenas o estudo técnico das estruturas, mas também sua visualização em ambientes de realidade virtual.

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As nuvens de pontos geradas pelos sensores permitem a visualização de cada detalhe com altíssima precisão — desde rachaduras provocadas por erosões até marcas de extração manual nas pedras. A tecnologia revelou inclusive os efeitos recentes de impactos modernos, como deposição de lixo e trepidações causadas por tráfego de veículos na estrada vizinha.

Do campo ao digital: métodos integrados de resgate

O trabalho de campo combinou diversas áreas do conhecimento. Os arqueólogos fizeram caminhamentos sistemáticos e escavações em quadrículas para identificar vestígios arqueológicos, enquanto arquitetos mapearam as dimensões e morfologias dos fornos com uso de trenas e programas como AutoCAD.

Os resultados demonstraram que as estruturas seguem a tipologia de fornos intermitentes, com câmaras circulares para combustão e acesso lateral para inserção de calcário. O detalhamento técnico, aliado ao escaneamento LiDAR, formou uma base sólida para reconstruções virtuais e análises futuras.

A arqueologia preventiva e o papel da mineração

A pesquisa foi realizada no contexto da arqueologia preventiva, uma vertente que atua em áreas ameaçadas por empreendimentos econômicos — neste caso, o Complexo Minerário de Ijaci, de responsabilidade da InterCement Brasil S/A. O resgate arqueológico evita perdas irreversíveis e garante que o desenvolvimento econômico não apague o patrimônio cultural.

A exploração industrial de calcário, que segue ativa na região, convive agora com uma abordagem mais sustentável e consciente. As evidências coletadas não apenas documentam o passado, mas podem servir para orientar estratégias de preservação e até ações educativas voltadas à valorização da memória local.

Resultados que ultrapassam o papel

Os modelos tridimensionais obtidos a partir do escaneamento com o Zebgo e o iPhone demonstraram grande precisão, mesmo com limitações pontuais, como a obstrução de dutos internos e a ausência de colorização em alguns registros. Os dados foram processados em softwares como RiSCAN Pro e CloudCompare, convertidos para visualizações técnicas no ZWCAD e integrados a estudos comparativos.

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Esse conjunto de informações possibilita, por exemplo, a reconstrução digital dos fornos, que pode futuramente ser disponibilizada em plataformas educacionais, museus virtuais ou projetos de realidade aumentada. Trata-se, assim, de um legado que transcende o tempo e os muros da pesquisa acadêmica.

Quando a tecnologia ajuda a contar a história

A arqueologia virtual — que se fortalece com o uso do LiDAR — permite experiências imersivas, aproxima o público leigo do patrimônio cultural e contribui para políticas públicas de preservação. Ao digitalizar estruturas físicas, os pesquisadores criam verdadeiros arquivos vivos, com potencial para análise, ensino e acesso irrestrito.

Em Ijaci, a tecnologia não veio para substituir a escavação tradicional, mas para potencializá-la. A simbiose entre métodos analógicos e digitais dá origem a um novo campo de conhecimento, no qual cada vestígio pode ser visualizado, dimensionado e interpretado com riqueza de detalhes.

A importância de preservar o que o tempo tenta apagar

O sítio Caieiras Três Irmãos é um exemplo claro de como a arqueologia pode dialogar com o presente e se tornar agente ativo na preservação do passado. Suas estruturas resistem não apenas às intempéries, mas ao esquecimento, graças ao esforço de equipes multidisciplinares e à integração entre ciência, tecnologia e sensibilidade patrimonial.

Mais do que ruínas, os fornos são monumentos silenciosos que contam histórias de trabalho, inovação e transformação. E, agora, com o auxílio do LiDAR, eles também falam em pixels, pontos e planos virtuais. Resta à sociedade ouvir e, sobretudo, preservar.