O ano de 2024 ficará marcado na história ambiental do Brasil por uma tragédia silenciosa, porém devastadora. Segundo a primeira edição do Relatório Anual do Fogo (RAF), divulgada em conjunto com a Coleção 4 de mapas de cicatrizes de fogo do MapBiomas, cerca de 30 milhões de hectares do território nacional foram atingidos por queimadas. Trata-se da segunda maior extensão já registrada desde 1985, superando em 62% a média histórica.
Mais do que um número, o dado traduz uma realidade alarmante: a vegetação nativa está sendo consumida pelo fogo em escala nunca antes vista. Em 2024, aproximadamente 72% de toda a área queimada no país envolveu biomas originais, sendo a cobertura florestal a mais afetada, com 7,7 milhões de hectares destruídos — um aumento de 287% em relação à média dos últimos 40 anos.
A Amazônia liderou os índices de devastação. O bioma perdeu 15,6 milhões de hectares em 2024, o maior volume já registrado na série histórica. Essa área corresponde a mais da metade de tudo que foi consumido pelas chamas no país. Pela primeira vez, as áreas florestais dentro da Amazônia superaram as pastagens entre as regiões mais afetadas. Foram 6,7 milhões de hectares de floresta queimados, número que revela uma mudança preocupante no padrão de propagação do fogo.
Segundo o coordenador de mapeamento do MapBiomas, Felipe Martenexen, embora o El Niño tenha deixado o bioma mais seco, a ignição inicial foi, na maioria dos casos, causada por ação humana. A prática de queimar pastagens mal manejadas segue sendo apontada como o principal vetor dos incêndios.
Na Mata Atlântica, o cenário também é preocupante. O bioma sofreu um aumento de 261% na área queimada em relação à média histórica, totalizando 1,2 milhão de hectares afetados. Quatro municípios paulistas — Barrinha, Dumont, Pontal e Pontes Gestal — concentram os maiores índices proporcionais de área queimada. A combinação de vegetação natural escassa e práticas inadequadas de uso do solo contribuiu para a escalada das queimadas, que agora atingem também os últimos remanescentes florestais do bioma.
Para Natalia Crusco, da equipe de mapeamento da Mata Atlântica do MapBiomas, esses eventos colocam em risco o que resta de biodiversidade no bioma mais desmatado do Brasil.
O Pantanal apresentou o terceiro maior volume de área queimada de sua história, com 2,2 milhões de hectares afetados, representando um aumento de 157% em relação à média histórica. Desses, 93% foram em vegetação nativa, sobretudo em formações campestres e campos alagados. O fenômeno é atribuído, principalmente, à severa seca que atingiu a bacia do Rio Paraguai. O pesquisador Eduardo Rosa destaca que, apesar de o Pantanal possuir regiões adaptadas ao fogo, a heterogeneidade da vegetação nativa torna o bioma altamente vulnerável quando o fogo extrapola os limites naturais.
No Cerrado, os números também impressionam: foram 10,6 milhões de hectares queimados, ou 35% do total nacional em 2024. Esse volume representa um crescimento de 10% em relação à média dos últimos 40 anos, consolidando o Cerrado como uma das regiões mais frequentemente impactadas por queimadas.
A Caatinga, por sua vez, apresentou uma leve retração, com 404 mil hectares atingidos — ainda abaixo da média histórica. Já o Pampa, apesar de ligeiro aumento em relação a 2023, manteve uma redução de 48% em comparação à média dos últimos anos, com 7,9 mil hectares queimados.
Os dados do relatório revelam não apenas a dimensão territorial das queimadas, mas também os padrões e transformações nos tipos de vegetação atingida.
Segundo Ane Alencar, diretora de Ciências do IPAM, o documento representa um importante avanço na forma como o país compreende o fogo e seus impactos. Para ela, o Relatório Anual do Fogo permite planejar políticas públicas mais eficazes e desenvolver ações preventivas direcionadas, adaptadas à realidade de cada bioma. A gestão de risco e a responsabilidade ambiental, cada vez mais urgentes, ganham com isso um aliado técnico poderoso para embasar decisões e políticas de proteção dos ecossistemas nacionais.
- 2024 registrou 30 milhões de hectares queimados no Brasil, segundo maior índice em 40 anos
- Amazônia foi o bioma mais afetado, com 15,6 milhões de hectares queimados
- Cobertura florestal foi a mais impactada, superando pastagens pela primeira vez
- Mata Atlântica teve aumento de 261% na área queimada, com destaque para municípios paulistas
- Pantanal registrou crescimento de 157% nas queimadas, com 93% em vegetação nativa
- Cerrado respondeu por 35% da área total queimada no país em 2024
- Relatório Anual do Fogo auxilia no planejamento de políticas de prevenção e combate ao fogo