O mistério dos queijos de 3.500 anos no deserto

A alimentação sempre foi um aspecto crucial na sobrevivência humana, e as descobertas arqueológicas têm oferecido pistas sobre os hábitos alimentares de civilizações antigas. Entre essas descobertas intrigantes, uma das mais curiosas envolve um grupo de moradores da Idade do Bronze, conhecidos como os Xiaohe, que habitavam a região do deserto de Taklamakan, na China. Sepulturas desses antigos habitantes revelaram que eles não apenas apreciavam o queijo, mas o consideravam tão valioso a ponto de serem enterrados com ele. Por mais peculiar que essa descoberta possa parecer, novos estudos genéticos sobre esses queijos têm revelado informações fascinantes sobre como era a produção de laticínios há milhares de anos.

Desde que os primeiros pedaços de queijo foram descobertos na Bacia de Tarim, no final da década de 1990, cientistas têm investigado sua origem e composição. No entanto, foi apenas com as mais recentes análises genéticas que a história por trás desses queijos começou a ser realmente desvendada. Esses estudos não apenas confirmaram o tipo de queijo, mas também deram pistas sobre as técnicas de produção usadas na época.

O curioso caso dos queijos enterrados

As sepulturas encontradas na Bacia de Tarim, no deserto de Taklamakan, são notáveis por suas condições de preservação incomuns. Devido ao clima árido da região, muitos dos corpos e dos itens sepultados com eles estavam incrivelmente bem conservados, incluindo alimentos. Entre os itens encontrados estavam pedaços de queijo, estrategicamente colocados em torno dos pescoços de alguns dos sepultados, sugerindo a importância simbólica ou prática do alimento para essa civilização.

Os queijos descobertos nas sepulturas de Xiaohe datam de cerca de 3.500 anos, tornando-os alguns dos mais antigos já encontrados. Embora a ideia de ser enterrado com comida possa parecer estranha para os padrões modernos, ela reflete uma prática comum em várias civilizações antigas, que acreditavam que os mortos necessitariam de provisões no além. Para os Xiaohe, o queijo parecia ser uma dessas provisões essenciais.

A análise genética e a produção de queijos no passado

A pesquisa genética recente, liderada pela paleogeneticista Qiaomei Fu, ofereceu novas informações cruciais sobre a origem e a produção dos queijos encontrados. Análises mitocondriais revelaram que os queijos eram feitos de uma combinação de leite de vaca e leite de cabra, ambos muito comuns na Eurásia durante a Idade do Bronze.

Mais importante ainda, a análise identificou as bactérias e os fungos responsáveis pela fermentação dos queijos. Entre as espécies encontradas estavam o Lactobacillus kefiranofaciens e o fungo Pichia kudriavzevii, ambos conhecidos por seu papel na produção de kefir. A descoberta foi crucial para confirmar que o queijo de Xiaohe era, de fato, uma forma de kefir, um tipo de laticínio fermentado que ainda é consumido hoje, especialmente em regiões como o Tibete.

O kefir é um produto fermentado semelhante ao iogurte, mas geralmente mais ácido e consumido em forma líquida. O estudo sugeriu que, embora o kefir seja amplamente associado à região das Montanhas do Cáucaso, os habitantes da Bacia de Tarim já dominavam a técnica de fermentação há milhares de anos.

Foto: Yimin Yang et al.

O papel das bactérias e fungos na produção de queijo

A descoberta de espécies bacterianas e fúngicas nos queijos antigos foi uma das mais surpreendentes contribuições do estudo. O Lactobacillus kefiranofaciens, uma bactéria responsável pela fermentação do kefir, é amplamente utilizado na produção moderna de queijos e iogurtes. Já o fungo Pichia kudriavzevii desempenha um papel fundamental na produção de fermentados, como kefir e bebidas alcoólicas.

Esses microrganismos, encontrados nos queijos de Xiaohe, estão intimamente relacionados aos que hoje são comumente encontrados em populações do Tibete. Isso sugere que as técnicas de produção de laticínios e os microrganismos utilizados para a fermentação eram compartilhados ou desenvolvidos de forma independente em várias regiões da Ásia Central.

A análise genética também revelou que, ao longo dos séculos, as bactérias modernas evoluíram para se tornarem menos propensas a desencadear respostas imunes nos humanos. Isso indica que os processos de fermentação se adaptaram às necessidades e aos organismos humanos, tornando os laticínios mais fáceis de digerir e menos prejudiciais à saúde intestinal.

O kefir

Uma das implicações mais interessantes da pesquisa é a reconsideração das origens do kefir. Durante muitos anos, acreditou-se que esse tipo de laticínio fermentado havia surgido exclusivamente nas Montanhas do Cáucaso. No entanto, a presença de kefir nos queijos de Xiaohe sugere que o processo de fermentação desse alimento já era amplamente conhecido e utilizado em outras regiões da Ásia Central.

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Essa descoberta lança nova luz sobre as rotas comerciais e culturais da Idade do Bronze, sugerindo que o conhecimento sobre a produção de laticínios e a fermentação foi compartilhado entre diferentes povos e civilizações. O kefir, por exemplo, pode ter se disseminado de forma muito mais ampla do que se imaginava anteriormente, contribuindo para a evolução das práticas alimentares em diversas partes do mundo.

O mais antigo registro de laticínios da história

Os queijos encontrados na Bacia de Tarim agora detêm o título de mais antigos queijos da história, com cerca de 3.500 anos. No entanto, evidências arqueológicas sugerem que a produção de laticínios começou muito antes disso. Resíduos de leite foram encontrados em cerâmicas datadas de 9.000 anos na região da Anatólia, e proteínas animais foram identificadas em cálculos dentários humanos, indicando o consumo de produtos lácteos desde tempos pré-históricos.

A fermentação do leite era uma solução prática para prolongar a vida útil dos laticínios em uma época sem refrigeração. Sem os meios modernos de preservação, o leite fresco fermentava rapidamente, e os povos antigos aprenderam a aproveitar essa transformação para criar queijos e outros produtos lácteos fermentados.

Foto: Yimin Yang et al.

Essas novas descobertas sobre os queijos de Xiaohe são um lembrete de como a arqueologia alimentar pode fornecer insights valiosos sobre a vida cotidiana de civilizações antigas. Ao estudar os alimentos que essas pessoas produziam e consumiam, ganhamos uma compreensão mais completa de suas rotinas, suas interações com o ambiente e suas inovações tecnológicas.

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Além disso, a análise genética de alimentos antigos, como o queijo, abre caminho para novas pesquisas sobre a evolução das práticas agrícolas e alimentares. À medida que a tecnologia avança, é provável que descubramos ainda mais informações fascinantes sobre os hábitos alimentares dos nossos ancestrais.

Conclusão

A descoberta dos queijos enterrados com os moradores da Idade do Bronze na Bacia de Tarim oferece uma janela única para o passado. Através de estudos genéticos, aprendemos não apenas sobre os tipos de alimentos consumidos, mas também sobre como esses alimentos eram produzidos e como as bactérias e fungos envolvidos na fermentação evoluíram ao longo dos séculos.

Essas descobertas têm implicações mais amplas para a compreensão da evolução da produção de laticínios e das interações entre humanos e microrganismos. À medida que continuamos a desvendar os mistérios da alimentação antiga, é provável que mais segredos da Idade do Bronze e de outras civilizações sejam revelados, ajudando-nos a entender melhor como nossos antepassados viviam e como moldaram a história alimentar da humanidade.

Fonte: Revista Galileu

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