A Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) aprovou na última semana um projeto de lei que institui o “Programa Estadual Saúde Mental e sem Dependência Química”.
A proposta, de autoria do deputado Ivan Naatz (PL), busca regulamentar a internação de pessoas com transtornos mentais ou dependência química, garantindo acesso ao sistema estadual de saúde, assistência médica e psicológica integral, além de proteção ao sigilo de informações pessoais.
A iniciativa tem gerado debates entre especialistas, políticos e entidades de direitos humanos, já que toca em um tema sensível e de grande impacto social.
A internação compulsória e involuntária, pontos centrais do projeto, são amplamente discutidos em diversos âmbitos, principalmente no que diz respeito à autonomia individual e ao direito ao tratamento digno e humanizado.
Internação humanitária e multidisciplinar
O texto aprovado sofreu alterações significativas antes de sua aprovação. A nova versão, reformulada pelo deputado Maurício Peixer (PL), estabeleceu diretrizes que alinham a proposta às normas federais sobre saúde mental e dependência química.
Entre os princípios destacados está a necessidade de um atendimento humanizado e multidisciplinar, com foco no restabelecimento da saúde física e mental do paciente.
Para garantir esse atendimento, o projeto prevê a atuação de equipes formadas por médicos, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais da saúde, que trabalharão de forma integrada no acompanhamento dos internados. O objetivo é oferecer um suporte amplo, promovendo a reinserção social e o desenvolvimento da autoestima dos pacientes.
Internação involuntária e compulsória
Um dos pontos mais polêmicos do projeto é a regulamentação da internação involuntária, que poderá ser solicitada por familiares de primeiro grau ou responsáveis legais. Em casos onde não há a presença de familiares, o pedido poderá ser feito por servidores públicos das áreas de saúde, assistência social ou segurança pública.
A proposta justifica essa medida com o argumento de que, muitas vezes, policiais lidam diretamente com situações envolvendo pessoas em surto psicótico ou em estado grave de dependência química.
A internação compulsória, por sua vez, ocorre quando há determinação judicial para que uma pessoa seja submetida a tratamento. Esse tipo de medida tem sido alvo de críticas, especialmente por parte de organizações que defendem os direitos humanos, sob a alegação de que pode ferir a dignidade do indivíduo e desconsiderar sua vontade própria.
Para evitar abusos, o texto do projeto estabelece que toda internação involuntária deverá ser autorizada por um médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina. Além disso, o Ministério Público e a Defensoria Pública devem ser informados em até 72 horas após a internação, garantindo transparência e fiscalização do processo.
Debates sobre impactos sociais e legais
A regulamentação da internação involuntária levanta questões sobre a capacidade do sistema de saúde de lidar com a demanda e oferecer um tratamento adequado.
Profissionais da área alertam para o risco de superlotação de unidades de atendimento e a necessidade de investimentos em infraestrutura e capacitação de equipes especializadas.
Além disso, entidades de direitos humanos destacam que a internação compulsória pode representar uma violação de direitos, principalmente se aplicada sem critérios rigorosos. O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou contra políticas que permitem a remoção forçada de pessoas em situação de rua sem critérios claros de proteção e assistência.
Experiências locais e a influência no projeto
O debate sobre internação compulsória não é novo em Santa Catarina. Em Chapecó, no Oeste do estado, a “Operação Internamento Involuntário” foi implementada em 2022 com o objetivo de retirar das ruas pessoas em situação de dependência química para encaminhamento a centros de tratamento especializados. A ação, apesar de controversa, serviu como referência para a elaboração do projeto aprovado na Alesc.
O deputado Junior Cardoso (PRD), um dos defensores do projeto, foi além e propôs uma lei que autoriza prefeitos a determinarem a internação compulsória de moradores de rua.
Apesar de ser uma iniciativa alinhada com o programa aprovado, essa proposta enfrenta resistência devido a questionamentos sobre sua legalidade e impacto na população vulnerável.
Perspectivas futuras e desafios da implementação
O próximo passo do projeto é a análise pela Comissão de Prevenção e Combate às Drogas. Caso aprovado nessa etapa, seguirá para votação no plenário da Alesc antes de ser encaminhado para sanção ou veto do governador.
Especialistas alertam que, para que a medida seja eficaz, é fundamental que haja investimentos em infraestrutura, capacitação de profissionais e criação de mecanismos de fiscalização. Além disso, defendem que a internação deve ser vista como última alternativa, priorizando sempre tratamentos que permitam a recuperação do paciente em ambiente menos restritivo.
O debate sobre o projeto reflete um dilema comum em políticas públicas de saúde mental: como equilibrar a necessidade de proteger e tratar indivíduos em situação de vulnerabilidade sem ferir seus direitos fundamentais? A resposta a essa questão determinará o impacto real dessa legislação na vida de milhares de catarinenses.
Leia também:
- Os 5 maiores serviços de streaming em número de assinantes
- Livros que sua criança interior gostaria que você lesse