Imagine caminhar por um parque nacional no coração do Piauí, no nordeste do Brasil, e dar de cara com a cena mais antiga de um beijo já documentada no planeta. Pode parecer cena de cinema, mas foi exatamente isso que aconteceu com os arqueólogos que exploram as encostas da Serra da Capivara, um dos maiores tesouros da arqueologia brasileira e mundial. No meio das centenas de painéis com registros de caçadas, danças e cerimônias, um detalhe chamou a atenção: a imagem de duas figuras humanas em um gesto terno e profundamente humano — o beijo.
Essa descoberta emocionante foi celebrada recentemente pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Nas redes sociais, o órgão anunciou: “O primeiro beijo da humanidade!”. Um título que pode soar exagerado, mas que sintetiza o impacto dessa pintura rupestre. Afinal, são raríssimos os registros artísticos desse tipo de demonstração de afeto em povos antigos.
Um beijo no meio da pré-história
As pinturas foram encontradas no Parque Nacional da Serra da Capivara, um verdadeiro santuário arqueológico que já era famoso por abrigar “a maior concentração de pinturas rupestres conhecidas das Américas”. Mas, dessa vez, o foco não está nos rituais de caça ou nos símbolos místicos. Está no gesto mais humano e universal de todos: o beijo.
A pintura em questão mostra duas figuras — provavelmente adultos — inclinando-se uma para a outra, numa clara representação de proximidade e intimidade. Apesar de simples, a força do desenho impressiona. Feitas com pigmentos naturais, como óxidos de ferro e carvão, essas pinturas resistiram ao tempo graças ao clima seco e à composição das rochas areníticas que formam o parque. E agora, séculos (ou milênios!) depois, elas falam diretamente ao nosso coração.
Não é de hoje que a Serra da Capivara impressiona pesquisadores do mundo todo. O parque, que foi reconhecido como Patrimônio Mundial pela Unesco em 1991, abriga pinturas rupestres que podem ter até 50 mil anos de idade. São testemunhos silenciosos de povos que viveram, amaram e sonharam em uma época em que o mundo era completamente diferente.
Os arqueólogos afirmam que essas pinturas não são apenas arte: elas são um registro vivo de como nossos antepassados pensavam e sentiam. Mostram cenas do cotidiano, rituais religiosos e agora — com essa descoberta do beijo — um vislumbre único da afetividade humana naquela época distante.
Um registro que transcende o tempo
O Instituto Chico Mendes descreveu o achado como uma prova de que o amor e o carinho são sentimentos tão antigos quanto a própria humanidade. Em comunicado, o órgão destacou que “as pinturas demonstram afeto entre seres humanos, como atos sexuais, beijos e abraços”. E isso não apenas emociona, mas também lança luz sobre a complexidade emocional de povos que muitas vezes consideramos apenas “primitivos”.
A antropóloga Maria de Lourdes, que estuda arte rupestre há décadas, comenta: “Essa imagem do beijo nos obriga a repensar nossos conceitos de evolução social. Afinal, demonstrações de afeto como essa são fundamentais para a coesão de grupos humanos. E aqui temos a prova de que isso já acontecia há milênios”.
As pinturas da Serra da Capivara são conhecidas por sua impressionante resistência ao tempo. Os pigmentos usados — principalmente óxidos de ferro, que dão o tom avermelhado característico — penetraram nas camadas superficiais das rochas, criando uma verdadeira “tatuagem” na pedra. Além disso, as condições climáticas do semiárido piauiense ajudaram a preservar essas imagens, protegendo-as da umidade e da ação de microorganismos.
O resultado são cenas vívidas e cheias de movimento, capazes de transportar o visitante a um passado remoto. E a cena do beijo, em particular, tem um poder simbólico que transcende a técnica: é o testemunho de que, mesmo em tempos de escassez e desafios diários, a ternura tinha seu lugar na vida das pessoas.
Os turísticas que são atraídos para ver as pinturas e essa pintura do beijo, especificamente
A descoberta desse possível “primeiro beijo” não demorou a gerar comoção nas redes sociais. Muitos usuários expressaram espanto e emoção ao ver que um ato tão singelo — e tão comum nos dias de hoje — já era celebrado há tantos milhares de anos. Outros destacaram o potencial turístico do Parque Nacional da Serra da Capivara, que, com essa nova atração, pode se consolidar ainda mais como destino obrigatório para quem ama história, cultura e natureza.
Guias locais já relatam um aumento no interesse por visitas às áreas onde essas pinturas podem ser vistas. Para quem chega ao parque, a experiência vai muito além de contemplar arte rupestre: é como mergulhar em um túnel do tempo, onde cada pedra conta uma história e cada imagem revela um pedacinho da alma humana.
Num mundo onde a pressa e a superficialidade muitas vezes dominam as relações, a cena do beijo na Serra da Capivara nos lembra que o amor — em todas as suas formas — sempre foi essencial para a humanidade. É um lembrete de que, mesmo quando nossos antepassados lutavam pela sobrevivência em um ambiente hostil, havia espaço para o afeto e a conexão.
Para pesquisadores, essa descoberta também abre caminho para novos estudos sobre a cultura e a sociedade desses povos antigos. Afinal, se eles registraram um beijo, o que mais poderiam ter representado? Que outros gestos de carinho ou de solidariedade estão escondidos nessas paredes de arenito?
A pintura do beijo na Serra da Capivara não é apenas um achado arqueológico: é um convite. Convida-nos a olhar para trás, para reconhecer que a história da humanidade é também a história dos gestos de amor que nos definem. E convida-nos a olhar para o presente, para valorizar cada demonstração de afeto que damos e recebemos.
Se você ficou curioso, a boa notícia é que o Parque Nacional da Serra da Capivara está aberto à visitação, oferecendo trilhas guiadas e uma experiência única de contato com a história. Afinal, nada substitui o arrepio de ver, ao vivo, um traço de humanidade que sobreviveu por milênios — e que, ainda hoje, faz nosso coração bater mais forte.