O aroma inconfundível do café que desperta milhões de pessoas em Tóquio, Paris ou Nova York carrega agora o gosto amargo das mudanças climáticas. No interior do Brasil, o maior produtor mundial do grão, cafezais agonizam sob um calor abrasador e longos períodos de seca. A crise não afeta apenas os produtores locais, mas reverbera globalmente, encarecendo cada xícara de café.
Em setembro de 2024, Moacir Donizetti Rossetto, cafeicultor em Caconde, interior de São Paulo, enfrentou o pior incêndio florestal já registrado na região. Em poucas horas, o fogo consumiu cinco hectares de seus cafezais, deixando a terra estéril por anos. “O fogo avançava rápido, e nós lutávamos com baldes e mangueiras, mas era impossível conter”, relembra. A perda não foi apenas material: a destruição ecoa em sua família, que depende do café para sobreviver.
A seca prolongada que atingiu a região em 2024 é reflexo de um problema maior. Estudos apontam que o Brasil enfrentou seu ano mais quente desde o início dos registros, em 1961, com incêndios florestais atingindo números recordes. Além disso, a irregularidade das chuvas prejudica o ciclo natural das plantações. “A floração precisa de água para vingar. Sem chuva, não há café”, explica Moacir, ao lado de pés queimados e cobertos de fuligem.
A escalada nos preços e o impacto global do café
O Brasil é responsável por mais de um terço da produção mundial de café, com estimativas de 55 milhões de sacas em 2024. Esse domínio no mercado internacional torna o país peça-chave na definição de preços. Recentemente, o valor de uma libra do café Arábica atingiu US$ 3,48, um recorde desde 1977, representando um aumento de 90% em um ano.
O consultor Guy Carvalho, com 35 anos de experiência no setor, destaca que os altos preços refletem não apenas a escassez causada pelas safras ruins no Brasil, mas também as incertezas climáticas futuras. “Desde 2020, o clima vem nos desafiando. Cada safra é mais imprevisível, e isso exige mais investimentos para colher menos”, afirma.
Além disso, fatores geopolíticos, como possíveis restrições tarifárias nos Estados Unidos e regulamentações ambientais europeias, agravam o cenário. “O café brasileiro está no centro de um furacão climático e político”, resume Carvalho.
Soluções sustentáveis: uma luz no fim do túnel?
Apesar do cenário desolador, produtores buscam alternativas para driblar os desafios climáticos. Em Divinolândia, cidade vizinha a Caconde, Sérgio Lange lidera uma iniciativa de “cafeicultura regenerativa”. Ele cultiva café à sombra de árvores, replicando o habitat natural da planta. “Isso ajuda o café a suportar o calor e amadurecer mais lentamente, garantindo um grão maior e mais doce”, explica Lange, que há dois anos aposta em métodos sem agrotóxicos e com preservação de nascentes.
O modelo ainda enfrenta resistência pela queda inicial na produtividade, mas Lange acredita que os resultados compensarão no futuro. “A sustentabilidade não é só uma palavra bonita; é uma necessidade se quisermos continuar cultivando café”, conclui.
Enquanto isso, o mundo paga caro por cada dose de cafeína, e o Brasil, já acostumado a desafios, tenta equilibrar tradição e inovação para proteger um dos produtos mais icônicos de sua cultura.
Fonte: Portal ig