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Por que gostamos de colecionar coisas? A psicologia por trás do fascínio de acumular histórias em objetos

O encanto de juntar pedaços do mundo

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Em quase toda casa há uma coleção — grande ou pequena — escondida em alguma prateleira, caixa ou gaveta. Selos, moedas, livros, canecas, miniaturas, tampinhas, vinis, brinquedos antigos… não importa o objeto, o impulso de colecionar é universal e atemporal. Desde civilizações antigas até os tempos digitais, o ser humano tem o desejo de reunir, organizar e preservar fragmentos do mundo à sua maneira. Mas o que está por trás dessa necessidade? A resposta vai muito além do simples gosto por acumular. Colecionar é uma forma de contar histórias, preservar memórias e afirmar identidades. É um gesto que mistura emoção, controle, curiosidade e pertencimento. Cada item guardado é, no fundo, uma peça de nós mesmos.

E embora pareça um comportamento trivial, a ciência já comprovou que o ato de colecionar ativa áreas específicas do cérebro, ligadas à recompensa, à nostalgia e ao prazer. Para muitos, é um refúgio emocional; para outros, uma busca quase espiritual por ordem e significado em meio ao caos. O fascínio por colecionar é, portanto, um espelho do próprio ser humano — curioso, sentimental e, acima de tudo, colecionador de experiências.

Colecionar é uma forma de dar sentido à vida

A psicologia define o colecionismo como uma forma de organizar o mundo externo para compreender o interno. Quando agrupamos objetos semelhantes, não estamos apenas armazenando coisas, mas estruturando pensamentos, lembranças e afetos. Segundo o psicólogo e escritor Mihaly Csikszentmihalyi, autor do conceito de flow (estado de concentração plena), colecionar é uma maneira de alcançar prazer e controle, pois oferece a sensação de domínio sobre algo tangível.

Em um mundo incerto e acelerado, o ato de classificar, catalogar e cuidar de uma coleção cria uma sensação de estabilidade. Cada novo item conquistado provoca uma descarga de dopamina, o neurotransmissor ligado à motivação e ao prazer — o mesmo que é ativado ao ouvir uma música favorita ou concluir uma tarefa. Por isso, encontrar “aquela peça rara” é mais do que uma conquista: é uma recompensa neurológica.

Há também uma dimensão emocional profunda nesse comportamento. Colecionar é uma tentativa de eternizar o que é passageiro. Uma concha trazida de uma viagem à praia, uma fotografia antiga, um ingresso de cinema guardado: cada item é um lembrete de que vivemos. É o cérebro transformando lembranças em matéria.

Por que gostamos de colecionar coisas? A psicologia por trás do fascínio de acumular histórias em objetos

Entre o apego e o prazer: o limite saudável da coleção

Nem todo colecionador é igual. A psicologia distingue o colecionismo saudável — associado à curiosidade e à estética — do acúmulo compulsivo, quando o prazer de guardar se transforma em ansiedade por não conseguir se desfazer. No colecionismo equilibrado, existe propósito, organização e orgulho; já no acúmulo, há descontrole e angústia.

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A diferença está no significado. O verdadeiro colecionador não guarda “coisas” apenas por tê-las, mas por vê-las como extensões de sua história. O item não vale pelo preço, mas pelo contexto. A moeda antiga não é metal, é tempo. O livro antigo não é papel, é memória.

Essa distinção também explica por que o colecionismo é tão presente na infância — quando o cérebro ainda aprende a criar conexões emocionais. As coleções infantis, como figurinhas, pedras coloridas ou brinquedos, funcionam como microcosmos do mundo. Elas ensinam sobre cuidado, valor e pertencimento. Já na vida adulta, o hábito se transforma: passa a refletir gostos, conquistas e identidades culturais.

A neurociência do colecionador: prazer, memória e recompensa

O ato de colecionar é acompanhado por uma complexa atividade cerebral. Pesquisas da Universidade Yale indicam que, ao adquirir ou observar um item de coleção, o cérebro ativa o sistema límbico — responsável pelas emoções — e o núcleo accumbens, área associada à sensação de recompensa. Isso explica por que colecionar provoca satisfação semelhante à de comer, amar ou ouvir música.

O cérebro humano é programado para buscar padrões e significados. Quando identificamos objetos que completam uma série, sentimos uma espécie de “alívio mental” — a sensação de completude. É o prazer de fechar o ciclo, de preencher lacunas.

Além disso, o colecionismo está intimamente ligado à nostalgia, uma emoção poderosa que combina alegria e saudade. Revisitar uma coleção ativa lembranças positivas e reduz o estresse. É por isso que muitas pessoas descrevem suas coleções como “refúgios” ou “companheiras”. Elas são âncoras emocionais em um mundo em constante mudança.

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Colecionar como forma de identidade e expressão cultural

Colecionar também é uma maneira de dizer quem somos — ou quem gostaríamos de ser. Museus, por exemplo, são coleções públicas que refletem a história e os valores de uma sociedade. Do mesmo modo, nossas coleções pessoais revelam fragmentos de personalidade. Um colecionador de vinis, por exemplo, pode estar buscando reconectar-se com uma era sonora que o emociona; já quem coleciona livros antigos talvez queira tocar o passado de forma concreta.

O antropólogo Arjun Appadurai descreve as coleções como “formas de diálogo com o tempo”. Guardar objetos é resistir ao esquecimento. É transformar o passageiro em permanente. Nesse sentido, colecionar é também um ato de resistência — uma forma de eternizar o que o tempo insiste em apagar.

A cultura digital ampliou esse comportamento. Hoje colecionamos experiências: fotos, curtidas, playlists, emblemas virtuais. A essência é a mesma — preservar fragmentos de significado. O que mudou é o suporte. O colecionismo saiu das prateleiras e migrou para as nuvens, mas o impulso humano continua o mesmo: reunir, organizar e reviver.

Conclusão: o colecionador dentro de cada um de nós

No fundo, todos somos colecionadores. De objetos, de memórias, de momentos. Colecionar é um gesto que une razão e emoção, ciência e sentimento. É o cérebro tentando dar forma ao invisível, transformar o tempo em algo palpável. Por isso, mais do que um passatempo, o ato de colecionar é uma expressão de humanidade.

Enquanto uns guardam livros, outros acumulam viagens, músicas ou histórias. E, de alguma forma, cada coleção é uma tentativa de registrar o que fomos — um diário silencioso, escrito não com palavras, mas com objetos. O prazer de colecionar é, afinal, o prazer de existir. De olhar para o que temos e reconhecer o que vivemos. É o cérebro, o coração e a memória trabalhando juntos para nos lembrar de que o valor das coisas está menos no que possuímos e mais no que sentimos por elas.

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