Desde que as abelhas africanizadas, também conhecidas como “abelhas assassinas”, foram introduzidas nas Américas na década de 1950, os acidentes com esses insetos têm sido uma preocupação constante. Com seu comportamento defensivo agressivo e capacidade de formar enxames facilmente, essas abelhas representam um perigo significativo para a população, especialmente em regiões como o sul e o nordeste do Brasil, onde as taxas de letalidade são mais altas.
Diante desse desafio, pesquisadores brasileiros estão dando um passo revolucionário no campo da saúde pública com o desenvolvimento do primeiro soro do mundo contra o veneno das abelhas africanizadas. Denominado antiapílico, o soro foi patenteado após anos de pesquisa e agora está avançando para a fase três de ensaios clínicos.
O estudo, liderado pela Unesp de Botucatu (SP), Instituto Butantan e o Instituto Vital Brazil, marca um marco histórico na medicina, oferecendo uma solução eficaz para um problema que afeta milhares de pessoas anualmente. Segundo Rui Seabra Ferreira Júnior, coordenador executivo do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap) da Unesp de Botucatu e um dos autores da patente, o soro antiapílico tem como público-alvo pessoas que sofrem múltiplas picadas de abelha, recebendo uma quantidade significativa de veneno em seus corpos.
Uma das características mais impressionantes do soro antiapílico é sua capacidade de neutralizar as toxinas presentes no veneno das abelhas, oferecendo um tratamento eficaz mesmo em casos graves de envenenamento. Enquanto outros tratamentos focam apenas nos sintomas, como alergia e dor, o soro atua diretamente na parte tóxica do veneno, proporcionando uma abordagem mais completa e eficiente.
O processo de desenvolvimento do soro antiapílico não foi isento de desafios. Foram necessários quase 15 anos de pesquisa, testes e aprimoramentos para chegar ao produto final. Além disso, os pesquisadores tiveram que superar obstáculos técnicos, como a coleta do veneno das abelhas sem prejudicá-las e a produção dos anticorpos nos cavalos sem causar danos aos animais.
Abaixo, você encontrará um breve diagrama ilustrando as etapas do processo de extração do veneno:
Etapas de recolhimento do veneno (Imagem: Reprodução/ACI/Jornal da Unesp)
Após a extração do veneno, que é feita de maneira cuidadosa e ética, os anticorpos são produzidos nos cavalos e posteriormente purificados para criar o antídoto. O método, semelhante ao utilizado para a produção de soros contra picadas de cobras e outros animais peçonhentos, demonstrou ser eficaz e seguro durante as fases iniciais dos ensaios clínicos.
Atualmente, os pesquisadores aguardam o apoio financeiro do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Ministério da Saúde (MS) para custear a fase três da pesquisa, que reunirá cerca de 150 a 200 participantes. O objetivo é disponibilizar o soro antiapílico pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e, eventualmente, expandir sua comercialização para outros países.
Além de representar um avanço significativo no tratamento de acidentes com abelhas africanizadas, o desenvolvimento do soro antiapílico destaca o potencial do Brasil em produzir ciência translacional e soluções inovadoras para desafios globais de saúde. Enquanto aguardamos os resultados da fase três dos ensaios clínicos, é importante reconhecer o valor das abelhas na natureza e trabalhar para garantir uma convivência segura e harmoniosa com esses importantes polinizadores.