Quando pensamos em Páscoa, muitas vezes o que vem à mente são vitrines recheadas de ovos de chocolate, coelhos sorridentes e a promessa de um feriado prolongado. Mas a verdade é que, por trás de toda essa doçura comercializada, existe uma das celebrações mais antigas e significativas da história da humanidade. A Páscoa é, antes de tudo, uma história de dor, fé, libertação e renascimento — que atravessa religiões, civilizações e séculos.
A origem milenar da Páscoa
A palavra “Páscoa” vem do hebraico Pessach, que significa “passagem”. Essa “passagem” se refere a um dos momentos mais dramáticos do Antigo Testamento: a fuga dos hebreus da escravidão no Egito. Segundo a tradição judaica, Deus orientou que as famílias hebraicas sacrificassem um cordeiro e marcassem suas portas com o sangue do animal. Assim, o anjo da morte pouparia as casas dos hebreus, enquanto as do Egito seriam atingidas pela décima praga — a morte dos primogênitos. Convencido pela dor, o faraó liberta o povo, dando início à jornada rumo à Terra Prometida.
Até hoje, os judeus celebram esse evento na Pessach, uma das festas mais importantes do calendário judaico. É um momento de lembrança da libertação e da aliança com Deus. Já temos aqui um dos pilares simbólicos mais potentes da Páscoa: a passagem do sofrimento à liberdade, da escravidão à esperança.
A ressignificação cristã: da cruz à ressurreição
Séculos depois, a Páscoa ganharia um novo significado com o surgimento do Cristianismo. Jesus Cristo foi crucificado e, segundo os evangelhos, ressuscitou ao terceiro dia — justamente durante o período da Páscoa judaica. Para os primeiros cristãos, esse evento representava uma nova libertação: não apenas física, mas espiritual. Cristo se tornou o “Cordeiro de Deus”, cujo sacrifício redime os pecados da humanidade e abre caminho para a vida eterna.
Desde o século II, os cristãos celebram a ressurreição de Jesus no domingo após o 14º dia do mês de Nissan, no calendário judaico — o que explica a variação anual da data. Esse dia se tornou o ponto alto do calendário litúrgico cristão, encerrando os 40 dias da Quaresma, um período de jejum, penitência e reflexão.
A Sexta-feira Santa, marcada pela crucificação, é um dia de silêncio e dor. O Domingo de Páscoa, por sua vez, representa a vitória da vida sobre a morte. Mais do que um milagre, é o símbolo de que todo sofrimento pode ser superado. A esperança, enfim, renasce.
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Tradições que ultrapassam os séculos: coelhos, ovos e muito simbolismo
Agora entra o lado curioso (e mais leve) da história: como o sofrimento da cruz virou… ovo de chocolate? A resposta está no sincretismo cultural.
Muito antes do cristianismo, povos da Europa já celebravam a chegada da primavera com rituais ligados à fertilidade e ao renascimento da natureza. O coelho, por sua impressionante capacidade de reprodução, era símbolo dessas festividades. Já os ovos, também associados à vida nova, eram pintados e trocados como presentes.
Com o avanço do cristianismo, essas tradições foram sendo adaptadas e incorporadas. No século XIX, os confeiteiros alemães deram um passo além: criaram os primeiros ovos de chocolate. Pronto. A partir daí, a indústria se apaixonou — e o público também. Hoje, os ovos pascais são praticamente onipresentes, ainda que poucos saibam seu real significado.
A Páscoa no Brasil: fé, cultura e chocolate
No Brasil, a Páscoa é celebrada com intensidade tanto no campo religioso quanto no cultural. A maioria dos brasileiros, de tradição católica, participa de ritos como a Via Sacra, procissões e encenações da Paixão de Cristo — muitas delas verdadeiros espetáculos teatrais ao ar livre, como acontece em Nova Jerusalém (PE), considerada a maior encenação da Paixão no mundo.
Na Sexta-feira Santa, é comum o jejum e a substituição da carne vermelha por peixes, em respeito à memória da morte de Jesus. No Domingo de Páscoa, as famílias se reúnem para almoços especiais e, claro, há a troca dos ovos de chocolate.
Comercialmente, a Páscoa é um momento estratégico: movimenta milhões na indústria alimentícia, impulsiona o varejo e representa um dos períodos mais lucrativos do ano — só perde, em alguns setores, para o Natal.
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O verdadeiro espírito da Páscoa
No entanto, em meio às vitrines chamativas e às ofertas irresistíveis, é preciso lembrar do que a Páscoa realmente representa. Seja pela fé cristã, pela tradição judaica, ou mesmo pelo desejo humano de recomeçar, essa data simboliza o poder da transformação.
A Páscoa é um convite à introspecção. É sobre deixar para trás o que oprime, o que adoece, o que sufoca. É sobre atravessar o deserto — real ou metafórico — em busca da terra prometida de cada um. É sobre acreditar que, mesmo depois da dor, pode vir a luz. Que todo fim pode ser um recomeço.
E se você, leitor, sente que sua vida está numa “sexta-feira da paixão” — pesada, escura, difícil — lembre-se: sempre há um domingo de ressurreição no horizonte. A Páscoa é o lembrete anual de que o renascimento é possível, necessário e, muitas vezes, urgente.