Em um mundo globalizado, onde agendas são sincronizadas digitalmente e reuniões acontecem entre fusos horários, parece quase inconcebível imaginar que nem todos os países seguem o mesmo calendário. Mas a realidade é que, enquanto grande parte do planeta se orienta pelo calendário gregoriano — aquele que marca o ano novo em 1º de janeiro e define os meses como conhecemos —, existem nações e culturas que vivem o tempo sob outra ótica. Nestes lugares, os anos não coincidem com 2025, os meses não têm os mesmos nomes e até mesmo os dias sagrados são celebrados em datas “móveis” ou paralelas.
Neste artigo, você vai explorar os calendários ainda vivos e utilizados em diversos países do mundo. Da Etiópia com seus 13 meses ao Irã com seu sistema solar islâmico, passando pela Índia, China, Israel e todo o mundo muçulmano, cada um desses sistemas de contagem do tempo é mais do que um método de organização: é uma herança cultural profunda, ligada a visões de mundo, astronomia ancestral e espiritualidade.
Etiópia: um país com 13 meses e sete anos de diferença
Na Etiópia, o tempo segue um compasso muito próprio. O país utiliza o calendário etíope, baseado no antigo calendário copta, com uma diferença de aproximadamente sete a oito anos em relação ao calendário gregoriano. O atual ano etíope, por exemplo, corresponde a 2017, não a 2025.
O ano etíope é dividido em 13 meses — doze com 30 dias cada e um mês extra, chamado Pagumē, com cinco dias (ou seis em anos bissextos). O ano novo etíope, Enkutatash, é comemorado em 11 ou 12 de setembro, marcando o fim da estação chuvosa no país. Além disso, o relógio etíope também difere: o dia começa às 6h da manhã, quando o sol nasce, o que significa que, quando é 7h gregoriana, para eles ainda é 1h da manhã.
Irã e Afeganistão: o calendário persa e a precisão astronômica
Diferente do sistema etíope, o Irã e o Afeganistão utilizam o calendário persa, também conhecido como calendário solar hijri. Ele é baseado no ano da Hégira — a migração do profeta Maomé de Meca para Medina, em 622 d.C. —, mas, ao contrário do calendário islâmico comum, é calculado com base em ciclos solares.
Esse sistema é extremamente preciso do ponto de vista astronômico, mais até do que o calendário gregoriano, e tem início com o equinócio da primavera no hemisfério norte (21 de março). A contagem dos anos é solar, o que significa que suas datas fixas são mais constantes em relação às estações.
No cotidiano, o calendário persa é usado para documentos oficiais, registros civis, datas de pagamento e até na televisão. Celebrações tradicionais como o Nowruz (ano novo persa) envolvem rituais milenares e acontecem exatamente no equinócio.
China: entre dois calendários e muitas tradições
Na China, o calendário gregoriano é utilizado oficialmente, especialmente nas instituições governamentais, escolas e comércio. Contudo, o calendário tradicional chinês, de base lunissolar, ainda exerce papel vital na vida cultural e espiritual do país.
Esse calendário é composto por meses lunares e se ajusta ao ciclo solar, criando um ano novo que varia entre o final de janeiro e o começo de fevereiro. Em 2025, o Ano Novo Chinês ocorrerá em 29 de janeiro, dando início ao Ano do Serpente de Madeira. Além disso, o calendário tradicional orienta datas de casamentos, funerais, festivais agrícolas e astrologia.
O uso dual é tão natural que muitos chineses têm dois aniversários: um no calendário gregoriano e outro no calendário lunar. É um exemplo claro de como tradição e modernidade coexistem.
Índia: diversidade temporal em um país continental
A Índia é, por si só, um mosaico temporal. Embora o país adote o calendário gregoriano oficialmente, o calendário nacional indiano, introduzido em 1957, também é utilizado para fins administrativos e em documentos oficiais. Ele é baseado no calendário Saka, que inicia em 78 d.C. e marca o Ano Novo em 22 de março (ou 21 de março em anos bissextos).
Além disso, outras versões do tempo coexistem no país. O calendário Vikram Samvat, por exemplo, é comum em regiões do norte, e o Cáli Iuga é utilizado em contextos religiosos hindus. Templos, festivais, casamentos e celebrações como o Diwali seguem calendários próprios, muitas vezes com base em fases lunares e alinhamentos astrológicos.
Essa pluralidade faz da Índia um exemplo vivo de sincronia entre tempos diversos, onde o cotidiano urbano convive com rituais milenares regidos por calendários ancestrais.
Israel: o calendário hebraico e os ciclos da fé judaica
Em Israel, dois calendários coexistem harmonicamente. O gregoriano rege os compromissos civis e governamentais, enquanto o calendário hebraico é usado para todos os eventos religiosos e culturais da tradição judaica.
O calendário hebraico é lunissolar: os meses seguem os ciclos da lua, mas ajustes são feitos com base no ano solar. Isso permite que festas importantes como o Pessach (Páscoa judaica), o Yom Kipur (Dia do Perdão) e o Rosh Hashaná (Ano Novo Judaico) mantenham-se em datas sazonais semelhantes todos os anos.
Curiosamente, o ano judaico atual é 5785 — sim, estamos cinco milênios à frente no tempo, se olharmos por esse prisma. Essa contagem começa, segundo a tradição, com a criação do mundo descrita no Gênesis.
Países islâmicos: o calendário da lua e a mobilidade do sagrado
Em países como Arábia Saudita, Iêmen, Paquistão, Catar, Sudão e diversos outros de maioria muçulmana, o calendário islâmico (ou Hijri) ainda é utilizado, especialmente para fins religiosos.
Este calendário é exclusivamente lunar: cada mês tem 29 ou 30 dias, e o ano totaliza aproximadamente 354 dias. Com isso, o ano islâmico é cerca de 11 dias mais curto que o gregoriano, fazendo com que celebrações como o Ramadã, o Eid al-Fitr e o Eid al-Adha se movam ao longo das estações.
A mobilidade dos feriados reflete a crença de que a espiritualidade não depende da estação ou do clima, mas da entrega e da consciência individual em qualquer época do ano.
Em um mundo que valoriza a padronização e a velocidade, perceber que existem diferentes maneiras de contar o tempo é como abrir uma janela para realidades mais profundas. Os calendários alternativos ao gregoriano revelam que o tempo não é apenas um dado numérico: é cultura, espiritualidade, sabedoria ancestral e resistência.
Na Etiópia, ele caminha com calma e um mês a mais. No Irã, é medido com precisão astronômica. Na China e na Índia, convive com as tradições e os ciclos lunares. Em Israel, marca o tempo da fé. E nos países islâmicos, ensina que o sagrado pode ser fluido. Em todos esses lugares, o calendário é mais do que um cronograma: é uma forma de existir no mundo.
Saber disso não apenas enriquece nosso repertório cultural, como também nos convida a refletir sobre como vivemos o nosso tempo. Afinal, o que é o presente, senão uma convenção entre muitos passados?
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